Há 11 anos atuando na Polícia Federal, o delegado Andrei Augusto Passos Rodrigues já combateu o tráfico de drogas e crimes fazendários e do colarinho branco. No Rio Grande do Sul, em 2007, comandou a investigação da Fraude dos Selos, que resultou em revisão de procedimentos na Assembleia Legislativa e colocou, à época, deputados estaduais no banco dos réus.

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> Conheça o centro de comando de segurança do Brasil para a Copa

Aos 43 anos, está diante de um desafio que reúne riscos variados, desde a violência de um assalto na rua a atentados terroristas. Há dois meses, foi nomeado secretário extraordinário de Segurança para Grandes Eventos. Ele recém voltara ao país, depois de dois anos trabalhando na Espanha. Agora, está no posto mais alto da segurança da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016.

Ainda não tem casa em Brasília. Parte da mudança está viajando de Madri e outra, de Porto Alegre. No gabinete da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (Sesge), até agora, só o chimarrão lembra as origens: é natural de Pelotas.

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Enquanto explica o tamanho da missão que tem pela frente, Andrei não demonstra temores, mas admite: perde o sono nos poucos momentos de descanso que sobram da jornada com uma média de 12 horas de trabalho. Na última quarta-feira, o secretário recebeu Zero Hora em seu gabinete, falou do plano de segurança, de estratégias e demonstrou confiança no sucesso da Copa que se inicia em junho.

Zero Hora – O que preocupa mais: a violência natural das grandes cidades, eventual ato de terrorismo ou manifestações com depredações?

Andrei Augusto Passos Rodrigues – Na segurança, tem de trabalhar com espectro amplo. Se focar em manifestações, vou desguarnecer outro ponto. A manifestação nos preocupa no sentido de que é dever das forças de segurança garantir o exercício livre e democrático da manifestação e, ao mesmo tempo, coibir atos de vandalismo, violência, agressão a pessoas e ao patrimônio. Fizemos um seminário no Rio voltado à gestão de multidões. Participaram não só forças policiais, mas jornalistas, OAB, Defensoria Pública, MP, secretarias de Direitos Humanos, cada um trazendo sua visão das manifestações, para dizer o que foi bom e o que foi ruim. Houve grupos de trabalho mistos e oficinas, que fizeram propostas de atuação. Elas vão servir de base para diretrizes em próximos eventos.

ZH – O poder público está conseguindo coibir o vandalismo? Mais uma vez, nos protestos da semana passada no Rio de Janeiro e em São Paulo, houve depredação.

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Andrei – As forças policiais estão tentando formas de fazer isso, com o endurecimento. Concordo com isso, tem de coibir com rigor para que se evite vandalismo. Soube que empresários do Rio apresentaram uma conta para o Estado pagar (decorrente de depredações).

ZH – As imagens mostram vândalos agindo livremente, sem a interferência da polícia. Os protestos começaram em junho, há quatro meses. Não está demorada essa reação da polícia?

Andrei – O trabalho da polícia é ingrato sempre, temos de achar o ponto de equilíbrio. Se age com rigor e energia coibindo desde o início, vai ouvir críticas porque se excedeu. Se tentar controlar sem ser mais enérgica, é criticada porque demorou a atuar. Por isso, temos processo contínuo de capacitação. Mais de 5 mil policiais foram capacitados, não só das forças de seguranças, mas defesa civil, bombeiros, agentes de trânsito. Planejamos capacitar, de forma direta, até 15 mil para atuar nos eventos.

ZH – Qual o saldo do trabalho de segurança na Copa das Confederações?

Andrei – A avaliação da segurança é positiva. Não houve atraso nas partidas em razão de protestos, nenhum torcedor deixou de ir ou de sair do estádio tranquilamente e as delegações e autoridades também não sofreram interferência dos protestos. Com esses dados, nossa avaliação é de que o evento foi positivo. Protestos são intrínsecos aos grandes eventos, Olímpiada de Londres, Copa do Mundo na África, na Alemanha. Temos certeza de que haverá protestos. Em que intensidade virão, nossas análises vão apontar. É natural dos eventos.

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ZH – Qual é o prazo para ter esse cenário relacionado à Copa do Mundo?

