Complexo todo mundo é. Giacomo Casanova (1725-1798) foi mais do que isso. É alguém a ser eternamente estudado.

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Não só pela referência usual às mulheres conquistadas. Não por ter se tornado sinônimo de “indivíduo mulherengo” (Aurélio), “indivíduo que se dedica com grande empenho a conquistas amorosas; mulherengo” (Houaiss) ou “indivíduo sedutor, que faz sucesso com as mulheres” (definição italiana original, compreensivelmente mais orgulhosa). Não por ter tido oito filhos e agradecido à camisinha da época (lavável, reutilizável, feita com pele de carneiro) por não ver com mais frequência reproduzido “o seu rosto por toda a Europa”.

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Sua coleção feminina é quase modesta. Segundo o inglês Ian Kelly, autor de Casanova – Muito Além de um Grande Sedutor (Zahar, 370 págs., R$ 69,90), Casanova transou com 118 mulheres. Ok, um número bem maior que o de Woody Allen, que uma vez disse “não chegar a dois dígitos de exemplares do sexo oposto, vários dos quais recorrendo a técnicas subliminares de hipnose”. Mas o currículo casanovesco provavelmente não teria garantido, por si só, um lugar privilegiado na história.

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Depois de ler a biografia de Kelly e a própria autobiografia de Casanova, The Story of my Life (Penguin, 576 págs, US$ 15), fica fácil perceber que sua fama se deve a mais motivos. O principal, sim, são as mulheres. As situações impressionam mais do que elas em si. Casanova perdeu a virgindade transando com duas irmãs, foi para a cama com mães e filhas, atacou freiras de um mesmo convento e assim por diante.

Ele se formou em leis na faculdade de Pádua aos 16 anos e se insinuou em muitas profissões: religioso, violinista, soldado, bibliotecário, tradutor, espião, filósofo, alquimista. Em Veneza, onde nasceu, ascendeu socialmente mesmo parecendo à Inquisição local “algo entre um parasita, um alpinista social e um prostituto”.

Até o final da vida escreveu 42 livros, além de peças, tratados filosóficos e matemáticos, libretos de óperas, libretos, poemas e obras sobre calendários, leis canônicas e geometria cúbica. Também deixou manuscrita a autobiografia, mais de 3,7 mil páginas que a Penguin, com muito zelo e suor, reduziu àquelas 576. Em 2011, os manuscritos de Histoire de ma Vie (escrita originalmente em francês) foram para a Biblioteca Nacional da França, em Paris. Para quem tem tempo de sobra, o Kindle oferece uma versão em inglês do calhamaço, gratuita e dividida em 12 edições.

Além de tudo, Casanova foi um grande viajante. Conheceu mais de 20 países europeus nos tempos em que um dia de viagem significava uma hora das nossas viagens hoje. Foram estimados 64 mil km em carruagens que mantinham, como a de Paris-Lyon, uma média de 8 km/h. Logo, sua autobiografia é, entre outras coisas, um esmiuçado relato do que é viajar Europa afora no século 18. Muito mais intrépido que os grand tourists de então, Giacomo pegou carona, foi assaltado, viajou com nobres e cortesãos, navegou em navios de escravos para Corfu e Istambul. Invariavelmente, claro, assediando as mulheres ao seu lado nas escuras carruagens públicas.

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