Em Ilhota, na localidade do Morro do Baú, praticamente todos foram envolvidos, direta ou indiretamente, na catástrofe climática que matou 47 pessoas e deixou uma criança desaparecida no município, segundo dados da Defesa Civil do Estado. A agricultora Tatiane Reichert é uma das vítimas. Ela perdeu 14 familiares, entre tios, primos, sobrinhos, mãe e irmã. Uma recordação que embarga a voz e enche de lágrimas os olhos dela ao relatar com detalhes a noite de pânico, desespero e de impotência.
Continua depois da publicidade
A casa dos pais de Tatiane foi consumida pelo barro que desceu do Morro Azul na da madrugada de segunda-feira, 24 de novembro. A mãe dela morreu soterrada, o pai sobreviveu e a irmã ficou 10 horas sob a lama e por mais de quatro horas à espera de socorro, mas não resistiu e faleceu. Para a agricultora, a tragédia mudou a rotina da família. O pai e uma das irmãs deixaram a localidade e evitam falar do assunto. Ela preferiu ficar, porque é no local que, junto do marido, tira o sustento da família.
– Não acredito que alguém que passe por isso será a mesma pessoa. Aprendi a lidar com a morte e transformamos o luto em luta – desabafa Tatiane.
Dez anos depois, as curvas sinuosas e estradas de chão cercadas de vegetação não parecem o cenário à época da tragédia. A natureza de certa forma se recuperou, maquiando as cicatrizes expostas pelas áreas atingidas há 10 anos.
Após avaliar o impacto causado pelo desastre ao meio ambiente nesse intervalo de tempo, o biólogo Lauro Bacca considera que a natureza acabou se adaptando ao novo cenário que se formou. Em vários pontos é possível notar o redesenho da paisagem que o barro e detritos vindos com os deslizamentos fizeram na região, alterando inclusive os cursos d’água.
Continua depois da publicidade
– Pedras toscas e angulosas no meio do nada geralmente são sinais de deslizamentos, resquícios de um mar de lama que se formou na região – explica Bacca.
A natureza cobriu as áreas atingidas com vegetação, porém o ambientalista alerta que o solo deve levar mais de 200 anos para se recuperar.
– O que sobrou foi um subsolo, a camada fértil se dissipou. Ao longo de séculos o solo vai se recuperar. Claro que sempre nasce uma vegetação, pois caem bilhões de sementes de centenas de espécies diferentes e as que são adequadas para crescer nessas condições vão vingar – afirma o biólogo.
Em meio à vegetação que cresceu após o desastre é possível ver restos do que antes eram lares. O piso de uma casa resiste à ação do tempo e mostra como a força da natureza devastou residências e modificou paisagens. Ferros retorcidos e muros caídos contam hoje de forma silenciosa a direção tomada pelos deslizamentos que varreram muito mais do que construções, mas famílias inteiras.
Continua depois da publicidade
Leia mais sobre a tragédia de 2008
::: As marcas que ficaram na natureza e nas pessoas
::: O que aprendemos e deixamos de aprender com a tragédia de 2008 no Vale do Itajaí
::: Infográfico: por que os deslizamentos aconteceram e o que motivou a tragédia de 2008
::: Puchalski: 10 anos da maior tragédia climática de SC