A mulher transexual assassinada a facadas em Florianópolis na madrugada desta terça-feira (4) tinha sido espancada por um grupo de homens 15 dias antes de morrer e estava com medo de sofrer um novo ataque, contou uma amiga próxima da vítima.
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Isabelle Colstt, de 27 anos, morreu depois de ser atacada por ao menos dois homens em uma rua do bairro Ingleses. Os agressores fugiram de carro e ainda não foram localizados. Uma amiga dela, de 30 anos, também transexual, ficou ferida no ataque e está internada.
Em entrevista na manhã desta quinta (6), a manicure Alessandra Mendes dos Santos, amiga de Isabelle, contou que ela relatou nos últimos dias que estava com medo depois de ter sido agredida em Florianópolis. O caso aconteceu há aproximadamente 15 dias e Isabelle usou as redes sociais para denunciar a agressão, contou Alessandra.
— Ela estava andando, os caras desceram de um carro e a espancaram usando um pedaço de pau e um facão. Depois disso ela me disse que estava com medo, por causa da situação de homofobia no Brasil, mas disse também que não ia desistir de andar livre na rua — acrescenta a amiga.
Ainda segundo Alessandra, que mora na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, onde as duas se conheceram, Isabelle residia há cerca de 5 anos em Florianópolis com a mãe e com o padrasto, e trabalhava como cabeleireira. Ela também contou que a família busca ajuda para arcar com as despesas do funeral. Amigos de Canoas, onde a família morou por cerca de 10 anos, criaram uma vaquinha online para arrecadar recursos.
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O assassinato de Isabelle é investigado pelo delegado Ênio Mattos, titular da Delegacia de Homicídios da Capital. Na manhã desta quinta, ele voltou a dizer que a suspeita é que a morte tenha ocorrido após uma briga, no entanto não deu mais detalhes sobre a investigação. Questionado sobre a possibilidade de homofobia ou transfobia, o delegado comentou que não descarta nenhuma possibilidade.
Delegado e boletim da PM omitiram que vítimas eram trans
Tanto a Polícia Civil quanto a Polícia Militar inicialmente omitiram a informação de que as vítimas eram mulheres transexuais e divulgaram o crime como um homicídio e uma tentativa de homicídio contra dois homens.
A identidade de gênero foi omitida tanto pelo delegado Ênio Mattos, em entrevista ao NSC Total na manhã desta quarta (5), quanto pelo boletim de ocorrência divulgado pela Polícia Militar à imprensa.
O caso só passou a ser divulgado como envolvendo duas mulheres trans quando a reportagem entrevistou o comandante do 21º Batalhão da Polícia Militar, o major Pablo Neri Pereira, para mais informações sobre o crime, na tarde desta quarta-feira, mais de 24 horas depois dos fatos ocorridos.
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Associação de Direitos Humanos emite nota de repúdio
Na manhã desta quinta, a Associação em Defesa dos Direitos Humanos com enfoque na Sexualidade (ADEH) publicou em suas redes sociais uma nota em que repudia o tratamento dado ao caso pelo delegado Ênio Mattos e classifica a ação dele como preconceituosa.
“Ênio Mattos aparenta mais uma vez tropeçar em seus discursos LGBTfóbicos, preconceituosos, conservadores, sem quaisquer fundamento. Os estudos de gêneros e sexualidades, do ser homem ou mulher, apareceram na década de 70, é vergonhoso que um profissional da segurança pública, em um cargo como delegado, os ignore”, diz o texto, que é assinado pela coordenadora-geral do ADEH, Lirous K'yo Fonseca Ávila.
Em 2017, Ênio Matos foi afastado da investigação do assassinato da transexual Jennifer Celia Henrique, também ocorrido nos Ingleses, após declarar em entrevista que descartava que pudesse se tratar de crime de homofobia ou transfobia e afirmar que o homicídio havia sido motivado por "uma transa mal acertada".
O que dizem delegado e PM
O delegado Ênio Mattos afirmou na manhã desta quinta que não tinha conhecimento de que se tratava de duas mulheres trans, pois o boletim da PM ao qual teve acesso afirmava se tratar de dois homens.
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Já o comandante do 21º BPM, major Pablo Neri Pereira, disse que pode ter havido um erro na divulgação do caso à imprensa, e que possivelmente o relatório levou em conta apenas os nomes que constavam nos documentos encontrados com as vítimas.
No entanto, o comandante também afirmou que a informação de que as vítimas eram transexuais está no boletim de ocorrência detalhado da PM, e que não havia qualquer motivo para omitir essas informações.