O governo de Santa Catarina anunciou na quinta-feira um plano de ajuste fiscal que busca reverter o déficit de quase R$ 3 bilhões nas contas do Estado, apontado pela gestão em fevereiro. O plano envolve revisão de benefícios fiscais, cortes de servidores temporários (ACTs) e estratégias para aumentar a arrecadação de diferentes formas.

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Em entrevista à reportagem do Diário Catarinense após o detalhamento das propostas, o secretário da Fazenda de SC, Cleverson Siewert, falou sobre pontos como o possível impacto da redução de incentivos fiscais para empresas, os reflexos da redução de servidores para diminuição da folha de pagamento e como ficam os repasses do Plano 1000 na sequência do governo. Confira abaixo:

O governo tem um plano de aumentar a receita em mais de R$ 2 bi e reduzir a despesa também em mais de R$ 2 bi, quando no início do governo que vocês falaram que o rombo era de R$ 3 bilhões. O que prevê o plano?

No início do ano, a gente fez uma fotografia, uma leitura, um filme das contas públicas do Estado, e viu claramente que nos últimos três anos tivemos receitas extraordinárias, despesas contratadas de uma forma bastante maior do que aquilo que a gente tinha na média histórica. Isso nos levou a um déficit entre receitas e despesas identificado na ordem de R$ 3 bilhões. Então, para isso, o governador determinou duas ações imediatas. Uma primeira obviamente que com muita coragem, animação, estimular o governo e transformar desafios em oportunidades e, segundo, um plano efetivo, de ajuste fiscal.

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Quando você olha para esse plano, você tem receitas e despesas. São duas frentes totalmente diferentes. Nas receitas, a gente está falando de três medidas objetivas: benefícios fiscais, novas receitas e desburocratização. E na parte das despesas, a gente olha para contratos, folha de pagamento e transferências especiais a municípios. Então, entendo que com esse conjunto de iniciativas, nossa ideia é conseguirmos equacionar o problema existente hoje no Estado e permitir, além disso, que o governo execute aquele plano previamente estabelecido e combinado com a sociedade nas eleições.

No caso de incentivos fiscais, o que basicamente vocês estão prevendo?

São duas ações. Em uma primeira, já existe um grupo formado que nos próximos 120 dias precisa apresentar ao governador, ao grupo gestor de governo, opções de adequação. Buscar os excessos, digamos assim, existentes na nossa renúncia fiscal. E, o governador entendendo esse movimento como positivo, faremos um segundo passo que é chamar o setor produtivo local para entender, em conjunto, se aquela nossa interpretação faz sentido, se pode ser efetivamente trabalhada.

É superimportante deixar registrado aqui que o diálogo em relação a esse tema vai ser fundamental. A gente tem consciência de que benefício fiscal é mapa de competitividade, seja nacional ou internacional, para os nossos empresários. Então, a gente não vai tomar nenhuma decisão que não seja combinada dentro deste contexto.

Outra ação em relação a benefícios fiscais diz respeito às transferências de crédito. Elas subiram muito ao longo dos últimos três anos, na mesma linha do que eu falei, com as receitas extraordinárias vindas. Então, a ideia é voltar ao patamar de 2020 somado à inflação de 2021 e 2022, e com isso limitar um pouco esse processo em 2023.

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Secretário, esse não é exatamente o primeiro governo a mirar nessa questão dos benefícios fiscais ante a necessidade de ajuste de contas. O que existe de diagnóstico, onde seria possível entrar nessa questão dos benefícios, justamente pelo impacto que isso acaba resultando?

Nós não temos isso definido ainda. Esse grupo de seis fiscais que está estudando o tema é que vai trazer para nós, então não existe nenhum tipo de setor, segmento ou lógica pré-estabelecida. A ideia é pegar excessos. A ideia é coibir aquilo que eventualmente já cumpriu o seu papel e que possa ser melhor administrado. Então, eu não consigo dar um detalhamento maior sobre esse tema ainda.

Tem números e prazos que vocês precisam alcançar?

Em fevereiro foi montado o grupo, já. São 120 dias a partir de fevereiro. E a nossa expectativa é que a gente possa trabalhar algo como 5% da receita hoje existente. Essa é a meta estabelecida. Estamos falando em algo em torno de R$ 1 bilhão.

O último ponto deste item são as novas receitas.

Temos novas receitas tributárias e não tributárias. Novas receitas tributárias passam por tecnologia. Então, cada vez mais caminhar para a tecnologia na lógica arrecadatória do Estado. Santa Catarina já é bastante pródiga ao longo dos últimos anos, tem um sistema muito tecnologicamente avançado, mas a gente quer evoluir nesse sentido.

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Já nas receitas não tributárias, temos a ideia de criar uma agência de atração de investimentos. Acho que isso vai fazer com que a gente possa ser ativo no processo de busca de investimentos, e não passivo como nós somos hoje. Além, naturalmente, de utilizarmos das lógicas de PPPs, concessões e financiamentos para os negócios do Estado. E quando eu digo isso, quero dizer que Santa Catarina, no governo Jorginho Mello, é um Estado muito ligado a essa nova sistemática. É um Estado que quer usar os instrumentos legais disponíveis, os marcos legais disponíveis para atração de investimentos para cá.

