O nome de batismo do ex-atleta e modelo Tom Hintnaus é, na verdade, Tomás Valdemar Hintnaus. Filho de tchecos que fugiram do regime comunista no fim dos anos 1940, ele cresceu nos Estados Unidos: sua infância foi passada na Califórnia, mas agora, aos 63 anos de idade, ele vive no Havaí – que descreve como “um paraíso, onde o clima nunca fica ruim”.

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Até hoje praticante assíduo de esportes, Tom sabe que se tornou mais conhecido do grande público não pelo salto com vara, modalidade em que se especializou – e sim pela foto publicitária em que aparece vestindo apenas cuecas, e que foi a primeira daquelas que se tornariam uma série icônica: as imagens de propaganda da marca Calvin Klein, que mostram modelos homens usando apenas roupas de baixo.

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Sorridente e atlético, Tom gosta de conversar e contar histórias; e falou sobre várias delas nessa entrevista ao DC – narrando inclusive a história do seu nascimento, que aconteceu em fevereiro de 1958 na pequena cidade de Videira, Santa Catarina. Sim: Tom pode até ser parte tcheco, parte norte-americano – mas também é definitivamente catarinense.

Seus pais não são brasileiros. Como foi que você acabou nascendo em Santa Catarina?

Em 1949, meus pais, nascidos na Tchecoslováquia [país que existiu entre 1918 e 1992, e que deu origem à República Checa e à Eslováquia em 1993] fugiram do comunismo. Por causa do comunismo, eles não podiam fazer muita coisa, não podiam viver uma vida normal. Meu pai sempre leu muito sobre os Estados Unidos, desde livros infantis sobre caubóis e afins, quando ele era criança. (risos) Mas ele via os Estados Unidos como um país onde nossa família poderia ser livre, fazer e ser o que quisesse.

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Até hoje praticante assíduo de esportes, Tom competiu pelo Brasil e pelos Estados Unidos no salto com vara
Até hoje praticante assíduo de esportes, Tom competiu pelo Brasil e pelos Estados Unidos no salto com vara (Foto: Daniel Skaf/TV Globo/Reprodução)

Então, quando ele tinha 21 anos, e minha mãe, 20, eles pegaram todo o dinheiro que tinham e deram a um fazendeiro que tinha uma porção de terras exatamente na fronteira, para que ele os ajudasse na travessia. Eles foram colocados dentro de uma carroça, escondidos em meio ao feno, com outras pessoas que também estavam tentando escapar, e ficaram lá mais de oito horas, deitados, escondidos, morrendo de medo de ser descobertos nos pontos de fiscalização que havia no caminho. Eles foram deixados ao lado de um rio, e o fazendeiro disse: “Muito bem, corram e atravessem esse rio, e vocês estarão na Alemanha”, e foi o que eles fizeram. Um rio gelado, imagine. Eles acabaram sendo vistos pelos alemães, presos, e colocados em um campo de concentração. Viveram mais de um ano lá.

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Quando finalmente conseguiram autorização para sair do campo de concentração, foi oferecido a eles ir para a Austrália, mas meu pai estava muito doente nessa época. Ele teve tuberculose, e eles não podiam viajar. Então eles viveram mais um ano na Alemanha, até que conseguiram uma passagem para o Brasil. Eles vieram de barco, e passaram os dois primeiros anos em São Paulo. Minha irmã, que é cinco anos mais velha que eu, nasceu em São Paulo. Depois eles se mudaram para Santa Catarina, onde meu pai havia sido contratado para limpar uma área que antes era praticamente mata, para fazer uma fazenda, em Videira. Então eles ficaram, fizeram uma fazenda, e foi onde eu nasci, nessa fazenda. Nessa época eu fui picado no pé por uma jararaca. (risos) Eu era tão pequenininho, e inchei tanto, que todo mundo disse que eu fiquei parecendo uma bola. Quase morri nessa. (risos)

E quando vocês enfim se mudaram para os Estados Unidos?

Quando eu tinha dois anos meus pais conseguiram se mudar para os Estados Unidos, legalmente. Fomos de barco, um barco italiano, pelo canal do Panamá, e desembarcamos em Los Angeles. Eu fui naturalizado norte-americano. Quando fiz 18 anos eu decidi manter as duas cidadanias, a norte-americana e a brasileira, porque as autoridades brasileiras me disseram que eu poderia, se quisesse.

Você fala português? Você ainda tem alguma conexão emocional com o Brasil? Como se sente e o que pensa em relação ao país?

