Para inveja de bailarinos renomados, autistas nasceram na meia ponta. Eles sempre andam na pontinha do pé. Matheus, Vitor e Manoel tocam o mínimo de chão que precisam para andar. Todos foram descobertos autistas perto dos três anos, gostam de assistir desenhos, são muito visuais e estão matriculados no 1ª ano do ensino regular.
Continua depois da publicidade
A professora ensina com a ajuda de uma auxiliar. Mesmo parecidos, existem diferenças que tornam estes meninos únicos dentro do mesmo espectro do transtorno, o grau moderado do autismo.
Leia as últimas notícias de Joinville e região
Agenor e Cícera prometeram que levariam o filho Matheus Lopes da Silva, de seis anos, para passear de carro. A rotina do menino é entrar, sentar no banco de trás e olhar pela janela. Saem pelas mesmas ruas e vão ao mesmo supermercado. O pai compra os mantimentos enquanto a mãe fica com o menino. A rota de volta é sempre igual. Uma seta fora do roteiro é o suficiente para irritar Matheus ao extremo. O único lugar que ele aceita caminhar entre pessoas é o shopping. Gosta de olhar quem sobe e desce a escada rolante.
Continua depois da publicidade
LEIA OUTRAS REPORTAGENS DA SÉRIE:
Conheça a rotina de Luís, um menino de dez anos com autismo que vive em seu próprio mundo
Autistas com grau leve têm potencial para encontrar espaço no mercado de trabalho
Na casa da família ninguém entra sem que Matheus avise com choro. Basta o barulho do portão para ele mudar. Aquele território é dele, dos pais e do irmão de 17 anos, que ele abraça infinitamente quando vê chegar depois da rotina de estudos. Agenor deixa claro que os autistas podem sim, ser carinhosos. O problema é quando invadem o espaço e a rotina deles.
– Se o choro acontece na rua, as pessoas não entendem. Pensam que é malcriação. Por isso já saímos com a camiseta azul – diz o pai.
Antes do atendimento especializado na Associação de Amigos do Autista (AMA), Matheus passava o dia encostado na parede do quarto dos pais. Cutucava o cimento. A cabeça chegava aos objetos antes das mãos. Usava fraldas. Batia as portas dos armários. Hoje, abandonou as fraldas e esses hábitos. Continua sendo uma luta fazer ele comer algo que não seja miojo e frutas amassadas.
Continua depois da publicidade
A alimentação restrita deixou o menino anêmico, tanto que suplementos vitamínicos passaram a fazer parte da dieta na merenda da escola e na AMA, que ele frequenta todas as tardes de terça e quinta-feira.
Realidade organizada
Todos que brincam no terreno da casa de Matheus viram Adalgiza. A tia é a única parente que o menino reconhece. Ela abraça, beija, e invade aquele universo ensimesmado com todo carinho. De repente, o mundo virou pares de Adalgiza. O nome se tornou uma referência de algo bom que ele reconhece fora de si.
Aos pares, os autistas cumprem a tarefa de organizar a realidade ao redor. É algo que eles aprendem com métodos como o Teacch, aplicado na Associação de Amigos do Autista (AMA). O princípio é “parear”. As atividades do dia ficam coladas com velcro em uma agenda. São representadas por imagens, palavras ou pelo objeto concreto a que se referem. Se a criança já é alfabetizada, recebe a palavra da atividade que fará e gruda no mural onde será realizada a tarefa. É o que chamam de check-in.
Continua depois da publicidade
Imagine que chegou a hora do lanche para quem não sabe ler e não reconhece imagens. Então, a educadora entrega o garfo que deve fazer par no mural do refeitório. O agendamento de tarefas e o reconhecimento do mundo previsto pelos símbolos ajuda o autista a manter a calma.
Matheus chegou à instituição com autismo grave, conforme a terapeuta ocupacional Andréia Bitencourt. Gritava muito e tinha tendência a se auto-agredir. Hoje, ele é só sorrisos.
As chances que uma criança autista tem de se desenvolver dependem muito do que os pais podem investir de tempo e dinheiro em tratamentos, acredita a assistente social Paloma Pereira. Familiares precisam ser orientados sobre os direitos a descontos em tratamentos e a auxílios financeiros, por exemplo. Antes de abrir caminhos em direção ao mundo dos autistas, os pais têm que desbravar labirintos burocráticos.
Continua depois da publicidade
O cavalo Chitão ajuda Vitor a desenvolver a capacidade motora. Foto: Salmo Duarte
Alternativas para Vitor evoluir
Para Vitor chegar a fazer dupla com Chitão, Sandra Pinter teve que ralar. Ela é daquelas mães que se acorrenta em praça pública se necessário. Hoje, seu filho tem direito a uma assistente exclusiva na escola regular que frequenta, por exemplo. Mas nem sempre foi assim. Pela insistência, ela conseguiu a auxiliar para o filho e deixou bem claro que a assistência é para o Vitor, não para a turma da qual ele faz parte.
