Tom Zé já fez discos conceituais sobre samba, pagode e bossa nova, mas, na hora de revisitar o tropicalismo, não quis criar um quarto título da série Estudando. Aos 75 anos, o músico apresenta sua nova teoria no álbum Tropicália Lixo Lógico.
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Ao longo de 16 canções leves e embaladas, Tom Zé não procurou resgatar a sonoridade ou a estética dos discos tropicalistas. E embora teça uma série de citações e referências para elaborar sua tese, fez um álbum com letras que tratam de amor e cenas cotidianas.
– Consegui fazer um disco vigoroso, alegre, balançado e tal. É meu álbum mais popular e cantante. São canções de tese festeira e canções de festa sem tese. Pode-se simplesmente ouvir o disco (Tom Zé emula uma série de batidas e ritmos). Mas tem outro jeito, que é a pessoa se perguntar: “O que ele quer dizer?”. Bom, aí consulta o encarte, lê os textos e ouve com atenção. E ainda tem a terceira maneira de ouvir, que é juntando as duas primeiras – acrescenta, em entrevista concedida por telefone.
Selecionado pelo projeto Natura Musical, o 23° disco do baiano de Irará traz participações de nomes da nova geração da música brasileira, como Mallu Magalhães (Tropicalea Jacta Est e O Motobó e Maria Clara), Emicida (Apocalipsom) e o Los Hermanos Rodrigo Amarante (NYC Subway Poetry Department).
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– Eu já gostava de todos. Eles toparam colocar suas vozes e tiveram paciência, repetiram as coisas, deram ideias, colaboraram demais – conta Tom Zé.
Ao investigar o tropicalismo, ele buscou aprofundar a interpretação mais divulgada que aponta o rock internacional e Oswald de Andrade como inspirações determinantes do movimento.
Em Tropicália Lixo Lógico, o músico desenvolve uma tese que recua até as origens dos tropicalistas para explicar como se formatou a atitude vanguardista que causou tanto estranhamento no Brasil da segunda metade dos anos 1960. A intricada teoria de Tom Zé considera que, quando crianças, Caetano, Gil e outros tropicalistas eram “analfatóeles na creche tropical”, tendo como origem uma cultura de tradição oral, chamada “moçárabe”.
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Quando entraram na escola, foram expostos ao pensamento formal, aristotélico. Da soma das duas culturas, resultou um “lixo lógico” que ficou adormecido no cérebro até um momento de deflagração. O disparo desse gatilho seria dado, então, a partir do choque causado pela redescoberta do modernismo brasileiro, pela poesia concreta, pela Variedades arte de Hélio Oiticica, pelo teatro de Zé Celso Martinez Corrêa, pelo cinema de Glauber Rocha e pela música de Rita Lee e os Mutantes.
Com o “lixo lógico” sendo trazido à tona, os tropicalistas se transformaram em heróis civilizadores da juventude brasileira, sendo responsáveis por fazer o país se dar conta da segunda revolução industrial já em curso. No caso de Tom Zé recuar até a gestação e a explosão do tropicalismo também envolve uma investigação de caráter pessoal, de acerto de contas com certos fantasmas.
Depois de ser um dos personagens centrais do movimento, Tom Zé foi praticamente escanteado desse capítulo da história da música brasileira. Nesses mais de 40 anos, passou por mais de duas décadas de relativo ostracismo e não se cansou de destilar certa mágoa em relação aos antigos pares. Até que, nos anos 1990, tudo mudou para Tom Zé quando foi redescoberto nos EUA pelo ex-Talking Head David Byrne. Desde então, recuperou certa visibilidade e segue, de forma inquieta e produtiva, sua trajetória experimentalista.
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