O catarinense Jorge Mussi faz parte do grupo de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) responsáveis pelas Eleições de 2018. Em entrevista o DC, por e-mail, o magistrado expôs as iniciativas do órgão para combater a interferência das fake news e do vazamento de dados nas redes sociais no processo eleitoral. Além disso, descarta a possibilidade ventilada nos bastidores políticos de Brasília da suspensão das eleições deste ano. Leia abaixo:

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O senhor vê com preocupação a disseminação de informação falsa nas eleições?

A preocupação existe. Realmente não se pode desconsiderar que os tempos modernos impõem desafios trazidos pela sempre crescente participação das novas mídias, não sendo mais possível imaginar um processo eleitoral escoimado do influxo das redes sociais e das notícias falsas, as famigeradas fake news. Claro, tudo isso sem jamais ferir o direito a uma imprensa livre, atividade da mais alta relevância e utilidade pública, quando realizada por profissionais sérios e comprometidos com a ética e com a verdade.

O vazamento de informações das redes sociais pode influenciar na campanha pela internet? Como o TSE pode interferir nesse processo?

Dentro do vasto campo de informações em redes sociais, notadamente em período eleitoral, o vazamento de informações desvirtuadas pode sim influenciar na campanha de determinados candidatos na internet. O TSE, atento para a questão, instituiu, através da Portaria 949, de 7 de dezembro de 2017, um Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, que funciona junto ao Gabinete da Presidência e possui as atribuições de desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da internet nas Eleições, em especial o risco das fake news e o uso de robôs na disseminação das informações, além de opinar sobre as matérias que lhe sejam submetidas pela Presidência, e, ainda, propor ações e metas voltadas ao aperfeiçoamento das normas.

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Um problema crônico da Justiça Eleitoral sempre foi a fiscalização. O senhor não acha frágil depender da fiscalização do eleitor para combater práticas irregulares?

A participação do eleitor é de fundamental importância. É claro que existem outros meios de fiscalização, também importantes e efetivos. Entretanto, pela capilaridade, a firme atuação do eleitor/cidadão na fiscalização é ponto alto para o sucesso da Justiça Eleitoral em tornar efetivo um processo eleitoral transparente, sério, equilibrado e verdadeiramente democrático. Aliás, a Justiça Eleitoral, devido a sua política de transparência, permite e incentiva que o processo de votação eletrônico também seja fiscalizado. Os interessados em fiscalizar a votação podem acompanhar o desenvolvimento dos sistemas; assinar digitalmente os sistemas; acompanhar a cerimônia de geração das mídias; acompanhar a carga das urnas; acompanhar a votação paralela; fiscalizar a votação na seção; recolher os boletins de urna impressos nas seções e solicitar os arquivos disponibilizados pela Justiça Eleitoral. Enfim, estamos preparados para um processo eleitoral efetivamente democrático, com planejamento estratégico para atuação fiscalizatória antes, durante e após as eleições.

Em recentes operações como a Lava-Jato, surgiram casos de políticos envolvidos em casos de caixa 2 mesmo com as prestações de conta aprovadas pelo TSE. Como controlar os repasses irregulares de forma eficaz?

O TSE desenvolveu no Núcleo de Inteligência uma série de tipologias que iniciaram sua aplicação nas eleições de 2016. Para as eleições de 2018, o TSE incrementou métodos e procedimentos já desenvolvidos no Núcleo de Inteligência para as eleições de 2016 e disciplinou na própria resolução de prestação de contas o seu processamento (Res. TSE n. 23.553/2017), de forma que penso que serão muito mais eficazes esses resultados. Isso porque, já durante o processamento da campanha, a partir do encaminhamento das contas em até 72 horas dos recebimentos financeiros, o núcleo estará confrontando as informações e gerando resultados. Acredito que a aplicação das tipologias identifica indícios de irregularidade bastante importantes para a detecção de caixa 2. Ao par disso, identificamos uma série de procedimentos de caixa 2 nas últimas eleições para os quais buscaremos parametrizar, no exame técnico, formas de detecção. Penso que aí teremos muito bons resultados. Temos ainda outras possibilidades na atuação direta em razão de denúncias, na articulação com o poder investigativo da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Certo é, contudo, que são várias as formas de apuração e sanção posteriores à desaprovação de contas que podem ser melhor exploradas. Hoje, além das providências que cabem à Justiça Eleitoral, existem outras tantas na esfera comum, a exemplo da lavagem de dinheiro, que podem e devem ser apuradas nos outros ramos de Justiça, sendo que as regras da Resolução permitem que assim se faça.

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De que forma que essa eleição vai se diferenciar das demais?