Não quer dizer que nós somos privatistas, mas somos um Estado que vai utilizar desses mecanismos, assim como fez, por exemplo, o governador Tarcísio de Freitas, no Ministério da infraestrutura, quando era ministro, deixou muitos investimentos contratados para os próximos 10 anos no governo federal, tem aplicado essa mesma sistemática em São Paulo e nós queremos obviamente, fazer isso aqui em Santa Catarina também.

Isso não envolve desestatização ou privatização de empresas?

Não. O governador tem claro isso. Ele tem um compromisso claro com Celesc e Casan, são empresas públicas, tem um compromisso com as estradas estaduais, também serão mantidas por nós, na lógica pública. Mas qualquer outra coisa nesse sentido que puder agregar recursos da iniciativa privada utilizando os marcos regulatórios, as legislações hoje existentes, gostaríamos e pretendemos fazer.

Antes de avançar para as despesas, já que o senhor falou de estradas, tem previsão de aumento de radares também? Multas de trânsito?

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Sim. Dentro das novas receitas, nas receitas tributárias existe um processo na modernização tributária chamada cerca eletrônica. O que é? Hoje, os postos fiscais não existem mais, são postos fiscais volantes. Só que nós temos 62 mil quilômetros de estrada no Estado. Obviamente, não temos gente para atuar nisso. Então, o que precisa fazer? Botar inteligência fiscal nesse processo, e tecnologia. A ideia é instalar 1.625 câmeras ao longo das estradas de Santa Catarina, junto com o sistema e aí, fotografia, imagem das câmeras, mais um sistema que vai cruzar com os documentos fiscais, você tem uma inteligência de fiscalização de trânsito muito maior, muito mais lógica. Essa é a premissa que a gente vai aplicar também nas empresas “noteiras” e nas malhas fiscais, que são dois outros itens do programa.

Falando em privatização, vocês têm isso que o governador prometeu, mas têm outras coisas que vocês podem privatizar. Por exemplo, SCGás, SCPar, Porto de São Francisco…

Olha, hoje o que a gente vê, não existe nenhum movimento para a privatização por parte do governo atual. O governador nunca citou nada em relação a isso. Mas sim, como eu adiantei agora há pouco e falei, utilizar os marcos regulatórios, utilizar as legislações existentes para atração do capital privado. Reforço, nós somos um governo liberal, não um governo privatista. Isso pode ser feito, não quer dizer que amanhã ou depois não possa se mudar de ideia. Mas hoje não tem nenhum tipo de encaminhamento trabalhado nessa linha.

O que está previsto em relação às despesas?

A gente, quando olha para os estados nos últimos 10 anos, vê que tinha uma lógica muito linear de crescimento das despesas de 2013 até 2020. Em 2021 e 2022 as despesas dispararam, fruto desse processo de receitas extraordinárias. Então, a nossa ideia é: a partir de 2023, as receitas não serão as mesmas. Nós vamos ter dificuldade em relação a isso. Temos que voltar para o Estado naquele mesmo padrão, naquele mesmo patamar que a gente tinha. Então, todas as despesas elas têm essa lógica de condão. Sejam os contratos ou seja a folha de pagamento. Voltar o Estado para aquele nível, aquele padrão, aquele patamar que ele tinha até 2020. Essa é a linha de raciocínio.

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Todas as despesas são um Norte, uma meta que nós vamos buscar. Não quer dizer que elas serão cortadas naquele tamanho, porque a gente sabe que ao longo do processo negocial, ao longo da discussão pode haver notícias, informações, dados que não foram levados em consideração em 45 dias de trabalho. Então, nós temos essa linha de raciocínio, temos bom senso, acho que isso é muito importante, para que nós possamos continuar prestando um bom serviço, ou tentarmos melhorar, tentarmos evoluir, prestar o melhor serviço possível dentro de lógicas que sejam absolutamente inteligentes.

Que tipo de restrição, limitação vocês vão fazer? Contratar menos ACTs, por exemplo?

A ideia é exatamente voltar a estrutura do Estado, tanto de efetivos quanto de ACTs, à estrutura que a gente tinha até 2020. E isso significa que, obviamente, uma linha de atuação é junto aos ACTs. Quando a gente pega ACTs, eles aumentaram muito entre 2021 e 2022 nas principais secretarias. Então, tanto saúde, educação, quanto o sistema de administração prisional, se a gente olha os ACTs em 2022 comparado com 2020, estamos falando de R$ 60 milhões por mês a mais. É um volume muito significativo. E que naturalmente pode ser melhor administrado.

Ah, nós vamos cortar tudo isso? Não, não tenho essa expectativa. Mas é uma meta estabelecida. Agora eu tenho certeza que com inteligência, com habilidade, com bom senso, nós podemos administrar isso de uma forma cada vez melhor. E outra, criar também a alocação devida. Porque tem muita gente que foi contratada para área-meio, e nós precisamos de gente na área-fim. Precisamos de gente ajudando o médico, ajudando na porta do presídio, no banho de sol, dentro da sala de aula. Esse é o conceito.

