Antônio Prata freia para não atropelar um casal adolescente. Ele se irrita porque os dois estavam confiantes demais de caminhar na velocidade certa. Depois, reflete: “Percebo então que quem atravessou a rua à minha frente não foi um casal de adolescentes, foi a adolescência em si. E quem freou o carro não fui eu, mas a idade adulta. Pois é assim que a adolescência lida com o mundo”. Os mais novos obrigam a realidade a se adaptar, enquanto ele, diminuindo o ritmo, se percebe “velho, adequado, apascentado”.
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Lembro dessa crônica em contraste com os livros que caem no próximo vestibular da UFSC: O Cortiço (Aluísio Azevedo), A Hora da Estrela (Clarice Lispector), Além do Ponto e Outros Contos (Caio Fernando Abreu), A Majestade do Xingu (Moacyr Scliar), Poesia Marginal (vários autores), O Santo e a Porca (Ariano Suassuna), O Fantástico na Ilha de Santa Catarina (Franklin Cascaes) e Várias Histórias (Machado de Assis).
A prioridade são autores antigos, depois autores novos cinzentos,
depois os livros menos simpáticos dos autores novos interessantes.
O que apela mais para um adolescente, os textos do Prata filho ou essa lista
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intransigente, esse eterno idealismo saindo pela culatra? Na lista, a gente sabe, está o Brasil profundo, engajado ou histórico e menos conhecido dos alunos. O debate, no entanto, não deve ser sobre a qualidade da lista, mas a sua pertinência. Referências distantes, poesias imperscrutáveis, boa literatura que para iniciantes soa literatice. O aluno já predisposto a ler acaba encarando, a maioria dos outros apela aos resumos. Para esses, que retrogosto literário fica? Talvez de bife de fígado obrigatório. Talvez algo tão relevante quanto são hoje, para mim, ligações covalentes da química orgânica.
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Em 2011 caiu na UFSC O Filho Eterno, um dos melhores romances brasileiros do século 21, a multipremiada história de Cristóvão Tezza sobre sua relação com o filho com síndrome de Down, e Comédias para se ler na escola, um Verissimo potente para a conversão de infiéis. Mas foram só esses dois livros, e no ano seguinte a lista voltou à chatice habitual. A prioridade são autores antigos, depois autores novos cinzentos, depois os livros menos simpáticos dos autores novos interessantes. É como se fosse a lista de uma disciplina universitária de literatura, não do vestibular.
Não entendo. Quem decide isso não conhece ninguém fora das Letras? Nunca ouviu um amigo (um leitor eventual) devolver rápido um Caco Barcellos ou um John Fante querendo mais? Aliás, não seria coerente com os tempos incluir escritores de outros países? E um livro de crônicas do Antônio Prata? Não estou dizendo que essas sugestões todas façam milagres pela leitura, mas sem dúvida deixam um retrogosto melhor.