Eu não falo nada de português. Minha irmã fala alguma coisa, porque ela já tinha sete anos quando deixamos o país. Eu falo tcheco, além do inglês, porque em casa meus pais falavam tcheco. Mas eu já fiz várias viagens ao Brasil, e lamento muito não saber a língua. Adoro o Rio de Janeiro, adoro Búzios. Eu gosto muito do país, dos brasileiros, principalmente. Muitos dos meus melhores amigos aqui no Havaí são brasileiros. Acho que tem alguma conexão aí, porque parece que eu sempre acabo me aproximando de brasileiros. (risos)

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Eu tenho muita vontade de ir a Videira um dia, porque não voltei desde que meus pais deixaram o país. Eu fui ao Uruguai há um tempo, que é mais próximo de Santa Catarina, e fiquei surpreso com como o clima é frio. No inverno esfria bastante em Florianópolis, não?

Esfria, sim. Hoje, inclusive, está bem frio!

Vocês entrando no inverno, e nós aqui com o verão começando. Se bem que no Havaí nunca faz frio. Nosso clima fica sempre entre 25ºC, 30ºC… Acho que é isso, porque vocês usam Celsius, né? (risos) Eu sinto que morri e estou no Paraíso agora, porque o clima é sempre bom aqui. (risos)

Como você se tornou um atleta e como começou sua carreira?

Minha família toda sempre foi muito atlética. Meu pai jogava futebol, minha mãe praticava lançamento de disco. Com três ou quatro anos de idade eu e minha irmã já praticávamos ginástica olímpica. Meu pai costumava dizer que sabia que um dia íamos querer ser esportistas, então devíamos escolher uma modalidade e focar nela. Eu experimentei de tudo. Futebol, vôlei, futebol americano, surf… A primeira vez que eu vi uma competição de salto com vara foi no [estádio] Los Angeles Memorial Coliseum; Estados Unidos contra União Soviética. Eu tinha uns oito anos, e eu virei para o meu pai e disse: “É isso que eu vou fazer quando crescer”. E meu pai meio que só deu uns tapinhas na minha cabeça e disse: “É, claro, claro.” (risos)

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Mas eu era uma criança estranha, acho, porque eu já era muito determinado. Eu disse para mim mesmo que queria ser o melhor atleta de salto com vara de todos os tempos, e ela ideia ficou muito grudada na minha cabeça. Em algum momento eu realmente fui o melhor atleta de salto com vara dos Estados Unidos, e um dos cinco melhores do mundo. Eu tive os recordes brasileiro sul-americano por mais de vinte anos. Eu nunca cheguei lá na primeira posição do mundo mesmo, mas, olhando pra trás, eu consigo dizer que me saí muito bem. (risos)

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Salto com vara é mesmo bem impressionante para quem está assistindo. Você olha os atletas competindo e pensa: “como eles conseguem fazer isso?!”

Exatamente! O que fez com que eu me apaixonasse pelo salto com vara é como ele exige diferentes habilidades, combina várias coisas: você precisa ter força, precisa ter velocidade, precisa ter coordenação motora, precisa ter músculos muito fortes na barriga, nas costas. É um esporte difícil, e você precisa contar só com você mesmo. Não é um esporte de time. O que pode ser bom ou ruim: se as coisas forem mal, é tudo culpa sua. (risos) E eu sempre fui assim; eu sempre trabalhei por conta própria, sempre tive meus próprios negócios. Eu tenho quatro negócios diferentes aqui no Havaí, porque é um lugar caro para se morar.

Tom estabeleceu o recorde brasileiro e sul-americano de salto com vara em 1985
Tom estabeleceu o recorde brasileiro e sul-americano de salto com vara em 1985 (Foto: Daniel Skaf/TV Globo/Reprodução)

Você teria ido para as Olimpíadas representando os Estados Unidos em 1980, mas acabou não indo. Como isso aconteceu, e como isso levou você a representar o Brasil nos torneios seguintes?

Em 1980, eu venci o campeonato nacional aqui nos Estados Unidos, e também fiquei em primeiro nos testes para a seleção olímpica. E eu ainda estava na faculdade! Estava no meu último ano de faculdade. Basicamente, eu ia para as Olimpíadas competir com todos os meus heróis do esporte. Eu estava muito orgulhoso, muito feliz, e muito surpreso, também. (risos)

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Mas, na época, nosso presidente era o [Jimmy] Carter… Que, na minha opinião, não foi um bom presidente. As Olimpíadas naquele ano seriam em Moscou, e a Rússia havia acabado de invadir o Afeganistão. Então Carter determinou que, em protesto, os Estados Unidos boicotariam as Olimpíadas, e que nenhum atleta norte-americano competiria naquela edição. Isso foi absolutamente devastador para mim. Eu poderia ter tentado ir às Olimpíadas com a seleção brasileira, já que eu ainda tinha a cidadania, mas decidi ser solidário aos norte-americanos e não competir. Tinha um lado meu que pensava: “Bom, eu ainda sou jovem, posso competir em outras edições.”

