Saiu nos Estados Unidos, no começo do mês, Purity, quinto romance de Jonathan Franzen. Não me lembro, nos últimos anos, de uma leitura com tantas impressões conflitantes. Minha ideia é falar mais do livro no próximo sábado.

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O que tornou Franzen um dos escritores mais próximos de um Tolstói ou um Charles Dickens no século 21, em termos de qualificação e popularidade combinadas, foram os imperdíveis As Correções (2001) e Liberdade (2010). Franzen é um dos melhores tradutores de como vivemos atualmente. Isso não significa condescender com a maneira como vivemos, pelo contrário: para um romancista que vende tanto, ele é surpreendentemente amargo, sempre disposto a projetar sua misantropia e suas descrenças nos personagens. Purity não é exceção, chegando a retomar rancores descontrolados do Franzen iniciante de The Twenty-Seventh City (1988, inédito no Brasil) e Tremor (1992).

É um livro corajoso. Depois de estampar a capa da revista Time como “grande romancista americano”, há cinco anos, Franzen decidiu não apenas replicar a fórmula de mostrar uma classe média identificável. Uma das protagonistas de Purity, Pip Tyler, é assolada pela dívida contraída para fazer faculdade e transita em um universo de excluídos. Temos o alemão Andreas Wolf, líder de um projeto ao estilo WikiLeaks e com uma perturbação psicológica hamletiana. Temos dois jornalistas investigativos com personalidades, mas não realidades, convencionais. E assim por diante. A vida contemporânea aparece de diversas formas (a ambição das plataformas da internet de “definir cada termo da nossa existência”, o conflito entre nossa persona privada e online, a oposição entre organizações hackers e o jornalismo investigativo tradicional, discussões feministas atuais), mas também desaparece por muitas páginas, especialmente para narrar a juventude de alguns personagens na Alemanha Oriental pré e pós queda do Muro de Berlim. A tudo isso se somam um homicídio e a saga de Pip para descobrir quem é seu pai. Como nos outros romances de Franzen, cada capítulo foca um personagem e acontecimentos dispersos vão sendo entrelaçados com muita habilidade. Não por acaso, Pip é o nome do protagonista de Grandes Esperanças, de Dickens, também repleto de reviravoltas.

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Purity, em todo caso, sofre de overdose de fatos estranhos e o que um crítico definiu bem como “coincidências frouxas”. Me pareceu, em vários momentos, uma paella duvidosa, mistura de experiências pessoais que Franzen queria extravasar literariamente (sua longa relação com a Alemanha, por exemplo) e sua inclinação para ser um romancista abrangente sobre temas atuais. Não deixa de ser uma leitura magnetizante, porque suas frases são bem acima da média, não disponíveis em qualquer página por aí, e porque uma trama com bastante suspense sempre acaba envolvendo. Me lembrou, porém, os excessos pós-modernos. No fim, apreciei contrariadamente o livro, e minha aposta é que uma boa parte dos fãs de As Correções e Liberdade também vão se desapontar um tanto.