Diversidade, no mundo da tecnologia e do empreendedorismo, ainda é um conceito “to do”. Ou, sendo bem otimista, “in progress” (“a fazer” ou “em progresso”, no jargão do “startupês”). E uma das pessoas chave para estimular a diversidade e ajudar a mudar a cara – literalmente – do cenário econômico de Florianópolis e Santa Catarina é Talita Matos.

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Aos 36 anos, a itajaiense é cientista social, educadora e gestora de projetos de impacto social, é CEO do Impact Hub Floripa, filial catarinense da maior rede de empreendedores de impacto do mundo.

Com suas iniciativas que espalham por todo o estado, do Oeste ao litoral, do Sul ao Norte, e por toda a Florianópolis, desde a Beira-Mar até o Monte Serrat, o Impact Hub vem cumprindo sua missão: promover conexões de impacto.

Da sede na Acate, em Florianópolis, Talita Matos explicou as missões, iniciativas e desafios do Hub, sem fugir das perguntas mais polêmicas. Mesmo na videoconferência, a CEO, de fala firme, mas serena, consegue ser linear e didática ao mesmo tempo. E quando falamos de diversidade, ela olha para cima, pensa um pouco e resume a missão: “Diversidade não pode ser uma pauta do colaborador. Tem que estar colada na estratégia da empresa”. 

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O que é e o que representa o Impact Hub? Quais os desdobramentos pro Estado?

O Impact Hub é uma organização Global. Estamos nos cinco continentes, em 60 países, e somos mais de 100 unidades. Temos uma governança própria, e as decisões estratégicas são todas feitas em assembleia. E o modelo de negócio dos hubs locais é bastante parecido: são divididos em espaços de coworking, em ativação de ecossistemas e em programas de impacto social.

Outra coisa que caracteriza o hub é que somos uma rede global, mas conectada com o ecossistema local. No caso de Floripa, conectado com a inovação, que é uma vocação da ilha, da região metropolitana. E para nós, tão importante quanto sermos uma empresa financeiramente saudável, afinal, não uma ONG, é o impacto socioambiental positivo que causamos no mundo.

Hoje temos ao menos duas visões sobre o negócio: quanto estamos saudáveis, gerando receita e crescendo, e o quanto entrega impacto e agendas importantes. Como a gente faz as coisas é muito importante. O impacto é isso: como construir uma agenda positiva enquanto tomamos decisões de negócio.

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E qual o papel do Impact Hub no ecossistema catarinense?

Nos espaços de coworking temos uma quantidade imensa de membros. Temos profissionais liberais, startups de diferentes segmentos, e temos muitos criativos, como artistas, designers… É uma comunidade diversa. Além dessa conexão com todos esses negócios que estão aqui hoje, temos ainda o Salto, uma aceleradora de MEIs, que executamos em parceria com Sebrae e prefeituras. O que fizemos foi pegar tudo que víamos no ecossistema e traduzir para o contexto do MEI. E os resultados são incríveis, pois ajudam muito no desenvolvimento de criação de competências em quem está à frente desses pequeníssimos negócios, mas também na estruturação de negócios. O Salto faz com que a gente se relacione com as prefeituras, com o Sebrae e com os micros. Além disso, temos as chamadas de impacto, que executamos no Mont Serrat, um programa voltado para negócios de periferia, de comunidades vulneráveis. O Salto tem uma pegada mais digital, já as chamadas de impacto têm uma atuação mais junto ao empreendedor.

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Talita Matos é cientista social, educadora e gestora de projetos de impacto social
Talita Matos é cientista social, educadora e gestora de projetos de impacto social (Foto: Natali Motta)

Temos esse pilar de aceleração de negócios, educação empreendedora. E temos ainda outro pilar, de comunidade, de ecossistema. Nós fomos sofisticando uma metodologia de desenvolvimento e gestão de comunidades empreendedoras e, esse ano, isso virou um produto, o “Ecoa”, um programa de desenvolvimento de comunidades empreendedoras e ecossistemas de inovação, tecnologia e impacto. Ele acontece em cinco municípios no Sul do estado (Braço do Norte, Araranguá, Tubarão, Criciúma e Imbituba), junto de parceiros locais, como o Weber Empreendimentos. Estamos mapeando o ecossistema e pensando em expandir para o Estado e até para o Rio Grande do Sul. Recebemos muitos convites para levar o Hub para outras cidades, mas entendemos que podemos apoiar na pré-apoiar na operação de espaços como o nosso, inclusive na modelagem de negócios.

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E como funciona a avaliação dos negócios? Você analisa onde podem ajudar, qual o estado do negócio?

