Dúvida transcendental, que desafia a não menos complexa filosofia da paixão das arquibancadas, que submete os fatos à sempre isenta interpretação das torcidas: terá sido legal o gol de André Lima, que salvou o Avaí no último segundo de jogo, domingo passado na Ressacada?
Continua depois da publicidade
Mestre Nelson Rodrigues partiria logo para o sobrenatural: acusaria o videotape de “máquina burra e sem imaginação” e elevaria o feito de André Lima a uma obra épica, digna de “El Cid, o Campeador”.
Na verdade o gol comporta pelo menos três versões.
A do torcedor do Avaí: “O gol foi legítimo. Depois da bela bicicleta do Marquinhos, o goleiro deles deixou a ?penosa? escapar por debaixo das pernas. André Lima tocou primeiro na bola e só ?depois? chocou-se com o guarda-redes. O Azurra, clube mais prejudicado pelas arbitragens desta Série A, seria mais uma vez injustiçado se o soprador de apito invalidasse o gol”.
A do torcedor do Figueira: “Não houve gol. Houve falta escandalosa no goleiro. André Lima empurrou todo mundo pra dentro do gol. Nem em pelada se confirmaria um gol daqueles. Amanhã, no Scarpelli, vamos devolver os três pontos ao Goiás”.
Continua depois da publicidade
A de um delegado da Operação Lava-Jato: “Vamos convocar todos os envolvidos, atletas e árbitro, para saber se houve algum interesse extracampo, pagamento de propina ou ?alegria? indevida distribuída apenas para uma das torcidas”.
Inquérito que não vai dar em nada.
Torcida é substantivo feminino e, segundo os dicionários, é a “coletividade dos simpatizantes de uma agremiação ou entidade esportiva”. Torcer é verbo transitivo indireto, cujo “meia” de ligação é o torcedor – esse desajuizado.
Torcer, na verdade, é distorcer.
O sentido, o significado das coisas ou a proporção da realidade, alterando-a e desvirtuando-a. Não chega a ser a síndrome de Estocolmo – que leva os sequestrados à loucura de amar os sequestradores -, mas é a síndrome da arquibancada, que induz o torcedor a interpretar todos os acontecimentos segundo a cor da camisa do seu time.
Já o “amarelo” da Costeira, fino filósofo do saber mané, prefere se confessar “sequestrado” pela paixão azurra e declarar, sem qualquer vergonha, como aquele antigo juiz, o Mário Vianna, com dois “enes”:
Continua depois da publicidade
– Gooollll, legaaaal!