Aprovada no final de 2017, a reforma do ensino médio abre a possibilidade de haver ensino a distância (EaD) na educação básica do Brasil — atualmente possível apenas para o ensino médio profissionalizante. O Conselho Nacional de Educação (CNE), ciente dessa brecha, deu início em 6 de março à discussão que visa à regulamentação para que até 40% das aulas dessa etapa sejam ministradas de forma online. Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), a nova resolução de atualização das Diretrizes Nacionais Curriculares do Ensino Médio prevê 100% de atividades a distância.
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A informações, reveladas pela Folha de S.Paulo nesta terça-feira, foram rebatidas pelo ministro da Educação, Mendonça Filho, ao mesmo jornal no início da tarde. A discussão, contudo, deve avançar em comissões no CNE ao longo dos próximos meses sem data para ser finalizada. Em entrevista ao Diário Catarinense, o presidente do conselho, Eduardo Deschamps, que também é secretário estadual de Educação em Santa Catarina e está em Singapura com o movimento SC Pela Educação e o Instituto Ayrton Senna, comenta o contexto em nível nacional e local. Veja:
De onde surgiu essa discussão?
Não é um documento do MEC [Ministério da Educação], nem do governo federal. Sempre que tem um tema relevante, o Conselho Nacional de Educação (CNE) institui comissões para estudo desse tema. Com a lei do ensino médio que foi aprovada, a gente identificou que 11 documentos do CNE são afetados pela lei. Há normas que deixam de ser validadas por conta da lei. Dentre essas normas, estão as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Nesse caso, o CNE estabelece uma comissão de estudo, que é a comissão de ensino médio, cujo presidente sou eu e o relator é o conselheiro [Rafael] Lucchesi, e tem mais um conjunto de conselheiros que participa desse debate. O conselheiro Lucchesi ficou encarregado de elaborar uma minuta da resolução ajustando as diretrizes à lei 13.415. E ele assim fez. Fez essa minuta consultando uma série de especialistas, conversando com uma série de pessoas e conselheiros, dentre esses conselheiros está o conselheiro Rossiele [Soares da Silva], que é o secretário de educação básica do MEC. É a pessoa do MEC que participou desse processo de construção na condição de conselheiro. Daí para ser uma proposta originária do MEC, não é o caso, nem do governo. É uma proposta que está sendo construída dentro do Conselho Nacional de Educação.
Como isso funcionaria?
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Na verdade, tem todo um debate ainda sendo feito. A comissão do ensino médio analisou o primeiro documento que o conselheiro [Rafael] Lucchesi fez. Dentro desse documento, aparece a proposta de que 40% da carga horária do ensino médio possa ser feita a distância. Porque a lei abriu espaço para ter oferta de ensino a distância no ensino médio, que antes não tinha, só tinha para ensino médio profissionalizante. Então, a gente tem que regulamentar isso. A lei diz que pode, tem que regulamentar. O conselheiro Lucchesi apresentou uma carga horária de 40% entendendo que seria um número inicial para se começar o debate. De que até 40% poderia ser feito a distância. O motivo propriamente dito para ele ter trabalhado com essa lógica eu confesso para ti que no dia a gente ainda não chegou a debater isso a fundo. O que apareceu foi a seguinte: há vários conselheiros que são a favor, outros que são contra, conselheiros que colocaram de que esses 40% poderia ser um número desde que ele não incidisse sobre a parte comum do currículo, que é da base, só na parte flexível. Há ainda conselheiros que entendem que esse tema deveria ser regulamentado por resolução própria, não apenas nas diretrizes curriculares nacionais. Então, a gente está em um processo muito inicial ainda de debate sobre isso. O texto colheu uma série de outras sugestões de conselheiros que não fazem parte da comissão e na próxima reunião, que é dia 9 de abril, a gente vai voltar o texto para avaliar as contribuições que já foram dadas por conselheiros e, inclusive, a definição da realização de uma audiência pública para debater o texto preliminar que está sendo proposto pelo Lucchesi.
De que forma pode ser vantajoso?
É muito prematuro comentar sobre o percentual em si. A lei [13.415] faculta essa possibilidade de EaD, que hoje com os recursos tecnológicos que existem pode ser uma alternativa interessante para complemento de atividades. Pode ser uma alternativa interessante para que você possa ter uma carga horária sendo cumprida pelo estudante em um só período e tendo algumas atividades por EaD em um outro período. No caso do ensino médio noturno, por exemplo, que vai ter que se adaptar a uma carga horária de cinco horas diárias. Então um percentual a distância dessas cinco horas diárias pode ajudar os estudantes a estudar no ensino médio noturno. Há vários pontos que podem ser interessantes. Agora, é preciso tomar cuidado para não precarizar. Não significa dizer que você vai substituir professor, ainda que alguns casos possa ser interessante, como lá no Amazonas, que tem hoje ensino mediado por tecnologia, onde você muitas vezes não consegue levar um professor qualificado até uma escola muito longe, que é numa região ribeirinha. Tem várias questões, e isso traz muito alguns aspectos novos da inovação na educação, que precisam obviamente ser debatidos também.
