Visitar casas ou museus de escritores implica uma tolice, que é a de literarizar alguém literário, objetivar quem briga pelo subjetivo. Por que Aracataca quando se tem Macondo?
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Ainda assim, acabo visitando. Em São Petersburgo entrei no número 47 da Rua Bolshaya Moskaya. Ali morou Nabokov, do nascimento aos 18 anos, e ali predominam, caçadas retrospectivamente pelos curadores, as borboletas para estudo que o autor capturava de puçá, boina, bermuda e meiões. Uma máquina de escrever dispara um meio-sorriso: não vale a leitura de 30 palavras de Lolita.

De Dostoiévski, perto dali, pode ser visitado um apartamento ocupado nos três últimos anos de vida, até 1881. Os ambientes estão reconstituídos com poucos objetos originais. Ainda estimo mais o albergue com sambão da Vila Madalena, em São Paulo, onde li Memórias do Subsolo.
Ok, uma exibição mais ampla ajuda. Goethe passou quase 50 anos no mesmo endereço, em Weimar, e sabendo que era Goethe deixou para a posteridade um acervo talvez superior ao que você tem de 2011 em casa. A biblioteca de milhares de livros pode ser vista mas não acessada, uma interdição anticlímax do brinquedo principal, mas a visita vale a pena de sobra. Na verdade, chega a relativizar meu resmungo do começo desse texto: a atmosfera bem preservada dispara a memória de ler Goethe e é uma experiência muito mais subjetiva que informativa.
Kafka não é bem o caso. Suas histórias deformam tão bem a realidade que as informações literais sobre ele soam mesmo empobrecedoras. Teimoso, acabei indo ao museu Franz Kafka em Praga. No fim, sai de lá bem informado sobre um cidadão do Império Austro-Húngaro mas sem nenhum insight novo sobre os seus livros.
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Mais incomodamente literal, em todo caso, é o Museu da Inocência, em Istambul, inspirado no romance homônimo do prêmio Nobel turco Orhan Pamuk. No romance, o protagonista Kemal abre um museu com objetos que remetem a Füsun, a parente distante que ama. Fazendo um gracejo extraliterário, Pamuk abriu ele mesmo um museu repleto de cacarecos. Literalidade ao extremo. Dessa vez, não fui além do livro. Que, aliás, recomendo.
Quem fala
Sendo a primeira coluna, me apresento. Fui duas vezes finalista, no chuveiro, do Prêmio Jabuti. Às vezes realmente escrevo. Estou terminando um mestrado de literatura na Universidade Complutense de Madri. Não suporto mais livros com protagonistas escritores, especialmente quando são bisões enfadonhos que viveram pouco. Além disso, estou com o francês Daniel Pennac, que lista como direitos do leitor os de pular páginas, não ler, não terminar um livro, reler, ler qualquer coisa, ser bovarista, ler em qualquer lugar, ler uma frase aqui e outra ali, ler em voz alta, se calar.