Em seus tempos de escola, Juarez Machado teve colegas que, vários anos depois, tornaram-se alguns dos maiores empresários da história de Joinville – o atual prefeito Udo Döhler foi um deles. Em ao menos um quesito, levava ampla vantagem sobre eles: a criatividade.
Continua depois da publicidade
Artista nato desde criança, ganhava pontos com os professores e até com as mocinhas nos bailes, loucas por um ¿pé de valsa¿. A vocação o levou para longe das fábricas e dos escritórios de Joinville. Só que o mundo dá voltas, e Juarez reencontra gente do business nesta terça-feira e, desta vez, como dono da palavra.
Ele fará a última palestra do dia de abertura da Expogestão e vai falar como talento, determinação e paixão regeram sua vida nas artes. O próprio Juarez mostra-se apreensivo em falar diante de uma plateia de empreendedores. Não imagina como sua experiência possa influenciar homens e mulheres de negócios, gente acostumada a conviver com cifras, advogados, concorrentes e tendências do momento.
Juarez se dedica às tintas, ao belo, à arte como produto que não se desvaloriza, nem sai de moda. Mas não demora para ele encontrar convergências entre sua trajetória (e seu trabalho) e o universo financeiro que o assistirá logo mais à noite. A sua maneira, Juarez foi um empreendedor desde pequeno, fabricando seus próprios brinquedos e arquitetando pipas para vender aos amigos. Eram apenas duas demonstrações de uma personalidade muito consciente de si e do que queria para o futuro, e que encontrou no pai – um caixeiro-viajante apaixonado pelas artes – um grande apoiador.
– Eu nasci artista, queria ser Juarez Machado. Me joguei por inteiro na minha paixão, que era as artes, e rejeitei qualquer outro convite, outra possibilidade. E tinha absoluta certeza do meu talento. Eu sabia o tamanho do meu taco – afirma.
Continua depois da publicidade
Ciente do que tinha para mostrar e determinado a buscar seu sonho, Juarez foi romper fronteiras. Ao chegar em Curitiba para ingressar na Escola de Belas-artes, avistou de longe a cidade e resolveu que ela seria sua. Lá, descobriu a televisão, o teatro e pessoas com os mesmos interesses.
Como já fizera em Joinville – onde até bula de remédio desenhou –, negou-se a perder tempo e aceitou qualquer trabalho ligado às artes, mesmo que não lhe rendesse dinheiro. Só por amizade, por exemplo, desenhou uma linha completa de malas feitas de lona de caminhão (que não deu em nada).
Em compensação, as pequenas experiências construíram uma rede de amizades que acabou sendo determinante quando chegou ao Rio de Janeiro, no final dos anos de 1960. Ao desembarcar do ônibus, já era ¿figurinha carimbada¿, em suas palavras.
Da conquista da Cidade Maravilhosa ao momento atual, como artista valorizado e festejado no Brasil e no exterior, se passaram cinco décadas. Nesse meio tempo, precisou entender o mercado em que atua e aprender macetes que o fizessem, de fato, viver de e para a sua paixão. Por exemplo, não expor em churrascaria, não dar quadro de graça e não acreditar piamente no próprio talento – estudar é imprescindível.
Continua depois da publicidade
Juarez diz isso em tom sério, como quem sabe que não se humilhar é tão importante quanto se reinventar a todo instante.
– Eu tento sempre buscar o novo. Qualquer coisa que me toque, já tento aplicar na minha pintura. Eu procuro temas, coisas que vão me estimular – diz.
É o sinal para Juarez voltar novamente os olhos para o mundo dos negócios. Quadros de grandes artistas são, há muito tempo, um grande investimento, e é sabido que há milhões pregados em paredes de galerias, museus e acervos particulares. Para o joinvilense, a relação entre arte e dinheiro faz parte do jogo. Se um investidor considera um bom negócio comprar uma pintura sua, o artista se sente valorizado.
– Porque não tem medida. Estando o artista vivo, o preço realmente não é muito alto. No que ele morreu, acabou, não vai mais ter produção, é uma coleção. O artista meio sábio não se repete, ele cria períodos, vive fases – explica Juarez sobre os saltos de preços de determinados pintores no pós-morte.
Continua depois da publicidade
“Tenho cinco mil quadros e dez mil desenhos escondidos”, diz Juarez
Às vezes, Juarez Machado se vê como um empresário atrás de negócios vantajosos. Não que ele se considere como tal – detesta vender seu trabalho e entrega a tarefa para marchands. Mas, tal qual um fabricante de automóvel, parafuso ou sapato, ele deseja valorizar seu produto e que alguém o compre e, eventualmente, queira revender.
A diferença é que, ao contrário de seus ¿pares¿, o artista não tem problemas em ver o estoque cada vez mais cheio.
– Eu tenho estocado porque quero ganhar mais no pós-morte. É outro jogo. Tenho cinco mil quadros e dez mil desenhos escondidos. É a fortuna que vou deixar para meus herdeiros. Ele (o empresário) não quer guardar seu produto, que apodrece, sai de moda. O meu tem mais chance de ser eterno; o dele, não – prevê.
No fim, Juarez encontra mais conexões entre seu universo de cores e formas e a frieza dos números do que imaginava. Porém, é possível que o ponto de encontro nuclear entre eles seja: corra atrás, trabalhe e não durma sobre os louros conquistados.
Continua depois da publicidade
– Tem pequeninos jogos que descobri, inventei, e com isso sou extremamente feliz com a minha pintura. Brigo com os marchands, faço exposição, viajo pra caramba, é um p*** trabalho e sei que vai ser para o resto da vida, mas é o que dá muito, muito prazer.
Ampliação do instituto é a “menina dos olhos” do artista
Aos 76 anos, Juarez Machado não faz largas projeções para o futuro. No momento, ele mira uma nova exposição em Paris, previsto para ser inaugurada em outubro, que está bem encaminhada. Será uma mostra dividida em dois temas: o tango e outra que relaciona personagens e cenários parisienses e brasileiros.
No entanto, a ¿menina dos olhos¿ do artista é mesmo o instituto que leva seu nome, em Joinville. Isso porque em novembro está prevista a inauguração da ampliação do prédio, que contará com biblioteca, cafeteria e outra sala de exposições.
Esse segundo pavilhão será dedicado ao próprio Juarez, com uma mostra de obras permanente e outra rotativa, preenchida com títulos de seu acervo.Para o artista, o instituto é o maior legado que deixará para a cultura de Joinville.
Continua depois da publicidade
– Quero me divertir e quero ver os outros se divertirem. Adoro quando chego lá e vejo crianças e gente grande olhando os quadros, apontando, conversando entre si.