A cabeça semipelada de Alain de Botton já produziu livros de filosofia sobre muitos assuntos: amor, sexo, arte, religião, arquitetura, viagens, status, trabalho. Seu foco agora é a nossa relação com o noticiário, tratada em Notícias – Manual do Usuário (Editora Intrínseca, 240 páginas, R$ 23,90), originalmente de 2014 e traduzido neste ano no Brasil.

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Os detratores de de Botton tentam alinhá-lo ao tipo de autoajuda safadamente utilitarista e pop-por-demérito e, para ajudá-los, o suíço cofundou há sete anos a organização The School of Life, voltada à busca de inteligência emocional na filosofia e na cultura. Tudo isso, porém, é ignorar que de Botton é um autor de ideias originais, acuidade verbal, erudição usada com propósito e argumentações difíceis de desmontar. Sua preocupação em dar sugestões úteis às vezes amanteiga o que ele escreve, mas na maior parte do tempo é uma reação muito bem estruturada à esterilidade acadêmica.

Notícias é um dos seus melhores livros. De novo, de Botton renova um tema batido, apesar do pressuposto inicial básico – o de que o noticiário “não se limita a informar sobre o mundo, pelo contrário: empenha-se o tempo inteiro em modelar um novo planeta na nossa mente”. Depois que concluímos nossa educação formal, é ele que nos educa, dá o tom da vida pública, influencia nosso senso de realidade, molda as impressões que temos da comunidade. Opinião Pública (1922), de Walter Lippmann, já alertava que, em um mundo muito complexo para ser conhecido por experiência direta, ficamos à mercê de estereótipos da comunicação. O próprio de Botton cita análises análogas (e anteriores) de Hegel e Flaubert. O filósofo alemão percebeu cedo a crescente função orientadora da mídia, e o romancista francês era revoltado com “imbecis” que giram “como cata-ventos em função do que diz este ou aquele periódico”.

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Notícias se diferencia ao nos fazer ver mais claramente como muito do noticiário nos intimida, fragiliza, entorpece. De Botton faz uma análise por seções (internacional, política, economia, celebridade, desastre, consumo) e com exemplos reais de fotos, títulos e trechos de matérias. Seus diagnósticos em geral coincidem com os dos melhores estudiosos da mídia: o jornalismo precisa mais de contextualização que de uma overdose de fatos desconexos, suas narrativas deveriam emular mais atrativos da literatura, a ideia de objetividade se tornou cúmplice de relatos insossos etc.

Em outros momentos, a visão externa de Botton leva além, mostrando preocupações que muitos jornalistas abandonaram. “O noticiário”, diz, “saúda cada novo dia com uma falsa inocência angelical, para, logo em seguida, passar a noite insuflando indignação e desilusão quanto à condição atual”. O autor defende um noticiário mais abrangente, que troque a cisma simplificadora de variações do PIB e prisão de vilões por um questionamento aprofundado do funcionamento social e das nossas vidas. Um jornalismo mais reflexivo, que aliás o próprio de Botton arriscou com colegas em um projeto lançado após o livro: ver www.thephilosophersmail.com.