* colaborou Patrícia Silveira

A chuva persistente do mês de novembro de 2008 havia se tornado torrencial. Em Itajaí, os moradores assistiam ao drama no Vale sabendo que a água que extravasava dos rios Itajaí-Açu e Itajaí-Mirim nas regiões de Brusque e Blumenau desaguaria, cedo ou tarde, no mar. Na segunda-feira, 24 de novembro, 85% do território do município amanheceu debaixo d´água.

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Por pelo menos dois dias uma grande parte da cidade já estava inundada. Nas zonas ribeirinhas, onde a água chega com mais facilidade, muitos moradores, acostumados ao vaivém das enchentes e das marés, já haviam saído de casa. Mas a dimensão que tomaria a enchente de 2008 ainda era, para a maioria, inimaginável. Nas ruas mais próximas o nível do rio chegou a subir 2,5 metros, encobrindo comunidades inteiras.

A edição do Santa de 25 de novembro explicava o motivo: além da chuva que caía, e que já havia somado 317 milímetros em Itajaí desde o início do mês, a cidade experimentava o fenômeno da Lestada, com fortes ventos que empurravam as ondas em direção à orla e levantavam a maré. Itajaí havia se tornado uma imensa represa.

Faltava água, luz e os telefones não funcionavam. Mais de 40 mil pessoas ficaram desalojadas ou desabrigadas por alagamentos ou deslizamentos de terra, em todos os bairros da cidade. Os acessos foram interditados, inclusive pela BR-101. Em pouco tempo, o Litoral concentrava 40% dos desabrigados em Santa Catarina.

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O Hospital Marieta Konder Bornhausen e o Hospital Pequeno Anjo ficaram isolados, e as ambulâncias não conseguiam chegar. A água acabou nas unidades de saúde. O prefeito Volnei Morastoni (MDB) decretou estado de calamidade pública, endossado pelo então governador Luiz Henrique da Silveira. Era a pior tragédia natural da história de Santa Catarina e a maior enchente já vista em Itajaí.

Enquanto a cidade era submersa pela água, a principal fonte de renda e de receita do município ruiu. Três dos quatro berços de atracação do Porto de Itajaí foram danificados pela correnteza e as operações foram suspensas. Em seis dias após o início da cheia, o Complexo Portuário deixou de movimentar US$ 210 milhões.

O porto só voltaria a operar no início de dezembro, com apenas um berço para receber navios. O prejuízo econômico é sentido ainda hoje: o último cais segue em reforma, com previsão de entrega para janeiro do ano que vem.

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Saques viram notícia nacional

Itajaí protagonizou cenas de desespero que ganharam o noticiário nacional, como a de centenas de moradores que romperam o cordão de isolamento da Polícia Militar e saquearam um mercado atacadista, no Bairro São Vicente, com água na altura dos joelhos. O Santa exibia a imagem do caos, na edição de 26 de novembro, sob o título “Fome calamitosa”. Um retrato fiel do momento em que a necessidade foi maior do que os limites.

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Houve quem levou aparelhos eletrônicos, outros que largaram televisores na água ao serem abordados pela polícia. Mas a maioria carregava comida – inclusive, embalagens que haviam ficado submersas na água da enchente. Em menos de quatro horas, não havia mais nada nas prateleiras.

Foi o terceiro estabelecimento saqueado na cidade, o que fez com que a PM reforçasse a segurança nas ruas, com apoio de policiais vindos de outros municípios. Um decreto recomendou que as pessoas evitassem sair após 22h.

O São Vicente, bairro onde ocorreu o saque, também foi palco de outro episódio triste: três adolescentes foram arrastados pela correnteza. Um deles sabia nadar e retirou um dos amigos da água. Bruno de Jesus Lima, 15 anos, não conseguiu se salvar e morreu afogado.

Até hoje, a família não fala sobre a perda. Mas a vizinhança, 10 anos depois, mantém viva a memória da enchente. Como a senhora Ivanir Gonçalves, que perdeu tudo o que tinha. Até o enxoval de casamento, que foi guardado com carinho durante décadas. A casa ganhou mais um providencial andar, mas a lembrança permanece:

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– Tem dias em que estou sozinha e choro ainda por tudo o que perdi. Era tão caprichosa, tinha tudo bordadinho, tudo arrumadinho. Foi meu enxoval, tudo. Perdi muita coisa. Mas a gente escapou com vida. Ainda bem que teve alguém que nos acolheu – conta.

Defesa Civil é legado da cheia que assolou a cidade há 10 anos

É possível que o estrago causado pela enchente de 2008 em Itajaí fosse minimizado com uma estrutura adequada de Defesa Civil. Na época eram apenas dois funcionários, instalados dentro da Secretaria de Segurança. Faltava tudo, inclusive equipamentos que pudessem mensurar a dimensão da tragédia que se anunciava. Muito do socorro prestado veio de voluntários.

Dez anos depois, o cenário mudou. Itajaí tem uma sede regional de Defesa Civil, vinculada ao governo do Estado, e equipamentos que monitoram a situação dos rios, além de uma rede de contatos com as demais cidades e órgãos públicos. O sistema de telemetria controla o nível dos rios e pluviômetros medem a quantidade de chuva que cai em cada parte da cidade de 10 em 10 minutos.

A mudança foi visível nas enchentes seguintes. Em 2011, a primeira cheia após 2008, a Defesa Civil conseguiu alertar os moradores de áreas alagáveis com tempo suficiente para reduzir os prejuízos materiais. A dragagem do Rio Itajaí-Açu permitiu o escoamento mais rápido da água, o que acelerou o processo. Mas ainda há o que fazer.

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O Ministério Público teve que intervir, recentemente, para proibir a prefeitura de autorizar novos loteamentos em áreas constantemente alagáveis. E a comunidade próxima ao Rio Itajaí-Mirim e ao canal retificado ainda aguarda prometidos serviços de dragagem e aprofundamento, para aumentar a vazão.

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