Como Santa Catarina pode se beneficiar?
A gente já está testando no ensino médio integrado à educação profissional, nas oito escolas que nós estamos com esse novo modelo. Como no caso do ensino integrado à educação profissional já é permitido pelas diretrizes até 20% da carga horária à distância, a gente já está testando uma plataforma onde os estudantes têm uma parte das disciplinas à distância. Em um primeiro momento, em uma primeira avaliação, que a gente tem recebido de retorno, tem sido positivo. Mas a gente está acompanhando. Já acompanhamos ano passado e estamos acompanhando ao longo desse ano o tipo de desempenho que isso traz para o curso. No nosso caso, é um técnico de informática, então tem muito a ver com a tecnologia. E, a partir dessa experiência, a gente vai avaliar se é viável ou não expandir para outros programas e cursos. Agora, a resolução fala em carga horária máxima em EaD. Não significa dizer que você precisa ofertar ou seja obrigado a ofertar em EaD. No caso em SC, a gente está fazendo os testes antes de expandir para outras áreas.
Nem todas as escolas têm infraestrutura de tecnologia e internet adequadas. Esse fator seria um entrave?
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A gente está imaginando que, no EaD, o aluno não necessariamente tenha atividade dentro da unidade escolar. [A ideia é] que ele possa fazer em outra plataforma, em outro espaço, fora da unidade escolar, inclusive em casa. O local onde ele vai cumprir essa atividade de EaD é um local absolutamente aberto. É lógico que, em alguns casos, não. Por isso que a gente faz isso com muito cuidado. Não é algo que possa ser aplicado a qualquer momento, em qualquer estrutura nem em qualquer escola.
Isso não poderia ser um fator que segregaria ainda mais os alunos da rede pública e da rede privada?
Eu acho que, com essa proposta sendo colocada nas diretrizes curriculares nacionais, a gente muito provavelmente vai ter adesão de algumas escolas privadas também ao processo de EaD, que passa a ser uma ferramenta. Sempre tem que ser imaginado como uma ferramenta pedagógica e é óbvio que tem que ter sentido eu ter atividades à distância dentro do desenho que a gente está fazendo para o projeto pedagógico do curso, do programa. No caso, por exemplo, do EMIEP de tecnologia da informação, ele casa com o desenho da proposta pedagógica que a gente tem. Até porque o estudante precisa utilizar recursos tecnológicos na sua formação. Mas nem sempre vai ser o modelo mais recomendado e adequado para determinada escola. Isso tem que estar muito relacionado com o projeto pedagógico da escola e do curso do programa que está sendo ofertado.
Há prazo para esse processo ser finalizado? Qual é a sua expectativa para o que vem na sequência?
Não tem prazo. É óbvio que a gente tem procurado fazer um esforço já ao longo desse ano para poder avançar em uma série de regulamentações que o CNE tem na pauta. Então, por exemplo, como eu tenho 11 documentos para revisar relativos à lei, que afeta o ensino médio, eu vou fazer um esforço para ao longo desse ano poder avançar em relação a isso. E um dos primeiros tópicos da pauta são exatamente as diretrizes. As diretrizes, de certa maneira, tem relação com a Base Nacional Comum Curricular. São dois documentos que conversam depois para a elaboração do currículo. A Base também deve chegar agora no final do mês de abril no CNE e vai ser outro debate que a gente vai ter. Os debates devem correr mais ou menos em paralelo. A própria comissão é quem vai entender qual é o grau de consulta que deve ser feito. Num primeiro momento, a gente pensou que poderia ser um rito mais simplificado porque era apenas adaptação da lei. Como a gente identificou tópicos como esse onde a lei deixa em aberto para posterior regulamentação, aí nós já estamos revisando, inclusive, a estratégia para poder ter um debate um pouco mais aprofundado. Sobre o debate, sobretudo, é sobre a educação brasileira. Vai gerar certamente um debate interessante e acho que faz parte. Se é o melhor modelo ou desenho, esses debates ao longo dos próximos meses vão apontar para a gente se é o caminho que a gente pode seguir. Mas ele certamente é inovador, traz um componente que até agora não estava sendo esperado na educação nacional.
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