Andrei – Temos, por exemplo, uma coletânea de avaliação de risco preliminar elaborada antes da Copa das Confederações, feita em cada cidade. É preliminar porque os riscos, as ocorrências que possam interferir nos eventos, têm dinamismo. Hoje, uma rede social dispara um convite e tem 50 mil pessoas agregadas a um evento. Essa coleta de dados é feita diariamente pelos órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência. Os dados são analisados, compilados e direcionados às forças que devem atuar. Devemos ter, até o final do ano, uma análise de cenário mais genérica e, a partir da proximidade do evento, vamos especificando. Teremos análise de risco para cada partida do Mundial: para o jogo inaugural, vamos ter os dados daquele evento. Também temos cooperação internacional. Existe um centro de cooperação em Brasília com representantes dos países que têm seleção participando. Eles aportam dados sobre torcedores, se há risco potencial, o perfil das pessoas. Também mantemos troca de informação com embaixadas e consulados.

ZH – A análise de cenário tem como base o período dos protestos, a partir de junho?

Andrei – O período é constante. Se a situação fica crítica, se tem protestos intensamente todos os dias, podemos ter análise diária.

ZH – Mas esses protestos podem se tornar combustível para ocorrências nos grandes eventos, não?

Andrei – Exatamente. São dados relevantes que vamos considerar para a segurança do evento. Acompanhamos isso. Mas essa atuação de agora não tem nada a ver com nossa secretaria.

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ZH – Integração entre polícias de uma cidade, por exemplo, é um desafio histórico. Como é fazer isso em dimensão nacional?

Andrei – É complexo. É o grande desafio e a grande missão da secretaria. Nenhuma força de segurança hoje é capaz de fazer frente sozinha à demanda que tem um evento dessa natureza. E, para quem ainda tinha dúvida, a Copa das Confederações serviu para dar essa convicção. Dou um exemplo simples: quem faz a segurança de uma delegação? A segurança aproximada, que anda junto, é responsabilidade da PF. Os batedores são da PRF e PM. No comboio, tem de ter Samu, agentes de trânsito. Para a delegação chegar no aeroporto, tem controle alfandegário, a Receita, a Anvisa. Então, nesse cenário, temos o Sistema Integrado de Comando e Controle, que é composto pelos centros regionais, que são formados por um mosaico de forças. Essas comissões regionais definem protocolos de atuação.

ZH – Funcionou a integração na Copa das Confederações, tem o que melhorar?

Andrei – Tem sempre o que aprimorar em segurança. Aprendemos muito na Copa das Confederações. A grande questão da segurança é promover a integração. E temos conseguido.

ZH – Como se faz isso?

Andrei – Dentro das comissões regionais, temos 15 oficinas temáticas. Por exemplo: escolta e batedores, controle de acesso a estádios, policiamento ostensivo. A oficina discute e traz sua proposta. Ela passa pela comissão, que valida e envia para a secretaria. A secretaria compila os dados das 12 sedes e define que aquele é o plano tático e protocolo de atuação daquele Estado, daquelas forças. Todas as forças têm o compromisso de agir daquela maneira. Existem as diretrizes macro, do Ministério da Justiça, mas cada região tem sua peculiaridade. Quantos policiais vão para o Beira-Rio? Quantos portões são? É o detalhamento regional.

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ZH – O Ministério da Defesa também participa desse trabalho. Dois delegados federais deixaram o comando da secretaria sob desgaste com o ministério. Como está essa relação?

Andrei – Tranquila. Por uma simples razão: as instituições têm competências definidas e zelamos por essa legalidade. Não avanço um milímetro na área de defesa e não aceito que a defesa interfira um milímetro na área de segurança. Mas temos ações plenamente coordenadas em alguns temas, como varreduras, antiterrorismo e contraterrorismo, de segurança e defesa cibernética.

ZH – Como é trabalhar com a possibilidade concreta de um ato terrorista no Brasil, já que é um risco intrínseco a grandes eventos?

Andrei – Existe na PF uma divisão que trabalha permanentemente com o tema, na área de inteligência. Claro que se acentua agora. É uma preocupação.

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ZH – O que ainda falta do plano de segurança da Copa, quanto já está pronto?

