A busca por pessoas desaparecidas enfrenta um obstáculo extra em casos envolvendo crianças: com o passar do tempo, as mudanças físicas as tornam diferentes das fotografias fornecidas pelas famílias, itens fundamentais para a investigação. Em Santa Catarina, o serviço de papiloscopia do Instituto Geral de Perícias (IGP) tenta preencher essa lacuna com o processo de envelhecimento digital.

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Em síntese, a progressão de idade, que transforma a face de uma pessoa jovem em mais velha, manipula fotografias através de programas de edição de imagens. Mas o trabalho consiste em muito mais que isso. Responsável pelo serviço no Estado, a papiloscopista Simone Macedo Ramos, do IGP de Lages, explica que é preciso considerar uma série de fatores para chegar a uma projeção final, num trabalho que pode levar dias e até semanas.

— Tudo começa com o contato com os familiares, onde tentamos nos aproximar e captar o estilo de vida que a criança tinha antes do desaparecimento. Também coletamos todo o material possível, tanto da criança quanto de todos os familiares, para que possamos ter informações sobre a herança genética — comenta Simone.

A partir dessa coleta, é realizado um estudo com base no DNA para tentar prever as alterações físicas sofridas pela criança desde que ela desapareceu. Além disso, também são levadas em consideração as modificações decorrentes do envelhecimento natural, como o encolhimento do lábio inferior devido à perda de massa muscular, o aparecimento de rugas de expressão e o aumento das cartilagens do septo-nasal e das orelhas.

— Vai depender da idade que se pretender atingir. Cada faixa etária tem uma linha de envelhecimento. No fim, juntamos todas essas informações e fazemos o trabalho digitalmente com as imagens até se atingir a projeção considerada a ideal — explica a papiloscopista.

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Exemplos de progressão

Segundo a Polícia Civil, 14 crianças eram consideradas desaparecidas em Santa Catarina até a última sexta-feira (9). Entre os casos mais emblemáticos, o da menina Elicéia Silveira, que desapareceu em março de 1995, aos 9 anos, após sair de casa para ir a farmácia, na Capital.

A pedido da Delegacia Especializada em Pessoas Desaparecidas (DPPD) de SC, a papiloscopista Simone Macedo Ramos fez a progressão de idade da menina em 2015, quando ela estaria prestes a completar 30 anos.

— Neste caso, entramos em contato com a mãe da Elicéia e, além das fotos da criança desaparecida, foram solicitadas fotografias atuais da mãe e em idade mais jovem. Também solicitamos fotos do pai e das irmãs.

As imagens

Elicéia Silveira, desaparecida em 7 de março de 1995, em Florianópolis

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progressão Elicéia
(Foto: Instituto Geral de Perícias (IGP) / Divulgação)

No caso de Elicéia, o IGP também disponibilizou a progressão de idade com algumas modificações:

Alexandre Felisberto de Almeida, desaparecido em 22 de agosto de 2004, em Balneário Barra do Sul

progressão Alexandre
(Foto: Instituto Geral de Perícias (IGP) / Divulgação)

– Mikelângelo Alves da Silva, desaparecido em 1º de novembro de 1980, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná

progressão Mikelangelo
(Foto: Instituto Geral de Perícias (IGP) / Divulgação)

– Emili Miranda Anacleto, desaparecida em 21 de maio de 2014, em Jaraguá do Sul

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progressão Emili
(Foto: Instituto Geral de Perícias (IGP) / Divulgação)

Solicitação oficial é o ponto de partida

Simone Macedo Ramos acrescenta que a realização de um trabalho que envolve envelhecimento digital depende da solicitação de um órgão público. Em Santa Catarina, em geral, os pedidos partem do delegado Wanderley Redondo, responsável pela Delegacia Especializada em Pessoas Desaparecidas (DPPD). Mas o setor também recebe pedidos de outros estados.

— Um exemplo disso aconteceu envolvendo uma menina desaparecida no Amazonas (no Norte do Brasil). O estado não contava com esse serviço, então a Delegacia de Parintins nos enviou um ofício pedindo que fizéssemos a progressão de idade dela — conta Simone.

O caso da menina do Amazonas, Khatllynny Pinheiro Ferreira, que desapareceu em 2003, aos 7 anos de idade, pode inclusive se tornar o primeiro em que a progressão de imagem feita em Santa Catarina conseguiu colaborar efetivamente para o encontro de um desaparecido.

— Depois que fizemos o envelhecimento digital, apareceu uma menina que acreditava ser Khatllynny. Recebemos imagens dela e fizemos um trabalho de análises sobre as semelhanças. O nosso relatório apontou grande possibilidade de se tratar da mesma pessoa — relata a papiloscopista, que acrescenta que a solução deste caso aguarda a confirmação do exame de DNA.

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Simone Macedo
A papiloscopista Simone Macedo Ramos, no IGP de Lages (Foto: Arquivo Pessoal)

Estado tem média de 7,2 desaparecidos por dia

Mais de 1.400 pessoas são consideradas desaparecidas em Santa Catarina. Até o último 31 de julho, o número exato era de 1.412 registros. Só neste ano, a média é de 7,2 novos desaparecimentos por dia. São casos envolvendo crianças, adolescentes e adultos de todas as partes do território catarinense, e em alguns deles a busca já atravessa décadas.