Tornou-se célebre na política brasileira uma resposta do controverso ex-presidente Jânio Quadros (1917-1992) ao ser questionado por que bebia tanto uísque:

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— Bebo porque é líquido, porque, se fosse sólido, comê-lo-ia.

A frase reflete o estilo marcante do político, que envolvia, para além da polêmica etílica, o uso de um português rebuscado coroado com o emprego de mesóclises.

Há duas semanas, as colocações de pronomes no meio de verbos retornaram ao Palácio do Planalto na boca de Michel Temer. O presidente interino tem chamado a atenção pela personalidade formal espelhada em seus discursos rebuscados.

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Na cerimônia de posse, usou uma mesóclise ao falar em reformas nos programas sociais:

– Como menos fosse, sê-lo-ia pela minha formação democrática e pela minha formação jurídica.

Em fala no Congresso, emendou outra para se defender de críticas sofridas pelo governo:

– Posso ter errado. Procurarei não errar. Mas, se o fizer, conserta-lo-ei.

– Não há erro algum, apenas destoa da cultura brasileira, que tende a ser menos formal – avalia o professor de Português Paulo Flávio Ledur, autor do livro Português Prático.

Mesmo que soem pernósticas, as mesóclises ainda persistem em alguns meios – entre eles, na linguagem jurídica, justamente o campo de formação do presidente interino. Na opinião de Ledur, a fala cerimoniosa reflete a personalidade formal por natureza e pouco popular de Temer, um contraste aos discursos pouco lineares de Dilma Rousseff e às metáforas de Luiz Inácio Lula da Silva.

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O professor diz que quem adota um português rebuscado precisa estar atento porque fica ainda mais submisso às regras da gramática. É como se, nesses casos, ficasse mais feio errar.

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– Ele (Romero Jucá) disse que licenciar-se-ia – pontuou o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que, na tentativa de explicar a crise no governo, cometeu uma derrapada gramatical.

O uso da mesóclise não cabe nesse caso porque o pronome relativo “que” puxa o pronome oblíquo “se” para antes do verbo, dir-lhe-ia o chefe.

* Zero Hora