O primeiro discurso do presidente interino Michel Temer foi tão amplo, que não teve o impacto de um momento histórico. Isso porque Temer preferiu apresentar um texto recortado, cheio de recados para todos os setores. Serviu mais como uma carta de apresentação aos brasileiros, que ainda não sabem bem o que esperar de um vice que assume a cadeira da Presidência da República. Faltou o grande anúncio, mas sobraram dicas sobre o que ele pretende e precisa fazer nos próximos dias. O importante foi o clima.

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O primeiro e mais forte recado foi para o Congresso. Rodeado de deputados, em um evento sem qualquer cerimônia, Temer deixou clara a preocupação com as boas relações com o Congresso. Nem poderia ser diferente. Ex-presidente da Câmara, ele sabe como funciona a cabeça dos parlamentares. E sabe que vai precisar do apoio do Congresso para votar medidas amargas e que poderão ajudar a tirar o país da crise.

Ele também se preocupou em responder às acusações do PT. Reafirmou que não vai mexer nos programas sociais e que vai respeitar direitos garantidos. Acalmar os ânimos faz parte deste plano, por mais difícil que seja. Na oposição, o PT vai manter a tensão.

O mais importante foram as declarações na área econômica. Para um setor que vive de expectativas, o novo presidente acena com o combate à inflação, e pontuou a questão da Previdência. Até a Lava-Jato, assunto constrangedor para quem tem tantos colaboradores envolvidos, entrou no texto. Nem poderia ficar de fora.

Os recados já estão dados, Temer precisa passar para a ação. E o grande condutor das medidas será o Ministério da Fazenda, em harmonia com o núcleo duro do Palácio do Planalto. Nesta área, o peemedebista está caprichando, com escolhas que enchem os mercados de esperança. Quanto ao ministério de forma geral, foi pragmático e acabou optando por nomear parlamentares indicados pelos seus partidos. Qual a vantagem? Política. Notável não tem voto dentro do Congresso.

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PSDB VOLTA PARA A ESPLANADA

Para quem chegou a dizer que não queria ministério, o PSDB sai da cerimônia de posse mais do que contemplado. O jovem deputado Bruno Araújo (PE) – famoso pelo voto 342 do impeachment – ficou com a pasta das Cidades, considerada o filé da Esplanada em razão do orçamento robusto. José Serra, que queria a Fazenda, ganhou as Relações Exteriores. Da Secretaria de Justiça de São Paulo, vem o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. O senador Aécio Neves (MG) costurou os acordos, inclusive a posição de Serra na Esplanada.

Sócios na defesa do impeachment da presidente Dilma, PMDB e PSDB não poderiam mesmo ficar descolados. A ideia de apoiar de longe, sem participação direta em cargos, não colou, ainda mais porque José Serra já fazia parte da turma do Jaburu antes mesmo da aprovação do impeachment na Câmara. Os tucanos, portanto, voltam a ser governo pelas mãos do PMDB.

– Mas não vamos nos meter na articulação política, nos detalhes. Tudo tem limite – avisa um integrante da cúpula do partido.

O PSDB, que não foi protagonista do impeachment, ganha tempo e pastas importantes para tentar desenhar um caminho mais sólido até 2018. O grande problema continua sendo o nome. Aécio corre o risco de ser engolido pela Lava-Jato, Serra está na parada e Geraldo Alckmin nunca desistiu. Mas o mais novo aliado, o PMDB, também quer ter candidato nas próximas eleições presidenciais. Quem dá mais?

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RONALDINHO NO TRABALHO

No comando do Ministério do Trabalho, o gaúcho Ronaldo Nogueira vai procurar o ex-ministro Miguel Rossetto em busca de informações sobre os programas em andamento.

Pastor ligado à Assembleia de Deus, o petebista assume sob a pressão de agentes econômicos que defendem uma imediata reforma trabalhista. Dentro do próprio PTB, há parlamentares sustentando que o partido deve liderar mudanças na CLT. Mas sem perdas de direito. Ou, como disse Temer, em seu discurso, sem mexer em direitos adquiridos. Um jogo duríssimo para o deputado conhecido na Câmara pelo apelido de Ronaldinho.

– Sou Ronaldinho, mas não sou bom de bola! – brinca Nogueira, cuja pasta foi centro de disputa entre o PDT e o PT nos últimos anos.

MUDANÇAS NA TRENSURB

Novo ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE) promete mudanças na Trensurb, comandada nos últimos anos pelo PT, com divisão de cargos com outros partidos, como PSD e PP. Humberto Kasper tem os dias contados como diretor-presidente. Pelas próximas duas semanas, Araújo montará sua equipe, responsável por um inventário dos nomeados, programas, recursos e despesas do ministério. Quando finalizar o levantamento, partirá para discussões de mudanças de titulares em áreas e nos projetos em andamento, a exemplo do Minha Casa Minha Vida e dos programas de mobilidade urbana. O metrô de Porto Alegre está no horizonte do ministro, que reconhece as dificuldades financeiras de viabilizar o investimento que não se materializa. Depois de tomar pé do assunto e estudar modelagens para o negócio, Araújo vai chamar o prefeito José Fortunati (PDT) para conversar.