Temos um gerente de comunidade que conhece, acompanha os negócios, que faz o que a gente chama de “boas conexões”, ou “conexão significativa” então a gente tem um  onboarding que inclui uma interação entre os membros, entender os negócios, e a gente vai entregando essas conexões significativas ao longo da experiência do membro no hub. Então basicamente o que a gente é isso. A gente é muito interessado nos negócios e assim a gente consegue fazer as colecções. Mas ela passa muito pelas pessoas. A gente já ensaiou algumas tentativas de automatizar isso de alguma forma, mas ainda não rolou. O que a gente faz é ativaras conexões e depois acompanhar se essa conexão foi significativa ou não para os membros.

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E aí nesse caso de programas. É muito difícil entrar no negócio. Como é entrar em regiões com pouca maturidade de business?

A gente tá vivendo esse momento muito acelerado, de transformação de hábitos de consumo, de empreendedorismo, da adoção de novas tecnologias. Estamos vendo o nascimento de coisas que a gente não vai nem falar agora o que elas vão porque a gente não sabe o que elas são. E também a transformação do que compõe um bom profissional, um bom entendedor. Quais são as competências do empreendedor do futuro? Ou do colaborador do futuro? Se a gente não democratiza isso, essas discussões profundas, a gente vai ter um problema gigante. Vendo esse problema gigante, a gente vai ter um mundo de ofertas e oportunidades, de trabalho, e de problemas a serem resolvidos, de um lado, e ter uma massa de uma população desempregada do outro.

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A itajaiense, 36 anos, é CEO do Impact Hub Floripa
A itajaiense, 36 anos, é CEO do Impact Hub Floripa (Foto: Natali Motta)

Se a gente não democratizar isso, vamos ter um novo período de exclusão estrema da população de periferia, da população negra. Então temos esse problema complexo aí para resolver.  e me vejo muito acho que desde que eu cheguei no hub me conta da minha história de ir de trabalhar sempre com um pacto social sempre.

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Todo mundo pode empreender?

Acho que todo mundo pode empreender, Mas acho que deveria ser uma escolha.

Na maioria das vezes, não é…

Não, na maioria das vezes não é. Muita gente empreende por necessidade. E muitas vezes essa necessidade é de subsistência. E muitas vezes também é necessidade de colocar teu talento naquilo que tu gostas. Tua ideia, quando você não consegue encaixar em nada que exista, precisa criar algo que dê conta disso. Então, acho que todo mundo pode. A questão é a escolha, que não está disponível para todos.

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E a diversidade nas empresas, é uma questão aqui em SC? Existe algum caminho para as empresas?

Tem muito para caminhar ainda. Eu acho que a questão da diversidade não pode ser uma pauta do colaborador, de RH, de gestão de gente. Tem que estar colada na estratégia, e quando eu digo colada na estratégia quero dizer que a gente tem que ter metas bem ousadas. A Bayer, por exemplo, tem uma meta de ter até 30% dos cargos de liderança seria ocupado por pessoas negras. Eu acho que Santa Catarina é pouco sensível a diversidade, a gente tem na nossa história, no nosso storytelling, a história do imigrante europeu que veio pobre, que veio do nada, construiu um patrimônio… Então é importante a gente lembrar que sim, isso  aconteceu, que sim esses primeiros colonos vieram em condições não eram as condições mais ideais, mas eles tiveram acesso à terra, a incentivos que a população negra que já estava aqui há 400 anos sendo escravizada não teve.

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É, não veio nenhum europeu escravo…

Então só de você ter acesso à terra, bom,  a história do nosso estado é muito construída a partir dessa narrativa do imigrante europeu, mas a gente precisa lembrar que a gente tem uma população indígena e uma população negra relevante, importante no estado, que teve uma história desigual em relação a esses imigrantes que a gente precisa sim como estado a olhar para isso e reparar isso. Dívidas históricas que a gente tem como estado sabe? Menos de um lugar ressentido, rancoroso, e mais lugar, de qual estado a gente quer, que sociedade a gente quer. E como é que a gente é constrói um projeto que inclui a diversidade no estado.

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Quando a gente tem essa narrativa hegemônica branca aqui em Santa Catarina, ela se torna muito opressora para a população negra catarinense. Eu, como mulher negra, catarinense, de Itajaí, que foi a 1ª colônia mista do estado, a história da minha família no Morro do Boi é essa história, de cultura quilombola. A gente pensando como estado, temos que ver como regionalmente a gente lida com nossa história, e como Santa Catarina é um estado diverso. E que essa diversidade vai nos impulsionar muito mais. Negar isso é um desperdício.

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