Mas o tempo passou e mostrou que o boicote foi um erro. Nós não conseguimos nada com o boicote; politicamente, nada mudou. E eles tiraram de mim o meu sonho. Eu comecei a ficar muito bravo com isso. Eu pensava: “Por que misturar esportes e política desse jeito?” Para mim, o esporte é sobre o lado bom da vida: eu posso ser amigo de um atleta russo, competir contra ele, e continuarmos amigos. Eu tinha melhores amigos que eram atletas do salto com vara da Polônia, do Brasil. Eu senti que fui usado, com outros atletas, para objetivos políticos. Então eu usei meus contatos e decidi representar o Brasil.

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Eu competi pelo Brasil em 1983, no campeonato mundial de salto com vara, e fiquei em quinto lugar. Em 1984 eu competi pelo Brasil nas Olimpíadas, e a competição aconteceu em Los Angeles: eu competi naquele mesmo estádio onde, um dia, decidi que queria praticar salto com vara quando crescesse. Eu não fui bem naquele ano; terminei em 12º. Eu sempre senti que, se tivesse competido em 1980, teria ficado em primeiro lugar; então isso sempre me incomodou. Mas em 1985 eu competi de novo pelo Brasil, no campeonato mundial, e me saí muito bem; foi quando eu estabeleci o recorde brasileiro e sul-americano. [Tom saltou uma altura de 5,76 metros; recorde quebrado apenas em 2007, por Fábio Gomes da Silva]

Depois eu ainda passei um tempo jogando vôlei profissionalmente na África do Sul. (risos) Foi um tempo incrível, quase como uma segunda carreira no esporte. Hoje em dia eu surfo muito, e pratico stand up paddle também. Eu não consigo parar de praticar esportes.

Em meio a tudo isso, como surgiu sua carreira de modelo?

Eu morava em Los Angeles, e descobri que fazer comerciais era um bom jeito de ganhar dinheiro. Eu estava em forma por causa do esporte, e era uma maneira de aproveitar isso. (risos) Fiz vários comerciais para TV. O bom é que, quando você faz um comercial, você fica recebendo dinheiro por uns dois ou três anos, enquanto estiverem usando o comercial. Fiz campanhas para revistas, também. Muita gente inclusive me incentivou a largar o esporte, me mudar para Nova York e investir só na carreira de modelo.

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Um dia [o estilista] Calvin Klein me chamou para fazer uma campanha, que seria em Santorini, na Grécia. Eu topei, mas não fazia muita ideia do que era. Fotografamos bastante para uma campanha de roupas para esportes, para fazer atividades físicas. Havia um outro modelo lá que um dia apareceu no set só de cueca, para tirar fotos. E não era uma coisa que se fazia na época, modelos homens não apareciam só de roupas de baixo em campanhas. A mentalidade era muito diferente da de hoje. Eu olhei para ele e falei “nossa, que bom que é você, e não eu”; e nisso o Calvin Klein olhou para o modelo e falou “ah, não, a cueca não é para você, é para o Tom!”. (risos) E eu não queria fazer, eu estava morrendo de vergonha. Achei que minha carreira ia acabar se eu aparecesse em outdoors só de cueca. (risos)

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Mas foi uma coisa enorme. Botaram um outdoor gigantesco com a minha foto na Times Square, e ele ficou lá por mais de dez anos. Dez anos! Normalmente os outdoors não ficam lá mais que quatro, seis meses. Havia relatos de que mulheres roubavam os pôsteres da campanha que ficavam nas paradas de ônibus. Existe um livro de colecionador com todas as fotos que o Calvin Klein fez ao longo da carreira, e na capa do livro está a minha foto. É incrível. Eu queria ficar famoso como o melhor atleta de salto com vara do mundo; e acabei ficando mais famoso por vestir cuecas e tirar uma foto. (risos)

Foi mais fácil do que você imaginava…

Pois é! (risos) Bom, ainda funcionou, né? As coisas funcionam de uma maneira estranha na vida. (risos) Mas eu sou muito feliz com a minha carreira, com como as coisas aconteceram. Sou muito abençoado e muito grato.

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E nos últimos anos você até se aventurou um pouco atuando, né?

Em 2014 eu atuei em um episódio de Hawaii Five-0, em que eu interpretei um cara muito mau chamado Dante Barkov. Foi muito divertido ser o cara mau, pra variar. (risos) Eu sou uma cara muito bem-humorado, estou sempre sorrindo. Foi muito diferente.

Sabe, eu acho que isso é um padrão. Todas as pessoas que eu conheço ou que já entrevistei e que moram no Havaí são assim, leves.

É o espírito Aloha! (risos) Eu acho que, se você mora no Havaí e não está feliz, tem algo de muito errado com você.

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