As denúncias de tortura no sistema prisional e socioeducativo de Santa Catarina teriam sido identificadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) ao menos desde abril deste ano. Na ocasião, uma inspeção do órgão no Estado ouviu de adolescentes do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Joinville que eles seriam alvos do “pacote”, prática em que são espancados após terem os pés e mãos amarrados pelas costas. Isso estaria sendo, no entanto, acobertado.

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O cenário é descrito pela advogada Cynthia Maria Pinto da Luz, que integra o Centro de Direitos Humanos (CDH) em Joinville, em entrevista à NSC TV. A entidade acompanhou o MNPCT à época da inspeção, que também visitou outras unidades, como o Presídio Regional de Mafra e o Complexo Prisional de Florianópolis, onde três detentos morreram por um incêndio em fevereiro.

— Nós fizemos uma inspeção em abril junto com o Mecanismo, e também participou o coordenador do Centro de Direitos Humanos (CDH) daqui de Joinville. Nessa inspeção, conseguimos constatar uma série de irregularidades e violações de direitos humanos — relatou Pinto da Luz, que é também vice-presidente do Conselho Carcerário de Joinville (CCJ) e acompanha o tema há cerca de 30 anos.

A inspeção foi uma das etapas de produção de um relatório do MNPCT sobre o sistema prisional catarinense. Ele só deve ser divulgado na íntegra na segunda metade de setembro.

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A produção do relatório foi iniciada justamente por ocasião do incêndio ocorrido na Penitenciária de Florianópolis. Em maio, o NSC Total já havia adiantado conclusões prévias do documento. À época, a perita Bárbara Coloniese, vinculada ao MNPCT, relatava ter identificado condições degradantes nos presídios. A ala em que ocorreu o incêndio, segunda ela, assemelhava-se a uma “masmorra”.

Coloniese revelou ao site de notícias UOL, em reportagem desta terça-feira (29), os supostos casos de tortura no Case de Joinville. O portal de notícias ainda teve acesso a um dos ofícios produzidos pelo MNPCT sobre o sistema prisional catarinense — mesmo antes de finalizar o relatório, o órgão já se utilizava de ofícios para comunicar pontualmente as autoridades competentes sobre as violações identificadas.

O NSC Total tentou contato com a perita Bárbara Coloniese, que não retornou o pedido de entrevista. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), pasta do governo federal à qual o MNPCT está ligado, também não retornou contato com a reportagem.

Tortura em Joinville

A advogada Cynthia Maria Pinto da Luz afirma que, em relação ao Case de Joinville, foram identificados problemas estruturais e também denúncias de tortura que, segundo ela, estariam sendo acobertadas.

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— É um local inóspito, afastado onde está instalado o estabelecimento socioeducativo. Não há acesso para advogados e familiares, não chega ônibus, os internos estão isolados. Podemos presenciar uma série de denúncias que, além de envolver um local com estrutura física precária, também tem indícios, evidências e denúncias de tortura física e moral — relatou a especialista em entrevista à NSC TV.

— O evento que a perita denuncia [ao portal UOL] é a prática do “pacote”, ou seja, algemar pés e mãos juntos de costas, e manter a pessoa ali submetida inclusive a espancamentos. A maioria dos adolescentes entrevistados confirmou essa prática. Eles dizem que não são todos os agentes socioeducativos que fazem isso, porém, há uma política de encobrir essa situação, tanto dos demais da administração quanto da Secretaria de Assuntos Prisionais — afirmou a advogada.

Facções entre jovens infratores

A representante do CDH também afirma que o contexto degradante tem pressionado o assédio de facções criminosas sobre os jovens do sistema socioeducativo.

É argumento comum entre especialistas no tema que as péssimas condições do sistema prisional no país, e não apenas em Santa Catarina, dão poder a grupos criminosos para angariar novos integrantes.

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— Principalmente agora com essa nova política que está sendo implementada na SAP, estamos vendo os caminhos trilharem mais pela repressão e opressão do que por uma política de fato socioeducativa, que de fato englobe a ressocialização desses jovens. Na medida em que passam a maior parte do tempo nas celas, com muito pouco tempo de sol, indo apenas para as salas de aula do ensino formal, não se vê nenhuma perspectiva de recuperação desses jovens — diz Pinto da Luz.

— Outra coisa que é muito grave e que a gente pôde perceber [na inspeção de abril] é que já indícios de faccionamento dentro do socioeducativo, em virtude de que os jovens acabam sendo assediados pelas facções criminosas que atuam no sistema prisional e os levam a uma situação de reprodução da violência.

O que diz a Secretaria Administração Prisional

Em entrevista ao Notícia da Manhã, da CBN Floripa, logo após a publicação da reportagem pelo UOL, a secretária-adjunta da Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa catarinense (SAP-SC), Joana Mahfuz Vicini, classificou como graves os fatos denunciados, mas ponderou que a gestão ainda iria se inteirar sobre eles antes de emitir um posicionamento definitivo.

Ela e o titular da pasta, o secretário Carlos Antônio Gonçalves Alves, foram nomeados aos seus respectivos cargos pelo governador Jorginho Mello (PL) na última sexta (25).

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— Tivemos acesso de maneira muito superficial. Já estamos com audiências marcadas com todos os entes que nos fiscalizam para que tenhamos conhecimento mais profundo — disse.

— O que posso adiantar é que a nossa gestão é no sentido da estrita legalidade. Verificadas essas situações, se de fato ocorreram, verificado o contraponto do que a gestão anterior já atuou, se realmente estiverem acontecendo ou acontecido, teremos uma atuação muito forte de investigação e correção.

— A nossa intenção é voltarmos a nos pronunciar sobre o tema com dados mais concretos. A nossa linha de atuação é com transparência e temos esse compromisso de dar uma resposta à sociedade. Foram situações graves, e não fecharemos os olhos a isso — emendou a secretária-adjunta.

Vicini ainda afirmou que a gestão atual da SAP será pautada pela ressocialização de presos e jovens infratores, para oportunizar o período em que estão privados de liberdade.

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