O interesse do governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, em acabar com a obrigatoriedade da tomada de três pinos pode trazer mais danos do que ganhos, avaliam especialistas. O modelo adotado (sob críticas) no Brasil desde 2011, em dissonância à grande maioria dos 84 países que formam a Comissão Eletrotécnica Internacional (IEC, na sigla em inglês), poderá perder a exclusividade a partir da posse, conforme informação trazida por colunista de GaúchaZH na última quarta-feira (26).

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A equipe de transição teria discutido até a possibilidade de proibir a venda de aparelhos com plugues de três pinos, mas a discussão passou a convergir para uma flexibilidade: os fabricantes de aparelhos elétricos poderiam escolher o modelo a seguir.

A avaliação do presidente da seção do Rio Grande do Sul da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Régis Sell Haubert, é de que rever o modelo já adotado seria um retrocesso, a ruína de um padrão sedimentado entre fabricantes e grande parte dos consumidores.

— O Brasil fez uma opção como qualquer outro país, escolhemos uma norma e que traz segurança. Mas o brasileiro é complicado: se criamos um sistema sério, é por que tem alguma coisa errada — alfineta Haubert.

O principal argumento favorável à tomada brasileira é a segurança, já que o recuo no encaixe impossibilita, por exemplo, que uma criança encoste o dedo no pino semiencaixado e energizado. Além disso, o terceiro pino evita choques quando conectado a tomadas de imóveis com aterramento elétrico (estima-se que metade das residências brasileiras tenham aterramento).

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— Você não ouve falar de criança tomando choque elétrico por colocar o dedo em uma tomada, isso é coisa do passado. O real problema é que ainda temos grande parte das casas e prédios com construções antigas, que não atendem às normas de segurança — avalia Haubert.

Má compatibilidade

O modelo nunca angariou muitos fãs em razão da incompatibilidade com padrões da maioria dos países — além do Brasil, apenas África do Sul, Lichtenstein e Suíça entre os participantes do IEC utilizam os três pinos. Brasileiros que viajam para o Exterior normalmente precisam comprar adaptadores de dois pinos para carregarem seus notebooks e câmeras digitais em hotéis e aeroportos.

Esse tipo de tomada foi imposto pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) em 2000, ao estabelecer prazos para que fabricantes e comerciantes de material elétrico e eletrodomésticos se adaptassem ao padrão NBR 14136. A obrigatoriedade veio em 2011.

À época, a novidade teve ferrenhos adversários, especialmente porque representou gastos extras estimados em R$ 1,4 bilhão para troca das instalações em cerca de 60 milhões de residências. Em 2017, o mercado de tomadas, plugues, cabos e extensões faturou R$ 23,7 bilhões no Brasil, segundo a Abinee.

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Um dos mais ferozes críticos dos três pinos também é reticente quanto a uma eventual mudança. Marco Aurélio Sprovieri Rodrigues, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Material Elétrico e Aparelhos Eletrodomésticos no Estado de São Paulo (Sincoelétrico), tem feito campanha contra o modelo por considerá-lo pouco funcional e por ter sido imposto sem que fosse houvesse um plano de transição.

Ele avalia que teria sido mais lógico e menos custoso modelos de dois furos com pinos chatos ou encapados até a metade, que manteriam a segurança. Seu medo é que uma nova mudança possa reeditar transtornos (e custos) como os de 2011.

— A mudança precisa ser muito bem estudada, pois pode trazer, ao mesmo tempo, benefícios e transtornos — afirma Rodrigues.