Com a Minirreforma eleitoral de 2017 (Lei 13.488/2017), ocorreram alterações significativas que repercutirão perante os atores do processo eleitoral. Dentre elas, a possibilidade de que novos partidos políticos que desejam participar das eleições registrem seus estatutos no TSE até seis meses antes do pleito (o prazo mínimo anterior era de um ano); a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), consolidando a proposta de financiamento público e estabelecendo os critérios de distribuição dos recursos; a faculdade de financiamento coletivo de campanhas pela internet e de arrecadação prévia por pré-candidatos (condicionando-se sua utilização ao efetivo registro de candidatura na Justiça Eleitoral); a possibilidade de impulsionamento de conteúdo pago pela internet; por fim, o estabelecimento de novos limites de gastos para as campanhas a níveis nacional e estaduais. É importante ressaltar, ainda, que atualmente está em debate no TSE a temática da propaganda eleitoral extemporânea (isto é, aquela que, por vedação legal, não pode ser realizada antes do pedido de registro de candidatura na Justiça Eleitoral), ocasião em que serão definidas balizas para se aferir, no exame de cada caso concreto, a observância à legislação que disciplina o assunto.

O TSE vai ter mais equipes fiscalizando fake news ou vai depender da imprensa? De que forma que a imprensa poderia ajudar neste sentindo? Haverá um canal específico para denúncias?

A criação de equipes de fiscalização e de disque-denúncia envolvendo as fake news constituem questões sob a gestão do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, encontrando-se atualmente em discussão. Porém, como bem asseverou o ministro Luiz Fux (presidente do TSE) em encontro com jornalistas em fevereiro deste ano, o combate às fake news será realizado mediante esforços conjuntos da Justiça Eleitoral, da imprensa e do eleitorado. Por fim, ressalte-se que os tribunais regionais eleitorais possuem durante o período eleitoral equipes de fiscalização de propaganda.

O senhor acredita que a quantidade de pré-candidatos vai prejudicar o cumprimento de regras da Justiça Eleitoral?

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Para o efetivo sucesso do sistema democrático é por demais importante a participação efetiva da sociedade como um todo, em especial com a pluralidade de candidatos e propostas, o que não prejudica, no meu entender, o cumprimento das regras pela Justiça Eleitoral, que está efetivamente preparada para o certame que se avizinha.

Como treinar o eleitor para fiscalizar?

A Justiça Eleitoral, sabedora da extrema relevância de todo o processo eleitoral para a consolidação da democracia, promove ininterruptamente treinamentos, incentiva a participação do eleitor e desenvolve campanhas publicitárias nos mais diversos meios (rádio, televisão e redes sociais como Youtube, Twitter, Facebook, Instagram, Flickr, dentre outras) visando conscientizar o eleitorado não apenas acerca da importância do voto, o clímax de um Estado Democrático de Direito, como também sobre as etapas anteriores à votação, mostrando como fiscalizar – e denunciar – condutas que possam vir a comprometer a vontade individual de cada eleitor, a exemplo da nefasta compra de votos, do uso de palanques para realização de showmícios ou do uso desproporcional de recursos financeiros por determinada candidatura. As campanhas empreendidas pela Justiça Eleitoral também podem ser visualizadas no sítio eletrônico do TSE.

Na última semana surgiu a informação de que o atual governo Temer trabalha com a possibilidade de as eleições deste ano não ocorrerem. Existe essa hipótese?

Desconheço por completo. Desconsidero por absoluto. As instituições estão sólidas.

Em que condições uma eleição não ocorreria?

Teremos eleições livres e democráticas.

O TSE conseguirá garantir que a maioria dos registros de candidatos será julgada até a eleição? Ou teremos candidatos eleitos em situação de recurso?

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Em que pese a mudança da legislação que encurtou sobremaneira o período eleitoral específico, o TSE e toda a estrutura da Justiça Eleitoral no Brasil estão preparados para exercer a sua missão da melhor forma possível. As situações isoladas serão tratadas, igualmente, dentro das possibilidades legais e com a celeridade possível.

Com gastos estabelecidos por um teto para campanha, como fiscalizar para que haja um gasto superior sem declaração?

Além da aplicação das tipologias do Núcleo de Inteligência durante a campanha, precisamos contar com a maior participação do eleitor/cidadão que, vendo a campanha nas ruas, tenha conhecimento do quanto aquele candidato está declarando como gastos de campanha e possa, voluntariamente, informar à Justiça Eleitoral para que possamos deflagrar apuração pela vias legais existentes, pois o TSE almeja sempre a preservação da ética, a transparência no financiamento das campanhas e o efetivo combate da corrupção. De minha parte, penso que apenas dois caminhos podem ser trilhados com sucesso para afastar o caixa 2 e exercer controle mais efetivo: a integração dos mecanismos de inteligência da União, exatamente aos moldes do Núcleo de Inteligência, que congrega Justiça Eleitoral, Ministério Público Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Receita Federal, Tribunal de Contas da União e Polícia Federal, compartilhando conhecimentos e executando ações conjuntas e a divulgação maciça das informações de financiamento durante a campanha e das formas que o cidadão/eleitor tem de contribuir com a sua fiscalização.

A Lei de Ficha Limpa será aplicada a todos os candidatos condenados em segunda instância ou isso pode se alterar?

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A Lei da Ficha Limpa, de iniciativa popular, aprovada pelo Congresso Nacional e referendada pelo Supremo Tribunal Federal, será aplicada.