Pelo telefone, um amigo faz questão de agradecer o livro emprestado dizendo que “o cara narra muito”. Pessoalmente, uma amiga me conta que uma conhecida sua gostou tanto do romance que começou a discuti-lo com o psicanalista. Estou falando de As Correções, de Jonathan Franzen (1959-), autor que já comentei aqui e que neste ano publica novo romance, Purity. Sou um pregador de Franzen, e escutando esses retornos não posso deixar de voltar a ele.

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Não insisto que Franzen seja um escritor imbatível, mas sim que está entre os melhores dos anos recentes e é extremamente positivo que venda milhões de livros. Alguns críticos e escritores o acusam de ser pouco nuançado e se resignar com a realidade. No primeiro caso, trata-se simplesmente de falta de nuance de leitura. No segundo, do velho preconceito de que romances realistas recomendam o mundo que “documentam” porque não propõem alternativas para ele. Essa ideia traz implícita a de que existe uma ficção (geralmente, a pós-modernista) muito mais imaginativa e inconformada.

Na prática, cada corrente tem seus bons e maus resultados. Nos melhores momentos, pós-modernismo é Italo Calvino ou Borges. Nos piores, são autores formados em oficinas de texto predispostos a idealizar personagens do universo das artes chocados com filisteus ao redor. O pior do realismo é banalizar o mais óbvio de uma época – a escritora que parte do clima de maior experimentação sexual para nos torturar com seus clichês e frases mal estruturadas sobre sadomasoquismo.

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O melhor do realismo é As Correções, uma arquitetura mais complexa do que aparenta sobre como muitos de nós vivemos hoje. Para o crítico Stephen J. Burn, o romance é uma “enciclopédia do eu do século 21, um teatro que Franzen projetou para mostrar as diferentes concepções de individualidade que seus personagens esboçam para se autojustificarem em meio a conflitos”. A maneira demasiado humana de como se frustram ao tentar se corrigir é o mérito maior do livro, e ajuda a explicar por que alguém decidiu discuti-lo no psicanalista. Isso, por sua vez, obviamente contraria a ideia de que os romances realistas estimulam a resignação dos leitores.

Registro seco

Foi uma meia-decepção reler nesta semana O Primeiro Homem, romance autobiográfico deixado incompleto por Albert Camus (1913-1960). Na memória que eu tinha da primeira leitura, ali pelos 20 anos, o livro trazia uma infância na Argélia contada com muito mais profundidade. O estilo está muito mais para um registro seco, que arrisca mas logo abandona alguns lirismos. Essa secura narrativa às vezes parece ideal para refletir a pobreza implacável da família de Camus. No geral, porém, apenas me deixou com saudade do García Márquez autobiográfico de Viver Para Contar.

Americanizado

Nabokov in America, de Robert Roper (1899-1977), avalia como ter morado nos Estados Unidos, nas décadas de 1940 e 1950, influenciou a literatura do russo Nabokov e desaguou especialmente em Lolita. Uma boa resenha sobre o livro de Roper é a do jornal The Washington Post: http://migre.me/q3PNl.