A compra de terrenos de marinha por moradores da avenida Beira-Mar Norte, em Florianópolis, tem gerado muitas dúvidas. O tema se tornou ainda mais polêmico depois que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira da União a propriedade exclusiva dessas áreas foi aprovada pela Câmara. O DC conversou com o advogado Eduardo Bastos Moreira Lima, da Prade & Prade Advogados, para esclarecer as principais questões. 

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A cobrança por terrenos de marinha também está ocorrendo em outros estados brasileiros? Quais? 

A PEC 39/11 aborda diversos tópicos não apenas os chamados terrenos de marinha. Em geral essas cobranças ocorrem em vários Estados e há muitos anos, Rio de Janeiro, Pernambuco, Espírito Santo, São Paulo, Bahia, por exemplo. Em outros, a cobrança está suspensa por força de decisão judicial. 

O que são terrenos de marinha? 

Os terrenos de marinha não são aqueles que estão somente em frente ao mar. Também são considerados terrenos de marinha os situados no Continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés. Terrenos de marinha são bens públicos que pertencem à União e não à Marinha de Guerra. 

Tecnicamente estão situados de acordo com uma linha imaginária e projetada em uma profundidade de 33 metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831. 

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Os terrenos de marinha foram definidos em uma linha imaginária de 1831, na época do Império? 

Sim. E pior, em alguns locais o processo demarcatório não observou critérios mínimos como por exemplo: a falta de um parecer técnico sobre os critérios e a precisão da atual demarcação, tendo em vista a referência de níveis de maré de 1831. 

O suposto desrespeito a critérios legais para obtenção de demarcação ou ausência de evidência dos métodos reais para se estabelecer a linha presumida a partir de demarcação cartográfica. 

Questionamento sobre uso de métodos de aproximação, como a sobreposição de imagens das áreas em diferentes períodos, em detrimento de cálculos mais precisos. A metodologia não cumpre com o que está previsto na norma ON Geade 02, de 2001. 

Quando as pessoas compram um terreno nessas localidades, já ficam cientes de que é faixa de marinha? 

Tecnicamente, não. A não ser que o imóvel já esteja demarcado e homologado. No caso de não ter ocorrido a demarcação, o interessado deverá efetuar diligências junto à SPU a fim de verificar a situação do bem. 

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Os proprietários destes terrenos já pagam uma taxa? É obrigatória? Quem não paga é devedor? 

Os proprietários (no caso ocupantes) pagam os chamados foro e laudêmio. Cobrado na venda de um imóvel em terreno da União, o laudêmio funciona como uma espécie de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) que incide na transferência do domínio útil do imóvel, e equivale a 5%.  

Já a taxa do foro é paga todo ano e incide sobre terrenos cujos titulares se encontravam nas terras antes da demarcação e equivale a 0,6% do valor atualizado do imóvel, como se fosse um IPTU. Há ainda a taxa de ocupação, de 2% ou 5%, cobrada de quem ainda não firmou um contrato de aforamento, uma espécie de arrendamento, com a União.  

Com a Proposta de Manifestação de Aquisição (PMA) os proprietários de terrenos de marinha e interiores e ocupantes regulares de imóveis da União que adquirirem o domínio pleno das propriedades ficarão livres da cobrança de taxa de laudêmio e outras taxas patrimoniais. 

Quem não pagar ou não adquirir o trecho que é da União passa a ser considerado um devedor ou corre o risco de ter o nome no Serasa, ou perder o imóvel?  

Não há obrigatoriedade de adquirir o bem. O que ocorre é uma preferência no direito de aquisição de quem é o ocupante. O não pagamento dos valores sujeita o ocupante a ser demandado judicialmente, ou seja, os valores, como qualquer imposto, ou taxa, ou tributo não pago poderá ser executado obedecendo assim a legislação vigente no país. 

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Para quem tiver interesse em adquirir, como é o pagamento? Pode exigir alguma negociação? 

Quem tem interesse em adquirir o imóvel, e considerando que é um tema novo, a SPU tem um meio de acesso a essa informação com relação aos valores, pagamento e as possibilidades dependerão das condições ofertadas. 

Poderá haver uma linha de crédito para tal. Importante porém é deixar claro que em Florianópolis, onde não ocorreu o processo homologatório, há a possibilidade de discutir esse procedimento de forma administrativa e judicial.  

Porém, se o interessado se antecipar e formalizar o aceite junto a SPU, ele estará concordando com a linha presumida e como toda metodologia empregada e futuramente dificilmente terá como questionar o procedimento. 

A escolha para adquirir precisa ser feita agora ou pode ser feita posteriormente? 

É importante entender que a proposta de emenda constitucional ainda terá que ser aprovada pelo Senado, que poderá ter modificações e depois ainda ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. Portanto, neste momento a cautela é necessária. 

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Há como saber o que a União fará com esse dinheiro recebido pelas compras?  

Esse valor certamente irá compor as receitas e o orçamento da União e não há necessariamente vinculação obrigatória sobre os gastos. 

Como é calculado o valor?  

Existe uma instrução normativa que orienta e pode ser consultada através do aplicativo SPUApp.  

Quem tem que pagar a taxa é o dono do imóvel ou o locatário?   

Em verdade se trata de uma convenção entre as partes e isso possivelmente estará definido no contrato de locação do imóvel. 

Se houver alguma dúvida, onde buscar esclarecimento ou ajuda? 

A SPU dispõe de um sistema que poderá responder algumas dessas indagações ou há ainda a possibilidade de atendimento presencial da Superintendência. 

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O que muda com a PEC aprovada na Câmara na terça-feira? 

O tema trata da extinção dos chamados terrenos de marinha, mas tem que ser visto com bastante cautela. A extinção do instituto leva a errônea impressão que haverá uma ocupação desordenada e ambientalmente permissiva de toda faixa litorânea e que uma venda em larga escala acontecerá e que as pessoas poderão perder o seu bem caso não recompre.  

Primeiro, deixar de ser terreno de marinha não quer dizer que a área em tela deixará de ter a proteção ambiental que incide sobre a mesma. O que está sendo debatido é a possibilidade de aquisição dessas áreas que deixarão de ser um bem público e passarão a integrar o patrimônio do particular, inclusive aquele que por ele já era ocupado.   

A título de comparação, é como se o bem fosse alugado e o dono desejasse vendê-lo (nas áreas já demarcadas). O grande problema está nas áreas ainda não demarcadas (homologadas) em que o particular é o dono/proprietário do bem (imóvel de acordo com a matrícula constante no Registro Público) e não sabe que o imóvel está em vias ou em processo de demarcação e tem duas opções: ou irá recomprar ou então deverá se opor tecnicamente ao processo demarcatório. 

A PEC traz alguns regramentos, como por exemplo: para adquirir a posse definitiva do terreno de marinha, foreiros e ocupantes particulares deverão estar regularmente inscritos junto ao órgão de gestão do patrimônio da União-SPU, podendo ainda deduzir do valor a pagar o que já foi pago a título de taxa de ocupação ou de foro nos últimos cinco anos, atualizado pela taxa Selic. 

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Já no caso de ocupantes não inscritos, a compra do terreno dependerá de a ocupação ter ocorrido há, pelo menos, cinco anos antes da publicação da emenda e da comprovação formal de boa-fé. Portanto nesse momento a cautela é necessária para que se possa tomar as decisões de forma técnica e racional evitando assim, prejuízos futuros.

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