Steven Spielberg conheceu e se encantou por Tintim já adulto, curioso com a comparação que franceses faziam entre as aventuras do arqueólogo Indiana Jones e as do destemido jovem repórter criado pelo desenhista belga Hergé no começo do século 20.
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Hergé era entusiasta do pendor espetacularmente juvenil do diretor americano e confiou a ele, pouco antes de morrer, em 1983, os direitos para fazer de seu personagem estrela de uma superprodução do cinema, que somente em 2011 saiu do papel.
Em cartaz a partir desta sexta-feira (20/01) em cópias 3D e convencionais, ambas em opções dubladas e legendadas, As Aventuras de Tintim combina a vocação de Spielberg para o grande espetáculo que fascina crianças e adultos saudosos das matinês, com a sofisticada tecnologia que lhe permitiu recriar digitalmente o traço e o universo de Hergé. Para isso, ele contou com a parceria do colega neozelandês Peter Jackson, outro peso pesado dos blockbusters, fã entusiasmado de Tintim, que colocou em campo sua empresa de efeitos digitais Weta.
A primeira opção de Spielberg era um filme com atores. Manteve o plano, mas adotando a mesma técnica de captura de movimentos da Weta usada em sucessos como Avatar. O resultado, que impressiona nos primeiros instantes, porém, se dilui com a percepção de que Spielberg, mais do que a fidelidade a Hergé, faz ressaltar a fidelidade sobre si mesmo, outra vez assumindo o risco da grandiloquência estéril que ele conteve parcialmente em Cavalo de Guerra, mas não com Tintim.
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Seu Tintim (modelado no ator Jamie Bell) é como um jovem Indiana Jones à frente de uma frenética gincana de caça ao tesouro, ao lado de seu inseparável cãozinho Milu e do beberrão capitão Haddock (Andy Serkis). A aventura remete ao mítico navio Licorne, que singrava os mares em busca de ouro e riquezas para o reino do francês Luis XIV. O roteiro do filme, primeiro de anunciada trilogia, combina três álbuns de Tintim: O Caranguejo das Pinças de Ouro, O Segredo do Licorne e O Tesouro de Rackham, o Terrível.
O entrave de As Aventuras de Tintim, sobretudo aos mais íntimos do personagem, é que o filme não deixa muito espaço para o aspecto lúdico dos quadrinhos, que leva o leitor a se imaginar ao lado do imberbe repórter diante de missões, lugares e personagens dos mais exóticos. É tudo tão perfeito, detalhado, por vezes demasiado frenético e confuso, que pouco deixa a ser contemplado além do visual.
Ganhador do Globo de Ouro de animação, As Aventuras de Tintim pode não ter a mesma sorte no Oscar. Em 2011, a Academia de Hollywood estabeleceu que a captura de movimento de atores, por si só, não caracteriza uma animação. Uma questão técnica e de interpretação e sobre e qual certamente os nomes de Spielberg e Jackson nos créditos deve pesar.
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A tecnologia que ajudou Spielberg a reproduzir o visual de Tintim
Medonha criatura digital modelada no corpo do ator Andy Serkis, o Gollum da trilogia O Senhor dos Aneis (2001 – 2003) mostrou o fantástico potencial da chamada técnica de captura de movimentos que, aprimorada a cada ano, fez queixos caírem com Avatar (2009) e tornou possível agora a Steven Spielberg realizar As Aventuras de Tintim seguindo os traços do desenhista Hergé.
Por trás desse padrão de excelência está o cineasta Peter Jackson com sua empresa de efeitos digitais Weta, responsável também pela transformação de Serkis no chimpanzé César em Planeta dos Macacos – A Origem (2011).
A técnica de captura de movimentos consiste, basicamente, em vestir atores com malhas nas quais são colocadas sensores que transformam movimentos e expressões em uma estrutura virtual a ser manipulada no computador ao gosto do diretor.
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Conhecido como “mocap” no jargão técnico (de motion capture), o recurso é um avanço permitido pela alta tecnologia em relação a técnicas desenvolvidas desde os primórdios do cinema, como a rotoscopia, ainda usada em produções recentes como Waking Life (2001) e O Homem Duplo (2006), de Richard Linklater. Nesse dois filmes, todo o registro feito com atores, como se fosse um filme normal, foi posteriormente tratado para ganhar o aspecto de animação.
Embora o desenho animado Sinbad: Nos Limites da Aventura (2000), modesta coprodução entre EUA e Índia seja listada como pioneira no uso da captura do movimento (com Brendan Fraser, entre outros atores, servindo de modelo para os personagens), o crédito de primeiro filme totalmente realizado com a técnica (inclusive com essa menção no livro Guinness dos recordes), é O Expresso Polar (2004), de Robert Zemicks, no qual Tom Hanks virou seis diferentes personagens, inclusive uma criança. Zemicks ficou tão entusiasmado como o potencial da técnica que a repetiu em A Lenda de Beowulf (2007), transformando o roliço Ray Winstone em um guerreiro musculoso, e Os Fantasmas de Scrooge (2009), com Jim Carrey encarnando oito personagens.
Se na reprodução de formas e feições humanas a captura de movimentos se mostra cada vez mais precisa, apesar da aparência um tanto artificial desse manequins sem alma, a técnica parece impressionar mais quando faz criaturas fantásticas interagirem com cenários reais e personagens de carne e osso, como em Avatar e Planeta dos Macacos – A Origem.
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As Aventuras de Tintim segue um modelo híbrido. Todos os personagens “humanos” decalcados digitalmente dos atores – apenas o cãozinho Milu é fruto integral da computação gráfica – transitam por cenários realistas.