O corte de ACTs está previsto e o governador já falou nesta semana que não pretende fazer concurso este ano, nem novas contratações. O governo não teme uma possível dificuldade nos serviços, com menos pessoas? Ou vocês entendem que há excesso?

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Olha, nós entendemos que há excesso, sim. E a favor dessa minha explicação, dessa minha tese, eu olho o histórico. Santa Catarina sempre foi considerado um Estado de elite no Brasil, com uma linha histórica de funcionários. Aí de repente, em 2021 e 2022, muda drasticamente. Por quê? Quer dizer, vamos voltar para aquela mesma lógica que sempre foi positiva, que sempre funcionou. O Estado não brilhou mais em 2021 e 2022 porque gastou mais, ou porque teve mais recursos. Eu não vi isso. A saúde não melhorou fortemente, a educação não melhorou fortemente, os serviços não foram prestados mais adequadamente. Então não me parece que a lógica seja a quantidade, e sim a qualidade.

Nós temos que trabalhar na forma de trabalho das pessoas, no jeito, na digitalização, na atenção, no cuidado. Eu acho que isso me parece fazer muito mais sentido do que efetivamente a quantidade. Veja, a folha de pagamento do Estado cresceu de uma forma bastante importante ao longo desses últimos dois anos. E eu repito, R$ 700 milhões por ano em 2013 a 2020, R$ 1,5 bilhão em 2021 e R$ 3,5 bilhões em 2022. Logo, eu entendo que os nossos funcionários, que são primorosos e que prestam um ótimo trabalho, estão superestimulados para prestar um serviço bom para a sociedade, né? Ganharam aumentos enormes, então está todo mundo estimulado para prestar um bom serviço. E eu acho que é baseado nisso que a gente quer trabalhar, nesse estímulo, nessa convocação de esforços.

Outra pergunta é sobre os dois programas importantes do governo, um já está em andamento, que é o de cirurgias eletivas para todos e também a Universidade Gratuita. Como ficam os recursos para esses dois programas?

Os dois estão devidamente garantidos, um já acontecendo. Sempre é importante registrar que a Secretaria de Saúde tem 12% do orçamento, constitucionalmente requerido. A pedido do governador Jorginho Mello e por orientação dele, nós chegamos a 14%. Então a secretária Carmem hoje tem um orçamento maior, entendendo a necessidade da saúde, a importância da saúde, entendendo as cirurgias eletivas, e é importante também que os próprios órgãos e poderes constituídos, assim como a bancada federal, também entenderam a importância e colocaram dinheiro no recurso. Então, acho que houve um somatório de esforços aqui para que esse assunto pudesse ser trabalhado.

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E, de outro lado, o Universidade Gratuita também já está devidamente equacionado. Na sexta-feira teremos uma reunião final com o governador, Secretaria da Fazenda, Secretaria de Administração e grupo gestor de governo, para justamente mostrar o equacionamento financeiro, qual é a lógica e também os critérios estabelecidos. Mas o programa está montado e a gente tem certeza que, com base em tudo isso que nós estamos mostrando aqui, teremos o recurso disponível não só esse ano, como nos próximos para fazer acontecer.

Para fechar, como fica a questão do Plano 1000? E a tramitação desse plano, quando será enviado à Alesc?

Não é Plano 1000, aqui falamos das transferências como um todo. O Plano 1000 é uma parte delas. A gente percebeu que temos só de transferência aos municípios para quitar, R$ 3,6 bilhões. A ideia do governador é: aquilo que ainda não começou, não trabalhar nesse momento. Vamos trabalhar com aquilo que já começou, que já teve algum tipo de parcela paga. Não quer dizer que o restante não vá ser trabalhado em algum momento, mas não agora. Então, isso cai para R$ 2,3 bilhões.

Nós separamos isso nas secretarias do Estado e são basicamente quatro grandes blocos: Infraestrutura tem R$ 1,6 bilhão, Fundo Social, na Secretaria da Fazenda, mais ou menos R$ 300 milhões, Saúde, R$ 220 milhões, e nas demais secretarias, R$ 150 milhões. Criamos um cronograma de pagamento para isso. Sobremaneira, os três últimos casos — demais secretarias, saúde e fundo social —, a gente imagina que o equacionamento pode se dar de uma forma mais imediata, talvez até durante este ano. Já a infraestrutura vai levar mais tempo, porque o volume é maior.

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Em relação à execução do plano, Santa Catarina tem pressa. O objetivo é fazer de forma imediata. Tem ações que a partir de 1º de abril já estarão vigindo, outras, por exemplo, dependem da Assembleia. A gente imagina preparar esse pacote durante o mês de abril e no final de abril ou começo de maio poder mostrar para os deputados e dividir com eles um pacote Pafisc, digamos assim, liderado pelo governador Jorginho Mello. E com relação aos cortes, a gente imagina que nos próximos 60 dias nós vamos conseguir estruturar tudo isso, porque estamos falando de revisão de contrato, de uma burocracia envolvida.

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