Em janeiro de 2011, em uma exibição de armas no hotel Venetian, em Las Vegas, a empolgação era tanta entre os 1,6 mil expositores, que nada lembrava o recente episódio um massacre. Onze dias antes do início da convenção, na qual rifles e pistolas passavam de mão em mão, Jared Loughner havia aberto fogo em Tucson, no Arizona, matando seis pessoas e ferindo outras 13.
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Nem o caso de Tucson nem outras 60 tragédias semelhantes nos últimos 30 anos foram capazes de modificar a cultura de veneração às armas no país. Nos EUA, há mais de 88 para cada cem habitantes – quase uma por habitante -, e a taxa de homicídios bate recordes entre os países desenvolvidos.
O que se viu nesse período, no entanto, foi uma tendência de a população se armar cada vez mais. Há três décadas, pouquíssimos Estados permitiam o porte de armas em locais públicos. Hoje, são 41, e quase metade dos lares americanos (47%) tem armas de fogo.
– As armas se tornaram muito populares. O presidente Barack Obama não será capaz de apoiar uma lei nacional para interromper isso, mas poderá tomar algumas medidas – observa o professor de direito constitucional da Universidade de Denver e pesquisador do Independence Institute David B. Kopel.
A abundância de armas de fogo, a facilidade que qualquer cidadão tem para portá-las e uma maioria absoluta que preza o direito de carregá-las estão entre as teses mais repetidas para explicar a recorrência de tiroteios. No que foi, talvez, o mais chocante deles, na escola em Newtown, em dezembro, o jovem Adam Lanza tentou comprar uma arma em uma loja, mas teria ficado contrariado por ter de esperar 14 dias pela análise de seus antecedentes, segundo a imprensa americana. Lanza, então, optou por usar três armas compradas legalmente por sua mãe, Nancy, uma das 27 vítimas do massacre. Detalhe: ela costumava levar o filho a clubes de tiro.
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Projetos para prevenção
Ao enfrentar o que chamou de “dia mais difícil” de todo o mandato, o presidente Barack Obama prometeu agir. Como o tema não era sua prioridade até então, ainda paira no ar uma dúvida sobre o quão ousado Obama pretende ser. Fará mais que Bill Clinton, considerado um obstinado pela restrição às armas e que conseguiu proibir por 10 anos, de 1994 a 2004, a venda de rifles como os usados por Lanza (no detalhe ao lado), muito mais mortíferos que os outros tipos de armas? Em seu mandato, Obama ficou em silêncio quando a Suprema Corte derrubou restrições estaduais e locais sobre a posse de armas Agora, porém, pelo clima de comoção, as apostas são de que, sim, Obama irá agir.
– Algo precisa ser feito. Ainda não sabemos exatamente o quê. Acho que este momento é diferente e sentimos que há oportunidade para melhorarmos alguns aspectos – disse o morador de Newtown Lee Shull a ZH por telefone.
Dias após a tragédia, Shull reuniu algumas dezenas de pessoas para formar o grupo Newtown United. Agora, além de oferecer suporte às vítimas, eles estudam meios para fazer pressão política por leis que possam prevenir tragédias.
Na terça-feira, um grupo encabeçado pelo vice-presidente Joe Biden apresentará propostas de restrições. Um dos políticos que apoia normas mais rígidas é a senadora democrata Dianne Feinstein, que protocolou no Congresso um projeto para retomar a norma da era Clinton. A aprovação é difícil, mas Obama ainda teria margem para criar regulamentações que não exigiriam o aval da Câmara. O entendimento, porém, é de que ninguém poderá pará-lo se de fato tiver vontade.
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Para a National Riffle Association, o principal grupo pró-armas do país, há basicamente duas respostas para o caso de Newtown. Uma é a identificação de pessoas com problemas mentais. A outra é investir em mais armas. Na semana passada, 400 professores começaram a receber aulas de tiro no Estado de Utah. O professor Kopel – ele próprio anda armado – tenta explicar esse ponto de vista:
– A única possibilidade é armar e proteger as escolas. Ninguém pode dizer que, porque uma nova lei foi aprovada na segunda, as escolas estarão mais seguras na terça. Há seguranças para políticos, para autoridades, por que não proteger o nosso bem mais precioso, as crianças?
Leis são escassas e deixam brechas na fiscalização
A primeira medida de Obama após o massacre de Newtown foi anunciar apoio à renovação da lei federal de 1994 que barrava a produção e a importação de uma gama de armas de alta capacidade. A lei que expirou em 2004 enfrentava forte resistência do lobby de armamentos, que argumentava não ter havido impacto significativo nos índices de violência.
O Centro Brady para a prevenção da violência com armas de fogo registrou uma queda significativa no número dessas armas usadas em crimes, embora fossem apenas uma fração do total. Em 1994, logo depois de as restrições terem sido aprovadas, os democratas perderam o controle da Câmara dos Representantes, o que fez com que o lobby das armas fortalecesse a ideia de que a lei seria um passo para banir as armas. Uma década depois, a renovação foi barrada no Senado.
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Ao mesmo tempo, um buraco paira na legislação americana para compra e venda de armas. Desde 1993, o FBI fiscaliza o comércio de armamentos, mas cobre apenas as vendas por meio de lojas licenciadas. Vendas privadas, de uma pessoa para outra, ficam de fora. E esse mercado responderia por cerca de 40% do total, segundo o jornal The New York Times. Uma dessas práticas envolve feiras de armamentos nas quais se pode passar uma arma a outra pessoa sem que, em tese, seja exigida uma identificação.
Assim, comprar fuzis concebidos para a guerra e que no Rio Grande do Sul, por exemplo, são usados pela Brigada Militar somente em operações especiais, nos Estados Unidos é tão fácil como comprar pão em supermercado.
– Necessitamos de medidas para determinar quem são os criminosos e, particularmente, pessoas com dificuldade mental, mas o direito de ter armas, da autodefesa, é importante. Desarmar a população é desarmar as vítimas – diz o professor da Georgetown University Robert Cottrol.