O promotor de justiça Ricardo Paladino, representante do Ministério Público em Joinville e responsável por denúncia apresentada contra membros de facções criminosas na cidade, comenta a guerra de facções por trás das estatísticas de homicídios na região.

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As ações criminais ocorrem no momento mais crítico da segurança em Joinville. Até onde foi possível avançar?

Temos uma questão geográfica que influencia muito. Somos um grande centro, temos proximidade com o Paraná. O sistema penitenciário em Joinville favoreceu o surgimento do PGC. É natural onde há grandes unidades prisionais que haja grande mobilização no sistema penal e acabe transbordando para as ruas. Em função da proximidade com o Paraná, tivemos também o estabelecimento do PCC. Isto gerou em alguns bairros, como o Cubatão e o Jardim Paraíso, uma guerra muito forte entre essas organizações na disputa pelo tráfico. Houve por muito tempo uma fragilidade, em termos de segurança, porque não tínhamos pessoas necessárias para dar conta das investigações. O Estado tomou algumas medidas que ainda não surtiram efeito, mas a gente espera que aconteça em breve. Criou a Delegacia de Homicídios. Não reduziu homicídios, mas conseguimos mais qualidade nas investigações. Outro aspecto é que, nesses homicídios que envolvem facções, geralmente as pessoas não falam, não temos testemunhas. Hoje vimos uma aproximação dos órgãos de inteligência com o Poder Judiciário e o MP. Isto redundou em dezenas de prisões de integrantes das duas organizações, além de apreensões de drogas, de armas e de bens. Focamos o combate não só na prisão, mas buscando dar duros golpes nas organizações pelo aspecto financeiro.

As articulações ocorrem nos presídios. Se muitos já estão presos, como garantir a punição?

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Eles vivem em permanente conferência, planejando crimes, mobilizando novas pessoas para essas organizações. Ao contrário do que se diz, que a solução seria colocar essas pessoas na rua – muito pelo contrário, nas rua elas causam muito mais danos – o que precisamos é de um tratamento diferenciado para os integrantes de organizações. Absoluto isolamento, sem contato com outros presos. Adoção de regime disciplinar diferenciado. Não podemos deixar acontecer em SC o que vimos nos Estados do Norte e Nordeste.

Há estimativa de quantos presos são faccionados em Joinville?

Se eu falasse em números, incorreria em erro. Até porque eles não se identificam como integrantes de organização criminosa. Sofrem represálias se vierem para a Justiça e relatarem isso. O que posso dizer é que há um número muito significativo de presos integrantes de organizações criminosas.

A ligação dos indivíduos com facções é obscura, não existe um contrato. Como comprovar esse vínculo?

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Muitas vezes o que a gente faz é monitorar a movimentação dessas pessoas. Conseguimos monitorá-los e, com isso, ver o entrosamento entre essas pessoas, o compartilhamento de informações a respeito de crimes, o compartilhamento do produto obtido com os crimes e a colaboração mútua entre eles para a prática de crimes. Emprestando armas, veículos, como forma de fortalecer essas organizações.

Há relação direta entre as ações de facções e os homicídios em Joinville?

Posso assegurar que a grande maioria dos homicídios em Joinville acontece em função de organizações criminosas ou disputa por ponto de tráfico. O crescimento dessas organizações, como vimos nos últimos tempos, permitiu que fora das unidades prisionais se encomendasse crimes, se praticasse uma série de homicídios. Se quiser combater homicídio em Joinville, temos antes de tudo que combater as organizações criminosas.

Que falhas ocorreram para se permitir essa articulação complexa?

Temos uma falha do Estado, que ocorreu por muito tempo, no sistema penal. Diversos compromissos que estabelecem a Lei de Execuções Penais não foram cumpridos, o que permitiu a organização dessas pessoas. Ao longo do tempo se permitiu a quebra de hierarquia e disciplina nas unidades prisionais, o que permitiu que algumas lideranças surgissem e viessem a enfrentar o Estado.

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Dezenas de suspeitos foram denunciados, mas as mortes continuam…

Continuam, isso tem acontecido. Enquanto não houver o combate efetivo a essas organizações, o recrudescimento da punição a suas lideranças, isso vai continuar a acontecer na rua. Temos de aparelhar nosso sistema penitenciário, impedir a entrada de celulares, providenciar revistas rigorosas, evitar que haja tanta droga circulando no sistema prisional, que se mandem lá de dentro recados, ordens. Temos de adotar um critério rigoroso de punição, especialmente em relação às lideranças.