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NÃO VAI TER FOTO

A confusão era tão grande na posse dos ministros de Temer, que fotógrafos gritavam “não vai ter foto” e “senta, senta”. O recado era para os convidados que estavam na frente dos novos ministros e não se cansavam das selfies. O Salão Oeste, que é maior, não foi o escolhido para o evento, organizado pelo cerimonial herdado de Dilma Rousseff.

LÍDERES

Na Câmara, tudo caminha para que a liderança do governo fique com Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas o PSC corre por fora. O certo é que não vai ficar com o PMDB. Os responsáveis pela articulação política apostam na divisão de responsabilidades para que os aliados assumam projetos complicados.

MISSÃO IMPOSSÍVEL

O placar da sessão do impeachment, com 55 votos a favor da admissibilidade do processo, só comprova que o patrimônio político de Dilma derreteu. Só por milagre, ela conseguirá recuperar o apoio necessário no plenário para impedir a aprovação do afastamento definitivo. Os manifestantes que a receberam na saída do Palácio do Planalto carregavam cartazes com a palavra “Voltaremos”.

A despedida do Palácio do Planalto esteve dentro do roteiro, com apenas duas exceções. A Praça dos Três Poderes não lotou e a expressão do ex-presidente Lula estava mais para derrota do que para luta. A presidente, agora afastada, ao menos deixou o recado a quem insiste: não vai renunciar.

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DESCONTRAÇÃO

Aliás, o cerimonial não funcionou. Deputados se misturaram aos ministros na hora de assinar o documento de posse. Papagaios de pirata se multiplicaram e alguns convidados saudavam os ministros com gritos animados. O novo ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM), não escapou:

– Men-don-ça! Men-don-ça!

VAI SONHANDO

O novo pacto federativo e a reforma tributária estão no mesmo balaio. Todo presidente da República promete fazer, mas, quando assume as contas, acaba colocando as propostas no congelador.

GENERAL E SUA MISSÃO

O general Sérgio Etchegoyen, novo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, chega com a missão de mexer em todo o modelo de inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Haverá uma reformulação de alto a baixo. Neste caso, o foro privilegiado será providencial.

A PRESIDENTE AFASTADA, DILMA ROUSSEFF, EMBARCA HOJE PARA PORTO ALEGRE, ONDE PASSARÁ ALGUNS DIAS COM A FAMÍLIA. CHEGA PARA TENTAR CURAR AS FERIDAS E RECARREGARAS BATERIAS.

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UMA MULHER

Para compensar a falta de mulheres na equipe, o governo Temer deverá convidar a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) para ser líder do governo no Senado. Ela já havia figurado na lista de candidatos ao Ministério da Agricultura. Respeitado pelo plenário, o nome de Ana Amélia não enfrenta resistência nas demais bancadas.

FLORES PARA ELA

Apontado por petistas como um dos responsáveis pelo fracasso da articulação política do governo Dilma Rousseff, o ministro Aloizio Mercadante levou flores para a presidente afastada. Ao pé da rampa do Planalto, aguardou a antiga chefe. Poderoso nos tempos de Casa Civil, o economista estava apagado desde outubro, na Educação. Alvo de críticas de Lula, deputados e senadores, Mercadante, com seu estilo durão, nunca transitou com desenvoltura pelo Congresso. É atribuída a ele a paternidade de ideia furada de inflar o PSD, por meio da criação e posterior fusão com o PL, a fim de criar uma alternativa de governabilidade ao PMDB, que se rebelou.

NA MOSCA

Especialista em mapas, o gaúcho Eliseu Padilha acertou o número de votos a favor do impeachment no Senado. Na manhã de quarta-feira, ele afirmou que seriam 55 votos, uma margem confortável. Agora, no comando da Casa Civil, Padilha deixará um pouco os mapas políticos de lado e se dedicará ao funcionamento do governo. Padilha conhece de cor cada vaga da Esplanada e a sua função. Tem a missão de fazer a máquina funcionar.

E OS ESCALÕES?

Começa, agora, a corrida pelos cargos de segundo e terceiro escalões. Com os ministérios definidos, as lideranças dos partidos passam a se engalfinhar pelas vagas nos Estados, que estão sendo deixadas pelo PT e pelo PC do B.

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As filas de negociação vão se descolar do Palácio do Jaburu para o quarto andar do Palácio do Planalto. O ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria-Geral) já tem os levantamentos em mãos, divididos por regiões, em pastas encadernadas. Como a equipe econômica quer a redução de gastos públicos, com teto para despesas, o governo Temer terá que anunciar o corte de cargos em comissão. Será uma segunda etapa de convencimento com as lideranças dos partidos. Em ano de eleições municipais, a fome por cargos costuma ser maior. A lógica das relações políticas continua a mesma. O que houve foi a troca de alguns personagens.