Eles têm chifres, são feitos de galhos e barba-de-velho e, claro, causam medo. Em Guabiruba, os monstros tomam as ruas nesta época do ano no tradicional Pelznickel. Todos com um objetivo em comum: cobrar o bom comportamento das crianças em troca dos presentes do Papai Noel. A celebração natalina, herdada dos colonizadores germânicos, permanece viva na cidade com pouco mais de 20 mil habitantes no Vale do Itajaí.

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Além de uma brincadeira capaz de assustar até gente grande, os desfiles são um atrativo para toda a comunidade, que aguarda com ansiedade a chegada dos ajudantes do Papai Noel. Segundo a lenda, o Pelznickel (“pelz”, em alemão, é pelagem, e “Nickel”, o diminutivo de Nicolau) aparece somente em dois momentos do ano: no dia de São Nicolau, em 6 de dezembro, e na véspera do Natal, dia 24. No restante, ele mora na floresta, no meio do matagal.

Os olhos marejados de Ivan Fischer, presidente da Sociedade do Pelznickel, ao falar sobre o tema, refletem o afeto que os moradores de Guabiruba têm com o personagem. Por um tempo, ele e Fabiano Siegel eram os únicos a representar o Papai Noel do mato – como também é conhecido o personagem – na rua onde moravam. Foi em 2005 que eles decidiram convidar conhecidos a manter a tradição e criaram a sociedade.

– Ou organiza ou acaba, nós pensamos. Então, começamos a convidar as pessoas, e tudo começou. Hoje temos um estatuto, CNPJ e as pessoas foram voltando a ter o hábito. No início, eram apenas seis integrantes, mas começamos a passar em mais ruas e as pessoas se motivaram a participar – afirma Fabiano Siegel.

Doze anos após a criação da Sociedade do Pelznickel, que preserva e mantém esta cultura centenária trazida pelos imigrantes europeus, 73 pessoas integram o grupo – 25 membros se vestem com as roupas feitas por eles e assustam as crianças, mas só as que não se comportaram bem. Há gerações, a tradição é passada de pai para filho. Transformados em monstros, pais assustavam os pequenos, e hoje são eles que saem às ruas.

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– Muitos meninos de 14, 15 e 16 anos querem entrar na sociedade. E isso não é uma brincadeira, aqui eles aprendem que é algo sério. É um teatro ao vivo que acontece aqui dentro. O meu filho, por exemplo, estreou no desfile de Natal da cidade. Eles aprendem e mantém essa cultura viva – conta o pai orgulhoso Ivan Fischer, que cita desconhecer a tradição fora de Guabiruba.

Os filhos gêmeos de Fabiano Siegel também passearam pelas ruas de Guabiruba como ajudantes de São Nicolau, que seria a inspiração para o Papai Noel que todo mundo costuma conhecer:

– Com três para quatro anos, os dois foram de Pelznickel no desfile da cidade. As pessoas achavam a maior graça, só que eles ficaram bravos porque todo mundo ria deles e não ficavam com medo – conta Fabiano, que começou a desfilar com 12 anos, mas até os 11 ainda tinha medo do Papai Noel do mato.

COSTUME É MANTIDO POR GERAÇÕES NA CIDADE

A tradição passa por gerações e o modo de fazer as roupas é peculiar. Cada membro da Sociedade do Pelznickel cria a própria roupa – alguns com folhas, outros com roupas e barba-de-velho – como aprendeu a fazer com o pai e com o avô. Pouco se sabe a respeito da origem do Pelznickel, só que ela é feita desde a chegada dos imigrantes à cidade e mantida por costume pelos moradores de Guabiruba.

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Além do Papai Noel do mato, outros personagens fazem parte desta encenação natalina, um teatro vivo, como diz o presidente. A sobrinha de Fabiano, Aline Taís Siegel, hoje com 23 anos, por exemplo, começou a participar da programação quando tinha 13 anos. Isso foi pouco depois de perder o receio de conviver com o temido Pelznickel.

– Tinha muito medo. Meu tio sempre se vestiu e eu sabia que era ele e, mesmo assim, eu tinha medo. Quando ele me convidou para ser Christkindl (Menino Jesus) eu aceitei, claro. Hoje eu converso com os menores sobre a obediência, a escola e digo que vou bater um papo com o Pelznickel, exatamente como faziam comigo na infância – relembra.

Os personagens

Conheça os principais nomes do Natal de Guabiruba:

Pelznickel (Papai Noel do Mato)

No entardecer dos dias 6 e 24 de dezembro ele sai das matas e invade as ruas da Guabiruba para dar uma lição nas crianças que não se comportaram bem durante o ano. Cobertos de folhas, barba de velho ou trapos de roupas escuras, com chifres e máscaras assustadoras e carregando correntes, chicotes ou varas, eles ajudam o Papai Noel na tarefa de entregar presentes.

São Nicolau

Há várias lendas sobre o personagem, uma é que dele saiu a imagem do Papai Noel de hoje e outra que nos tempos difíceis da Europa ele ajudava os pobres e, enquanto entregava presentes para as crianças boazinhas, os moribundos cobravam a obediência delas.

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Christkindl (Menino Jesus)

São Nicolau era casamenteiro e em troca pelo serviço do casório pedia para que, no Natal, as mulheres saíssem para ajudar as pessoas mais necessitadas vestidas de branco. Elas simbolizam a pureza e representam o próprio Menino Jesus.

Farmhand (Colonos)

O Opa (avô) e a Oma (avó) cuidam da casa, e são amigos dos Pelznickel.

Sackmann (Homem do saco)

Ele passava nas ruas com roupas velhas e um saco nas costas para pegar as crianças que andavam sozinhas principalmente à noite, e prendia elas dentro do saco.