A decisão do governo Lula (PT) de subir de 10% para 12% a mistura obrigatória de biodiesel ao diesel vendido no Brasil a partir de abril, da última sexta-feira (17), foi recebida com contrariedade pelos transportadores de cargas em Santa Catarina. A Fetrancesc, que representa 20 mil empresas do ramo no estado, cita, em contestação, não só o eventual aumento do preço do combustível, já que o biodiesel é mais caro do que o óleo fóssil, mas, principalmente, possíveis danos a motores com a adição.

Continua depois da publicidade

Receba notícias de Santa Catarina pelo WhatsApp

O próprio governo federal já assumiu que o preço do litro do diesel deve subir R$ 0,02 com o novo percentual de mistura. Já a constatação sobre eventuais danos a motores está longe de ser consenso, sendo alvo de uma briga entre gigantes dos transportes e do biodiesel no país.

O que dizem as transportadoras

Em comunicado recente, a Fetrancesc argumentou que o biodiesel brasileiro, de base éster, tem um problema comum de criação de borra. Uma maior proporção desse combustível no diesel danificaria peças automotivas e até bombas de postos, o que traria ainda mais custos e também riscos.

“A característica química desse biodiesel gera problemas nas bombas de combustível, elementos filtrantes, injetores, não-partida do veículo, substituição de peças em campo e necessidade de reboque dos veículos devido a paradas, ampliação da emissão de poluentes atmosféricos que afetam o meio ambiente, além da consequência ainda maior a ser destacada, que é a potencialização do risco de acidentes”, escreveu a Fetrancesc, em nota.

Continua depois da publicidade

Ao contestar a medida, a entidade catarinense repete argumentos que já haviam sido levantados no início do mês pela Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), que congrega diferentes entidades patronais dos transportes, entre elas a própria Fetrancesc.

Em nota conjunta com a Confederação Nacional do Transporte (CNT) e a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), entre outras entidades, a NTC&Logística foi ainda mais dura na ocasião, dizendo que há alternativas aos combustíveis fósseis efetivamente sustentáveis e funcionais, caso do diesel verde (HVO), que seria, no entanto, preterido devido ao lobby do biodiesel.

“A verdade é que os atuais produtores de biodiesel não querem perder o lucro fácil e rápido do biodiesel de base éster, nem investir na modernização do processo industrial para produzir diesel verde”, escreveu.

O diesel verde, chamado ainda de óleo vegetal hidrogenado, é considerado um biocombustível avançado: também emite menos gases de efeito estufa do que o diesel (GEE’s), mas com maior eficiência que o biodiesel no que diz respeito ao funcionamento dos motores, podendo ser utilizado até puro.

Continua depois da publicidade

Ele carece, no entanto, de uma indústria consolidada. Um estudo de fevereiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), feito no âmbito do Programa de Transição Energética, estima que a produção de diesel verde só vai superar a de biodiesel no Brasil e no mundo todo a partir de 2050.

O que diz o setor de biocombustíveis

A briga sobre o aumento do biodiesel na mistura do diesel conta por um outro lado com a defesa da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) e da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio).

Também em nota conjunta recente, as três entidades afirmaram não haver comprovação de dano a máquinas e motores por ação direta ou indireta de biodiesel em misturas de até 15%.

“Empresas de veículos comerciais e de motores já estão alinhadas a esses objetivos preparando
seus produtos para cumprir seus objetivos de descarbonização”, escreveram.

Continua depois da publicidade

O trio também argumentou que o biodiesel brasileiro é um dos mais importantes instrumentos do país para cumprir acordos globais de descabornização, atende a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) e tem parâmetros de qualidade mais severos do que os aplicados na Europa, por exemplo.

Discussão anterior

A discussão sobre o aumento da mistura de biodiesel já havia vindo à tona no governo anterior, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu, ao final de 2021, manter a mistura em 10% para o ano seguinte, e não em 13% como previa o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB).

À época, a decisão foi motivada pela alta do preço internacional da soja, principal insumo para a produção do biodiesel brasileiro, o que iria repercutir no valor do diesel nas bombas.

O debate também esteve acalorado em 2019, quando o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou o que ainda é o maior estudo do país sobre os efeitos do biodiesel no funcionamento de motores.

Continua depois da publicidade

Na ocasião, a maioria das montadoras do país deram parecer favorável ao uso da mistura com até 15% de biodiesel, após três anos de testes com combustíveis B15 e também B20 (neste segundo caso, como o nome já sugere, a mistura leva 20% de biodiesel). Parte das empresas, no entanto, teve problemas, o que motivou a Anfavea a não recomendar o aumento do teor do combustível no diesel comercial.

A Anfavea pediu, à época, que fossem exigidos parâmetros de estabilidade à oxidação do biodiesel no país, o que seria o motivo da degradação do diesel misturado até ser comercializado e, por consequência, da formação de borras em filtros e injetores — a ameaça repetida hoje pela Fetrancesc.

O controle da oxidação virou, de fato, um exigência da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), mas aplicada aos produtores, sem contemplar toda a cadeia de distribuição.

Aumento do biodiesel até 2026

Apesar da polêmica, o governo Lula já prevê que o teor do biodiesel no diesel comercial subirá não só no próximo mês, mas também um ponto percentual a cada um dos três anos seguintes, até bater 15% de mistura (B15) em abril de 2026.

Continua depois da publicidade

— Estamos desenvolvendo estudos para poder darmos mais segurança no aumento do biodiesel, levando em consideração a balança técnica, comercial, mas, fundamentalmente, social, que é o grande espectro do governo do presidente Lula — disse o ministro Alexandre Silveira, do MME, na ocasião em que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou as mudanças.

Nos Estados Unidos, o B15 já é utilizado atualmente, também sob o princípio de descarbonização dos transportes. Isso é citado pelo governo Lula e pelo setor de biodiesel brasileiro como exemplo de que o aumento da mistura seria amplamente entendido como não sendo prejudicial aos motores.

Leia mais

Famílias em SC voltam a receber Bolsa Família com repasse médio de R$ 695

Internações por desnutrição em SC têm pior patamar em 3 anos e dão alerta sobre fome