A frase do New York Times, uma das destacadas na contracapa, capta a magnitude do livro: “Piketty transformou nosso discurso econômico; jamais voltaremos a falar sobre renda e desigualdade da mesma maneira”.

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Estou falando de O Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty, comentado brevemente aqui um dia e agora com mais espaço, como prometido.

Mesmo quem excomunga a economia deveria dar uma chance. Mesmo os marxistas mais fanáticos, na linha Tim Maia devoto à cultura racional, esses marxistas tão miraculosamente livres da falsa consciência alheia que não precisam de conhecimentos novos para saber tudo, deveriam dar uma chance. Também os direitistas empedernidos, sem dúvida, deveriam ler.

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Vejam que curioso. A distribuição de riqueza, como escreve Piketty, “é uma das questões mais vivas e polêmicas da atualidade. Mas o que de fato sabemos sobre sua evolução no longo prazo?”. A resposta é que não sabemos quase nada. Mais incrível (ou previsível) ainda é quase nunca queremos saber muito. Escritos politicamente fervorosos e precariamente estatísticos (falando em acumulação infinita, do lado pessimista, e em melhoria distributiva espontânea, do otimista) seguem balizando discussões. As caricaturas nos satisfazem, como em tudo o mais, mesmo que se trate de um assunto dinâmico e multidimensional.

A pesquisa de Piketty abrange três séculos e mais de 20 países. Sua abordagem é espetacular. É carregada de cautelas, muito menos disposta a pregar do que a dissecar números e transformá-los em um discurso cativador, que apenas em algumas dezenas das mais de 600 páginas dá vez a uma linguagem específica cansativa. Merece destaque sua inspirada avaliação do universo monetário dos personagens de Balzac e Jane Austen. Piketty chega a mergulhar nos enredos e daria um bom analista literário. Só vale aqui ressalvar sua afirmação de que as referências monetárias explícitas desapareceram da literatura contemporânea porque a inflação acabou com referências estáveis. Tom Wolfe, pelo menos, é um autor que sempre escancara salários e custos de vida nos seus romances.

São inúmeras as conclusões importantes de Piketty, mas enumerá-las seria como antecipar uma boa trama. De modo geral, suas conclusões contrariam a confiança excessiva na meritocracia e em mercados autorregulados, mas também invalidam ou nuançam teorias marxistas. Após uma distribuição gerada pelo impacto das guerras mundiais, a maioria dos países avaliados piorou sua distribuição, que em casos como o dos Estados Unidos está voltando aos piores níveis históricos. Lendo o livro, mesmo os mais conservadores talvez repensem a viabilidade de um mundo embasbacado com fortunas ilimitadas.

Por outro lado, Thomas Piketty nunca cai em simplificações anticapitalistas, lembrando, por exemplo, que hoje “a desigualdade do capital é mais doméstica do que internacional: ela opõe ricos e pobres dentro de cada país muito mais do que os países entre si”. Para quem lê esperando rever achismos e abrir novas perspectivas, aí está um livro imperdível.

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