Nas andanças em busca de alternativas para o desenvolvimento do filho, ela descobriu o Chitão e a equoterapia. Chitão é o cavalo marrom de patas pretas e crina aparada. Ele faz uma dupla com Vitor, muito mais carinhosa do que as duplas sertanejas. O menino deita sobre o cavalo e anda pelo CTG Chaleira Preta. E haja pai para puxar as rédeas.
Onde a dupla vai, Cláudio Pinter segue na frente guiando os caminhos. Junto das fisioterapeutas e instrutoras, Vitor dá a volta por todo o espaço até chegar na cancha. Na areia a dupla faz os exercícios de colocar argolas coloridas de diferentes pesos em estacas. Um exercício para aprender as cores e desenvolver a capacidade motora.
Continua depois da publicidade
Sandra insiste principalmente em corrigir o jeito do filho pisar no mundo. Ela já viu melhoras significativas.
Vitor tem seis anos e continua a escolher meticulosamente o que come. Ela abre a gaveta da geladeira e o menino escolhe as frutas que quer. Mesmo que ele não fale, a mãe entende tudo que ele deseja.
– É toda uma dificuldade. Não é trabalho de formiguinha, não. É de elefante. Se fosse formiguinha eu já teria desistido – fala Sandra sobre a jornada que assumiu desde que seu único filho nasceu.
Continua depois da publicidade
Manoel ensinou a mãe a ser mais sensível e ver o mundo de um jeito diferente. Foto: Rodrigo Philipps
Manoel adora filas
Desespero. Foi o que sentiu Simone Grabowski quando começou a funcionar o anel viário do bairro Iririú, em Joinville. Ela voltava com Manoel da escola quando ele começou a ficar nervoso dentro do carro. Maneca, como a mãe o chama carinhosamente, chegou a arrancar a película do vidro de trás, tamanho o incômodo que a mudança de rota causou. Nesse dia, ela chorou, mas não foi pelo carro.
– Eu não conseguia entender o meu filho – relembra Simone.
Desde pequeno, o menino era diferente. Não se interessava pelas outras crianças e vivia andando pela sala da escola infantil com a mochila nas costas. A primeira consulta para investigar o porquê de Manoel não responder ao próprio nome foi com um otorrinolaringologista. Assim que limparam o ouvido dele, as características do autismo se acentuaram. As mãos não paravam de ir para as orelhas e ele ficou mais irritado.
– Eles são extremamente sensíveis – descreve Simone.
Gritos são agressões. Aos poucos Simone foi percebendo a beleza e a diferença do próprio filho. Em uma das festas de família – durante as quais ele sempre fica no carro – Maneca insistia que estava ouvindo um passarinho. O menino não sossegou até levar a mãe no final da rua e mostrar de onde vinha o canto.
Continua depois da publicidade
– Fiquei mais sensível sendo mãe de um autista. Observo tudo de um jeito diferente – constata ela, diante da escassez de tempo que a maioria das pessoas vive nesses “tempos modernos”.
Manoel, sete anos, é o caçula de cinco irmãos. Foi com ele que Simone aprendeu a nuance dos detalhes e a perceber como o menino é sistemático. Antes ela acreditava que enfileirar pregadores de roupa de dentro de casa até a rua era brincadeira de criança. A mãe também considerava normal colocar todas as cadeiras da casa lado a lado, em fila. Depois do diagnóstico, compreendeu que isso faz parte da maneira ansiosa de o menino lidar com o caos do lado de fora de si mesmo.
Manoel faz cada vez menos movimentos repetitivos. Formula frases completas, mas sempre em terceira pessoa. “Onde o Manoel vai hoje” é uma das perguntas que a mãe mais escuta. Se antes beliscava o próprio rosto e roía as unhas até arrancar pedaços, hoje controla a ansiedade com a equoterapia e com a natação no projeto Mãe D’água, que é gratuito.
Continua depois da publicidade
Entre a mensalidade da AMA e da equoterapia, Simone gasta mais de R$ 500. Todo investimento que faz é para ver o filho crescer e compreender melhor o universo dele.
– Eles são como um quebra-cabeças. Cada dia você vai montando uma pecinha – teoriza Simone.
.::Destaques
AMA
Usa o método Teacch, que organiza a relação do autista com o ambiente.
Fila
Sessenta aguardam diagnóstico na AMA, que tem 105 matriculados.
AACCA
É uma entidade nova em Joinville, que foi fundada por pais de autistas.
Naipe
Oferece terapias e consultas com especialistas para crianças autistas.
Símbolo
A fita feita de peças de quebra-cabeça, revela a complexidade deste transtorno.
.::Ajude
Se você quer ajudar a Assocaição de Amigos do Autista (AMA) de Joinville com doações (que podem ser feitas por depósito no Banco do Brasil ou no Sicredi, por boleto bancário ou com desconto na conta de energia elétrica), basta ligar para (47) 3425-5649. Para ajudar a Associação de Amparo e Celebração a Criança Autista (AACCA), também de Joinville, basta ligar para (47) 3227-9940 ou 9109-3917.
Continua depois da publicidade