Não podemos confundir Justiça com justiçamento. Se o Supremo entendeu que a pena privativa de liberdade pode ser flexibilizada, esta passa a ser uma decisão legítima.

Continua depois da publicidade

O Supremo Tribunal Federal decidiu na última quarta-feira conceder autorização para o ex-ministro José Dirceu trabalhar fora da cadeia, num escritório de advocacia de Brasília. Dirceu, o condenado de maior notoriedade no processo conhecido como Mensalão, cumpre pena em regime semiaberto desde o mês de novembro, mas estava impedido de deixar a prisão porque o antigo relator da ação, ministro Joaquim Barbosa, alegava que ele precisava cumprir um sexto da pena para ter direito ao trabalho externo – como ocorre com os sentenciados ao regime fechado.

Com o afastamento de Barbosa, o plenário do STF, por nove votos a um, firmou entendimento contrário, referendando jurisprudência aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça. Agora não há mais dúvida, embora ainda persistam divergências jurídicas, inclusive do ministro Celso de Mello, que foi o voto vencido na sessão referida. A liberação dos chamados mensaleiros para trabalhar fora da prisão gera compreensível desconforto em quem aplaudiu a condenação de réus poderosos, especialmente daqueles que possuíam representação política e não souberam honrá-la. Mas precisa ser respeitada.

Não podemos confundir Justiça com justiçamento. Se o Supremo entendeu que a pena privativa de liberdade pode ser flexibilizada, esta passa a ser uma decisão legítima, assim como foi a condenação. Cabe lembrar, porém, que os beneficiados pela nova medida não estão livres do cumprimento de suas penas, tampouco da vigilância da sociedade. O trabalho externo, que é uma forma civilizada de reabilitação de criminosos, não pode ser uma fraude – como ficou evidente naquela primeira tentativa do ex-ministro de cumprir expediente como gerente de um hotel, com salários de R$ 20 mil mensais. Agora, pelo menos, a oferta de emprego é razoável e crível: ele vai trabalhar na biblioteca do escritório do advogado criminalista José Gerardo Grossi, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, com salário de R$ 2,1 mil.

Cabe ao juiz da Vara de Execuções Penais fiscalizar se o emprego permite a ressocialização e se é possível o controle do trabalho executado. E cabe a todos os brasileiros comprometidos com a democracia e com a Justiça manter a vigilância sobre as instituições para que elas cumpram efetivamente suas atribuições constitucionais.

Continua depois da publicidade