*Por Raphael Minder

Barcelona, Espanha – A cada cinco dias, Daniel Ordoñez abre 1.400 torneiras em um hotel à beira-mar aqui em Barcelona, que os moradores chamam de “A Vela” por causa de seu formato.

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Cada torneira tem de ficar aberta por cerca de cinco minutos, de modo que a tarefa leva um dia inteiro. “É provavelmente a parte mais chata do meu trabalho, mas é necessária”, disse ele, para evitar uma forma de pneumonia que pode ser espalhada por bactérias na água: a doença dos legionários, ou legionelose.

Ordoñez, responsável pela manutenção do hotel, tem sido seu único ocupante contínuo nos últimos dois meses, vagando por seus salões fantasmagóricos por causa de outra doença que devastou o país e o mundo: a Covid-19.

Quando o hotel fechou em meados de março como parte de um bloqueio nacional para conter a propagação do coronavírus, Ordoñez, que é engenheiro industrial, concordou em se isolar lá dentro, a fim de evitar qualquer deterioração do local que poderia atrasar sua reabertura, quando isso puder ser feito.

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Ele agora vive sozinho no 24º andar, o que lhe dá uma vista incomparável da cidade, de suas praias e do Mediterrâneo.

“No início, pensei que ficaria aqui por cerca de duas semanas. Mas até agora foram oito, sem um fim claro à vista”, contou Ordoñez, que é solteiro.

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(Foto: Samuel Aranda / The New York Times)

Indiscutivelmente o alojamento de luxo mais emblemático de Barcelona, o W Hotel, que tem cem metros de altura e 27 andares, domina a orla da cidade. Alguns podem achar inquietante caminhar por seus corredores desertos, olhar para salões desocupados ou jantar sozinho um prato de frango frito e legumes cozidos em uma cavernosa cozinha de restaurante, mas não Ordoñez.

“É meio estranho ver minhas poucas meias girarem dentro da máquina de lavar de uma lavanderia enorme, mas já tive tempo de me acostumar com isso também”, disse ele com um sorriso triste em uma entrevista recente, feita a uma distância segura.

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Com um número oficial de mais de 27.100 mortos, a Espanha é um dos países europeus mais atingidos pela pandemia do coronavírus. Este mês, o governo de Madri começou a reduzir gradualmente as restrições do confinamento, a fim de devolver o país ao que o primeiro-ministro Pedro Sánchez chama de “o novo normal” até o fim de junho.

Mas não há indicação de quando a Espanha vai recuperar as perdas da indústria do turismo, que representou 12 por cento de sua economia no ano passado. Os visitantes estrangeiros enfrentam uma quarentena de 14 dias na chegada, uma medida que será mantida “o tempo que for ecessário” para evitar “casos importados” que poderiam anular os ganhos dos esforços de bloqueio doméstico, alertou o ministro espanhol da Saúde, Salvador Illa.

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(Foto: Samuel Aranda / The New York Times)

Ordoñez, de 37 anos, deixou sua casa nos arredores de Barcelona para ocupar um quarto no grande hotel e continuar suas tarefas de manutenção. Ele afirmou que ficaria o tempo necessário no prédio em que conhece cada canto e fenda, desde seus dutos de ventilação até suas áreas de armazenamento subterrâneo. “Esta já era minha segunda casa antes do confinamento”, observou ele.

Os bloqueios e fechamentos de fronteiras impostos ao redor do mundo para limitar a propagação do coronavírus deixaram muitas pessoas presas em locais improváveis, incluindo dois amigos que se esconderam em um pub vazio de Londres ou um casal em uma lua de mel prolongada nas Maldivas. Muitas pessoas ricas fugiram das grandes cidades, encontrando refúgio em suas casas de campo ou até mesmo em um spa em Bali.

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Mas a decisão do hotel de Barcelona de pedir a Ordoñez que ficasse lá dentro destaca uma questão diferente: infraestruturas que precisam ser cuidadas, mesmo quando os negócios estão parados.

Barcelona, um dos principais destinos turísticos da Europa, atraiu quase 12 milhões de visitantes no ano passado. Antes do coronavírus, moradores e políticos vinham debatendo o impacto desse fluxo turístico recorde, incluindo questões como a enxurrada de viajantes que desembarcam de navios de cruzeiro e a proliferação de apartamentos do Airbnb, que elevaram os preços dos imóveis no centro de Barcelona.

Agora, a ausência de turistas faz com que Barcelona e outros destinos de férias em toda a Espanha enfrentem uma ameaça econômica sinistra.

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(Foto: Samuel Aranda / The New York Times)

A Exceltur, uma associação de lobby turístico espanhol, previu em março que as receitas turísticas da Espanha cairiam pelo menos 55 bilhões de euros – cerca de US$ 60 bilhões – este ano.

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“Se países como Espanha, Itália e Grécia também não tiverem uma temporada de turismo de verão, os países do norte também vão sofrer porque enfrentarão um resgate europeu muito maior”, disse Bary Pradelski, professor associado de economia do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França.

Ele tem defendido que as viagens de férias sejam retomadas rapidamente – pelo menos entre regiões da União Europeia com um risco baixo de infecção.

As viagens são um grande negócio para a UE, da qual a Espanha é membro (o turismo representa dez por cento da produção econômica bruta do bloco). A livre circulação através das fronteiras também é um elemento central da vida em um continente interconectado. Em uma tentativa de salvar a temporada de turismo de verão, a Comissão Europeia, o braço executivo da UE, recomendou na quarta-feira que países com níveis semelhantes de surtos de coronavírus aliviem as restrições de viagem.

A comissão declarou que isso deve, em última análise, levar a uma restauração da livre circulação entre os 27 Estados membros do bloco. Mas seu conselho não é vinculativo, e é provável que cada membro cumpra suas próprias políticas.

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Uma noite na cobertura do W Hotel em Barcelona pode custar até 13.500 euros (cerca de US$ 14.660). A administração do hotel se recusou a discutir as consequências financeiras de manter a suíte e seus outros 472 quartos fechados desde março, mas, na semana passada, sua controladora, a Marriott, relatou uma queda nos lucros do primeiro trimestre. A empresa também informou que sua receita por quarto disponível caiu 90 por cento em abril.

Sozinho no hotel, Ordoñez, que normalmente é responsável por uma equipe de 20 trabalhadores da manutenção, enfrentou alguns desafios – como tentar consertar algo no alto, sem alguém para segurar a escada. Ocasionalmente, ele pedia a ajuda da única outra pessoa de plantão no prédio: um guarda rotativo que monitora as câmeras de segurança a partir de uma sala de controle do porão. (O guarda não dorme no hotel.)

Mas há uma vantagem em trabalhar em um espaço deserto, observou Ordoñez. Recentemente, ele testou o sistema de alto-falantes do hotel sem se preocupar em perturbar os hóspedes. “Uma boa parte do nosso tempo normalmente envolve responder a reclamações de clientes. Essa questão certamente inexiste por enquanto.”

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(Foto: Samuel Aranda / The New York Times)

No início do lockdown da Espanha, com o país sofrendo com um número crescente de mortos e a escalada da devastação econômica, Ordoñez decidiu fazer mais do que testar as torneiras: ele ajustou as cortinas e a iluminação em alguns quartos para criar um coração gigante na fachada do hotel.

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Isso se tornou um farol de solidariedade com os profissionais de saúde do país. Desde que o calçadão da orla reabriu este mês, os moradores fazem selfies em frente ao coração. “Parecia uma ótima maneira de me conectar com o que está acontecendo lá fora”, disse Ordoñez.

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