Dois livraços sobre Veneza: Venezia È um Pesce, do italiano Tiziano Scarpa, e Venice, da britânica Jan Morris. O livro de Scarpa pode ser lido em inglês ou espanhol. O de Morris ganhou uma tradução em Portugal, em 2009 (www.tintadachina.pt).

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São duas propostas bem diferentes. Morris publicou sua obra em 1960 e a atualizou algumas vezes ao longo dos anos. É uma escrita incontida, caudalosa, cheia de adjetivos, detalhes, listas, causos, exaltações, como uma versão em texto da opulência do Palácio dos Duques, ícone da própria Veneza. Scarpa, pelo contrário, é um nativo com uma proposta bem mais elíptica, centrada nas suas interpretações e vivências. Não por acaso, seu livro é curto, com 160 páginas. O de Jan Morris tem 440.

Em prefácio posterior, Morris já se revelou dividida sobre os excessos de Venice, mas os manteve (ainda bem, me parece) por reconhecer neles uma empolgação de viajante mais nova (ela estava na faixa dos 30 anos; hoje tem 88). “Veneza era um lugar de seda, esmeraldas, mármores, brocados, veludos, tecido de ouro, marfim, temperos, perfumes, macacos, ébano, anil, escravos, grandes galeões, judeus, mosaicos, domos brilhantes, rubis e todos os esplêndidos produtos da Arábia, da China e das Índias”, escreve, apresentando a cidade na Idade Média. As generalidades se intercalam com os casos mais específicos que se pode imaginar: “Duas facções da cidade, os Nicolotti e os Castellani, eram tão rivais que a antiga ponte do Rialto era levadiça, permitindo às autoridades separar as multidões. Já a igreja de San Trovaso tinha uma porta em cada lado, uma para o território dos Nicolotti, e a outra, para o dos Castellani”.

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A obra, enfim, é uma rica compilação de histórias que muitos guias e sites sobre Veneza somados não igualam. Morris é bastante aclamada como escritora de viagem e talvez só não mais conhecida em geral porque o gênero nem sempre é tão prestigiado. Seu livro saiu também com o título The World of Venice, e quem se interessar pela sua obra pode buscar The World: Life and Travel 1950-2000, uma compilação da sua carreira, incluindo o furo da primeira chegada ao topo do Everest, em 1953.

O livro de Scarpa tem outra alma. “Aonde você está indo? Jogue esse seu mapa fora. Por que você precisa desesperadamente saber onde você está agora?”, ele escreve. “Por que brigar com o labirinto? Pelo menos uma vez, siga-o. Não se preocupe, deixe as ruas decidirem o caminho por você”. Seguem memórias tão pessoais como sair da escola em um dia de acqua alta (a famosa subida da maré local) ou seus casos com mulheres (“quando tudo está indo bem, não consigo não pensar: ela está me beijando ou beijando a paisagem?”). Na cidade tão turística, é difícil “fazer as coisas em segredo, ter uma vida própria, esconder suas visitas, seus casos, seus adultérios”, porque alguém sempre acaba “chamando o seu nome, fazendo com que você se restabeleça, lembrando-o quem você é”.

Para quem já foi a Veneza ou não, duas leituras imperdíveis.