Uma “cidade” dentro de outra cidade. É assim que se pode definir o bairro Ingleses, também conhecido como Zinga, no Norte de Florianópolis. Um local onde é possível encontrar desde bancos, padarias e restaurantes e que é descrito pelos moradores como um “ótimo lugar para viver”. Porém, o ponto, que abriga praias que atraem milhares de turistas anualmente, também tem sido palco de outro assunto: disputa de organizações criminosas e insegurança.
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O episódio mais recente e que chocou a Capital de Santa Catarina foi a morte do policial militar Luis Fernando de Oliveira, de 35 anos. Ele participava de uma operação na região quando foi morto com um tiro de fuzil em 11 de março. O suspeito do crime também morreu, no dia seguinte, após confronto com policiais.
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Por conta disso, forças de segurança, prefeitura de Florianópolis e Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) têm criado estratégias para conter o avanço da criminalidade. Para eles, o principal motivo para instalação de grupos criminosos na região é o “crescimento desenfreado”, que tem contribuído para o chamado “colapso social”.
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População é maior do que 94% das cidades catarinenses
De acordo com a Associação de Moradores Renovação Ingleses e Santinho (Amoris), a estimativa é de que mais de 80 mil pessoas morem no bairro. O número é maior do que a população de 278 cidades catarinenses – o que representa 94,23% de todo o território catarinense.
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Daniele Novaes, presidente da associação, conta que o crescimento no número de habitantes na região se deu, principalmente, nos últimos 15 anos, período em que, segundo ela, a população se quadruplicou.
— Antes, os Ingleses eram um bairro de praia. Atualmente, é o maior bairro de Florianópolis. Cresceu de uma maneira desnorteada — explica.
O principal motivo para o crescimento, segundo o MPSC, é a chegada de pessoas de outros lugares, que buscam na Ilha uma oportunidade de melhorar de vida. É o caso do massoterapeuta Jonathan Rodrigues Padilha, de 32 anos, natural de São Joaquim, na Serra catarinense e que mora no bairro há cerca de 10 anos.
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— A infraestrutura é muito boa. Nós temos tudo aqui, desde clínica médica até banco, Correios. Você não precisa sair daqui para resolver alguma questão. Eu vim para cá tentar estudar e uma nova vida, e está dando tudo certo. — explica.
Com o crescimento populacional desenfreado, dois problemas surgiram na região: ocupações irregulares e organizações criminosas. Na última semana, por exemplo, três obras foram demolidas nos Ingleses pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) de Florianópolis por falta de autorização e documentação para a construção. Uma delas, era um prédio de três andares.
Essa falta do planejamento urbano acaba, segundo o promotor Daniel Paladino, da 30ª Promotoria de Justiça da Capital, favorecendo a instalação de núcleos de organizações criminosas, aumentando o sentimento de insegurança aos moradores da região.
— Há muito tempo estamos estudando essas questões da ausência do Estado nas regiões do Norte da Ilha. O que nos assustou, principalmente, foi a região do Rio Vermelho [ao lado dos Ingleses] com o crescimento de ocorrências policiais envolvendo a macrocriminalidade, principalmente o tráfico de drogas. E isso tem relação com problemas de ordem socioeconômica, como a falta de planejamento urbano, questão sanitária, áreas invadidas e a inexistência de serviços públicos. É um colapso social que está gerando uma situação de desequilíbrio no que toca aquela região — pontua o promotor.
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Ingleses lidera o número de homicídios nos últimos três anos na Capital
Dados da Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina (SSP), obtidos pelo Diário Catarinense por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), dão uma dimensão em relação aos níveis de criminalidade na região. De acordo com a pasta, o bairro foi o que registrou maior número de homicídios em Florianópolis entre 2019 e 2021.
Dos 170 assassinatos ocorridos na Capital nos últimos três anos, 27 aconteceram nos Ingleses, o que representa 15% das ocorrências. Em seguida vêm os bairros Rio Vermelho, com 13, e Agronômica, com 11 vítimas.
Apesar disso, houve queda nos indicadores. Em 2019, por exemplo, a região teve 16 mortes, número que caiu pela metade em 2020, quando foram oito homicídios. Já em 2021, foram três óbitos.
— O problema não é nem a questão criminal. Os indicadores diminuíram. O que a população está reclamando é que os Ingleses tem um problema, que é o que precede o crime, que é a organização estrutural. As invasões irregulares e os processos de favelização, em alguns locais, facilita que o tráfico de drogas se instale. Eles usam essas comunidades carentes para se esconder, o que acaba agravando outras problemáticas — pontua o comandante do 21º Batalhão de Polícia Militar, no Norte de Florianópolis, Tenente-Coronel Pablo Pereira.
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“Já foi mais tranquilo”
Foi nas ruas dos Ingleses que Elienai Ângelo Rabello, de 25 anos, cresceu. Junto com os pais e os irmãos, ele viu as mudanças que o bairro, localizado no Norte da Ilha, sofreu. Mas, ele não nega que isto também trouxe uma sensação de insegurança, principalmente nos últimos anos.
— Já foi mais tranquilo na realidade, né? Se falar que é um bairro violento, é mentira, porque não é. Mas de vez em quando tem uma situação diferente — diz.
O jovem conta que, há cerca de dois anos, foi assaltado a mão armada próximo à loja de materiais de construção que ele possui na região. Uma situação que, segundo ele, nunca pensou que ocorreria no bairro.
