As cicatrizes da enchente de 2008 estão espalhadas por todo o Vale do Itajaí. Uma década depois do maior desastre natural de Santa Catarina, a reportagem do Santa voltou a visitar cinco pontos marcantes em Blumenau, Gaspar e Ilhota, cidades que registraram o maior número de ocorrências e mortes no período.
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Assim como a pele humana, a natureza e o meio ambiente cicatrizam aos poucos. As feridas causadas pelos milhares de deslizamentos e pontos de alagamentos naquele novembro de 2008 provocaram lesões que ainda provocam marcas na vida das pessoas e nas comunidades.
Em Blumenau, as marcas deixadas pela tragédia que fez 24 vítimas fatais estão na memória e na paisagem cotidiana. O latoeiro Duilton Serpa mora no mesmo lugar onde há 10 anos a casa da família ruiu em poucos minutos, no bairro Velha Central. Ele conta que chovia muito nos dias anteriores aos deslizamentos de terra que varreram as casas da Rua José Rautenberg e de parte da Goswin Dickmann.
– Lembro que ficamos sem energia e decidi ir dormir. De repente, começou a estalar dentro de casa. Quando notei que estava passando algo pela cozinha, saí com minha esposa e filha pela sala e aguardamos na rua ao lado, onde estava outro vizinho. Ficamos sem saber para onde correr e, no escuro e na chuva, vendo que nossa casa estava sendo destruída – relembra.
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Os instantes de terror que se sucederam após o deslizamento reservavam momentos de angústias e tristeza para Serpa. O morador lembra que ficou cerca de cinco horas sem notícias da filha, neto e genro, que moravam na casa de frente para a Rua José Rautenberg.
– Felizmente, eles conseguiram sair pelo outro lado, mas minha cunhada, o marido e um sobrinho, que tinham uma casa mais próxima do morro, morreram soterrados pelos escombros – lamenta.
O morro que na época deslizou e levou tudo pela frente hoje ostenta algumas árvores e vegetação. A natureza torna até difícil compreender como a tragédia aconteceu.
– Pela declividade, dá para perceber a lama que o deslizamento deixou no local.
É impressionante a capacidade de restauração natural da vegetação. Agregado a isso, há muita floresta nos morros e encostas, de onde vêm as sementes trazidas pelos ventos e animais – explica o biólogo e ambientalista Lauro Bacca, que acompanhou a reportagem na visita aos locais.
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Blumenau sofreu com três mil deslizamentos
Como na Velha Central, as paisagens renasceram em muitos lugares atingidos pelos mais de 3 mil deslizamentos registrados em Blumenau. O prédio da antiga loja de móveis na Rua Martin Luther, no Centro, impõe-se como uma ruína que mantém paredes e telhado em meio à vegetação na área interditada. Uma ruptura no morro ainda é visível, cicatriz presente em uma das ruas mais movimentadas da região central de Blumenau.
De acordo com dados da Defesa Civil da cidade, na catástrofe de 2008 cerca de 2,1 mil construções foram danificadas ou destruídas pelos deslizamentos de terra e cerca de 25 mil pessoas tiveram que deixar as casas. Uma das cenas mais impactantes de desabamentos foi registrada por moradores de um apartamento na Rua Hermann Huscher, no bairro Vila Formosa. As imagens mostram as casas da Rua Epitácio Pessoa ruindo e os destroços desmoronando morro abaixo.
A área foi interditada pela prefeitura e hoje está rodeada pela vegetação que tomou o lugar como parte da floresta nativa.
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– Antes pulsava vida humana, hoje pulsa o meio ambiente. Essa vegetação está fazendo uma trama de raízes que futuramente vai segurar possíveis erosões – avalia Bacca.
O biólogo alerta para os sinais de rachaduras e rebaixamento de solo, que com a cobertura da vegetação não são perceptíveis:
– Se essas áreas forem ocupadas, serão consideradas de grande risco. Às vezes, por não perceber, as pessoas ocupam esses lugares por entender que estão seguras.
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