Andrei – Temos 12 realidades distintas. E, dentro delas, dois blocos: seis cidades que receberam jogos da Copa das Confederações e seis que não tiveram. Nosso cronograma é que até final do ano estejamos com 95% das obras prontas e até março, abril, com todos os centros integrados regionais funcionando plenamente.

ZH – O que pesa mais para o sucesso desse trabalho: cursos, integração, inteligência, tecnologia, equipamentos?

Andrei – É o conjunto. Se tiver um homem muito capacitado, mas sem dados de inteligência, pode operar errado. Se tiver a pessoa sem qualificação, mas com muita informação, também não vai saber o que fazer. Uma ação está vinculada à outra. E nosso grande legado é o da integração, de as forças perceberem que, para o combate à criminalidade, é imprescindível a integração. Todo o recurso que está sendo investido será aproveitado no dia a dia. Não tem elefante branco. Por exemplo, o centro de comando móvel foi usado agora no Rock in Rio.

ZH – O que o senhor diria para um turista estrangeiro que pensa em vir para o Brasil?

Andrei – Venha e acompanhe os jogos com a maior tranquilidade possível. A segurança está trabalhando intensamente para que o Brasil seja referência positiva de segurança em grandes eventos.

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ZH – O senhor teve outro trabalho intenso, que foi o de cuidar da segurança da então candidata Dilma Rousseff. Como foi sua indicação?

Andrei – Eu tinha acabado de sair de Brasília, onde assessorava a diretoria executiva da PF, e estava de volta a Porto Alegre. Fui chamado de volta para assumir essa missão. Não tenho nenhuma vinculação política. Já houve especulação na imprensa de que sou amigo do Tarso Genro. Tenho o maior respeito pelo ex-ministro Tarso, mas não o conheço. Conheci a presidenta no dia que me apresentei a ela para fazer o trabalho, em junho de 2010.

ZH – Qual o maior desafio desse trabalho?

Andrei – Essa é uma atividade diferenciada, uma rotina intensa de trabalho, muitas viagens. Muito empurra-empurra. As pessoas acham que tem muito glamour, mas é muito trabalho mesmo, poucas horas de sono.

ZH – É só empurra-empurra de eleitor e curioso ou tem momentos de risco real?

Andrei – O risco é permanente. Trabalhamos com serviço de inteligência, fazendo análise de cenários e tomando as precauções possíveis, alertando a candidata para minimizar os riscos. O chefe de Estado deve seguir protocolos de segurança definidos, que vão permitir que a segurança atue. O candidato, não. Ao contrário, ele vai ao encontro do público, e temos que garantir a integridade dele.

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ZH – A candidata Dilma obedecia ao senhor? Como era essa relação?

Andrei – Relação profissional. Ela é conhecida pelo profissionalismo, por ser a pessoa exigente que é. Tínhamos excelente relação profissional.

ZH – Dilma aceitava bem as orientações?

Andrei – A gente trabalhava sempre com o contexto dos riscos que cada evento propicia. E ela, desde o início, tinha (consciência disso). A gente trabalhava de forma tranquila. Ela é muito disciplinada, exigente e cumpridora de suas agendas.

ZH – O senhor trabalhou com ela até a posse como presidente. O que ficou dessa relação? Foi ela que lhe indicou para atuar na Espanha, onde o senhor esteve como oficial de ligação nos últimos dois anos?

Andrei – Tenho a maior admiração e respeito pela presidenta. Mas minha relação se encerrou profissionalmente com aquela atividade. Minha indicação para a Espanha foi do atual diretor-geral da PF (Leandro Daiello Coimbra).

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ZH – Ela indicou o senhor para a secretaria?

Andrei – Esse cargo é de escolha do ministro da Justiça. Acho que tem a confiança do ministro e dela, de ambos conhecerem o trabalho que já realizei na Polícia Federal. É cargo de confiança. É a confiança e a credibilidade que a instituição Polícia Federal tem e que nosso trabalho teve de reconhecimento, o que aumenta muito o meu compromisso e minha responsabilidade aqui.

ZH – Esse desafio tira o sono do senhor?

Andrei – Acordo, às vezes, pensando em jogos.

ZH – O senhor tem algum temor?

Andrei – De que nem tudo saia como planejamos. Queremos fazer do Brasil uma referência positiva em segurança pública.