— Claro que não aconteceu mais. Mas, de vez em quando, alguém furta uma bicicleta, um cabo. Se eu falar que é totalmente tranquilo, vou tá mentindo, mas se falar que é totalmente violento também vou — complementa.
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De acordo com Daniela Novaes, presidente da Amoris, são dois os pontos considerados críticos no bairro, em questão de segurança: o Morro da Lajota e a Servidão Vicentina Custódia dos Santos, conhecida como “Rua dos Baianos” — local onde ocorreu a morte do policial no último mês.
— Estes são os dois pontos mais críticos. É um ponto onde o tráfico de drogas está dominando e pedaços onde as pessoas estão começando a ficar com medo — diz.
O tráfico de drogas, inclusive, é apontado pelas forças de segurança como um dos principais “pilares” para a criminalidade na região. Segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública, no qual o Diário Catarinense teve acesso, ao menos 61 boletins de ocorrência, relacionado ao tráfico de entorpecentes, foram registrados nos bairros Ingleses e do Rio Vermelho no último ano — número é 64,86% maior do que em 2020, quando foram 37 ocorrências.
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Porém, a delegada Michele Alves Correa Rebello, responsável pela Diretoria de Polícia da Grande Florianópolis (DPGF/PCSC), ressalta que este tipo de crime não está restrito apenas a essa localidade da Capital.
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— O tráfico de drogas é um problema em todos os locais da Ilha, o que acaba gerando tanto o furto, quanto o roubo. Combatendo o tráfico, isto acaba inibindo o furto e o roubo — pontua.
Por conta disso, a delegada cita uma série de operações que têm sido realizadas na região, a fim de inibir a criminalidade. Uma delas ocorreu em 18 de março, uma semana após a morte do policial militar. Na ocasião, dois homens foram presos em flagrante pelo crime de tráfico de drogas. As equipes também apreenderam armas, celulares, munição e drogas.
MP apura situação na região
Em março, o Ministério Público de Santa Catarina instaurou um inquérito civil para apurar e buscar soluções para os problemas sociais relatados no bairro Ingleses, principalmente na região onde houve a morte do policial militar.
— Pretendemos buscar nesse inquérito um levantamento do número de moradias irregulares, números de pessoas que vivem no local, de onde elas vêm e o que está sendo oferecido pelo poder público — explica o promotor de Justiça, Daniel Paladino.
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Após o levantamento dos dados, a proposta do MP é realizar uma reunião com os órgãos públicos, forças de segurança e sociedade civil, onde as primeiras medidas devem ser traçadas. Entre elas, a regularização de propriedades e o oferecimento de serviços públicos de qualidade à população. Outro ponto em discussão é a criação de um posto da Polícia Militar no bairro.
A ideia, segundo o promotor, é levar a mesma ação também para outras comunidades da capital catarinense.
— Chegou o momento de virar a chave, senão Florianópolis não tem mais jeito. Precisa colocar um freio, oferecer qualidade de vida, criar uma política pública, cobrar deles [órgãos públicos] essas mudanças. A maioria das pessoas, que vive ali, é trabalhador e eles estão pedindo socorro — salienta.
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De acordo com a delegada Michele Alves Correa Rebello, da DPGF, a Polícia Civil tem atuado na região por meio de operações, junto com as diretorias especializadas, e que conta com o apoio da população para eventuais denúncias.
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— As pessoas veem muita coisa e sabem de muita coisa. Nós precisamos desse apoio da população para combater esse crime de forma organizada. Se a pessoa viu uma movimentação estranha, denuncie para a polícia, porque isso é importante para combater o crime — pontua.
O tenente-coronel Pablo Pereira, comandante do 21º Batalhão de Polícia Militar, também salienta que as equipes têm feito diversas operações na região, principalmente relacionadas ao tráfico de drogas. Também há previsão de novas ações nos próximos dias.

O que diz a Prefeitura
A Prefeitura de Florianópolis afirma que tem realizado ações para combater os índices de criminalidade na região. De acordo com o secretário municipal de segurança pública, coronel Araújo Gomes, desde o ano passado, o Norte da Ilha conta com uma unidade da Guarda Municipal.
Além disso, na última semana, o município assinou um decreto para a criação de um gabinete de gestão integrada, que tem como objetivo criar uma maior integração entre os órgãos de segurança pública.
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Outro ponto que tem sido discutido na pasta são as ocupações irregulares. Por conta disso, a equipe fechou uma parceria com o governo federal para fiscalização das áreas urbanas por meio de imagens de satélite, para que isso auxilie no controle do crescimento desordenado na Capital.
— No Norte, temos ações concretas: deslocamos uma base para lá, com uma lógica de mostrar a nossa presença. Nós realizamos esse convênio para reduzir as ocupações irregulares nesses locais e oferecer a zeladoria necessária. E estamos conversando com as polícias, desenvolvendo ações para a apreensão de armas e o combate ao tráfico de drogas, para aumentar a sensação de segurança aos moradores — diz o secretário.
Por meio de assessoria, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) informou que não tem a quantidade de imóveis que estão em situação irregular no Norte da Ilha. Só em 2021, 84 empreendimentos foram demolidos em todo o município por apresentar algum tipo de irregularidade.
A pasta salientou, ainda, que tem realizado ações de conscientização para que a população não negocie imóveis irregulares. “Para conter a construção de imóveis irregulares, são realizadas fiscalizações diárias, além de operações de grande proporções semanais. Também é feita fiscalização através de drones”, disse em nota.
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