Eu assisti ao maravilhoso filme de M. Night Shyamalan, Tempo, duas vezes neste mês, e me peguei pensando nos últimos 18 meses. O quanto crescemos, o quanto nos diminuímos e o quanto guardamos tristeza, rancor ou frustração. Há algo no filme do cineasta indiano que condensa a vida na tela. É uma pretensão que se garante numa narrativa intimista.
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No longa, testemunha-se o primeiro contato com a morte, o primeiro nascimento, o primeiro assassinato, os preconceitos, o racismo e a passagem da juventude para a vida adulta com suas responsabilidades. Tudo dentro de um espaço em que o tempo passa rápido demais.
O diretor está falando, claro, do cinema. É o próprio Shyamalan que interpreta o homem que registra as experiências das pessoas doentes que são condicionadas entre os rochedos da ilha. Ele aponta a forma com a câmera conta a vida. Estamos diante do olhar divino do quadro, da paisagem e do cinema. A vida serve para outro fim – a arte.
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Em uma sessão de cinema, o filme pode ser qualquer um em cartaz, mas a essência da experiência permanece a mesma: a tela imerge o público numa outra realidade, numa história particular, mas que precisa conversar com todas as expectativas. Do lado de fora, no entanto, as histórias nos jogam num terror sem fim.
Os noticiários falam sobre esperança, porém ela parece muito longe. A realidade acabou se tornando um cinema de múltiplos gêneros. As pessoas se aventuram na rua. A ciência parece envolta numa trama de ficção científica. O vírus transmite horror. Os aplicativos providenciam romances. O drama pandêmico parece nunca ter um final feliz. O que sobra aos diretores e aos cinemas? Que tipo de história contar?
Num tempo como o nosso, como viver da arte? Como contá-la? Frank Capra, um dos grandes diretores americanos dos anos 1930, driblava a crise de 29 ao narrar a vida com otimismo. O famigerado sonho americano era apreciado pelas plateias, que correspondiam com bons números de bilheteria e a crítica respondia com prêmios. Os protagonistas de Capra eram pessoas boas. Sonhadores, mas que conquistavam o que precisavam: uma boa vida, com paz, cercada por outras boas pessoas.
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A crise assolava a América. Mas as plateias ainda conseguiam se refugiar imersos entre os filmes. Na Alemanha, o próprio fascismo percebeu o poder da arte e projetou seus anseios em mensagens audiovisuais. O cinema foi se tornando um reflexo imenso de suas respectivas realidades e, igual, do tempo. Uma sala de cinema representava um olhar de fora da sociedade, ainda que falasse sobre ela. Condensava uma vida diferente, uma vida agradável e sem o tumulto do dia a dia. O grande cinema era um lugar de sonhos e de esperança.
O que sobra aos cinemas de 2021? A crise não é mais apenas financeira. O mundo mudou. O streaming trouxe a fuga do dia a dia para dentro de casa, com uma imersão menor e com um tempo mais subjetivo. O cinema de hoje é um momento entre pausas. Pausas curtíssimas. A arte virou TikTok.
Para onde o cinema pode ir? Quais tipos de narrativas construirá e como resgatará a sua essência de mundo de sonhos? Isso é uma resposta que não tenho a pretensão de dar. A história a construirá, no seu próprio tempo.
Veja o trailer de Tempo:
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