Toda quinta-feira dona Sônia Custódio, 38 anos, já sabe: é dia de levar os materiais recicláveis acumulados durante a semana para a frente da casa. Entre o fim da manhã e o início da tarde o caminhão da coleta seletiva passa pela Rua Albino Gulgelmin, no Bairro Barra do Rio. Em sacolas diferentes estão divididas principalmente garrafas de plástico e caixinhas de leite, todas devidamente limpas e prontas para a reutilização.

Continua depois da publicidade

– Eu e minha família sempre separamos o lixo, acho importante. Assim que termina um produto guardo a embalagem dentro de casa e depois deixo para a reciclagem – conta a senhora que vive com o marido e os três filhos.

Essa atividade simples e rápida, de separar o lixo orgânico daquele que pode ser reaproveitado, garante à dona Sônia e a milhares de outros itajaienses um benefício para o bolso. Todos os moradores que assinaram um termo de adesão se comprometendo com a coleta seletiva são hoje isentos de taxas de lixo. Mas isso pode mudar.

O programa da prefeitura de Itajaí, chamado de Tarifa Zero e que foi instituído em 2005, deve acabar em breve na cidade. A Procuradoria Jurídica da prefeitura de Itajaí encaminhou ontem para a Câmara de Vereadores um pedido para extinguir o projeto. A medida atende recomendação do Ministério Público, após análise do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC).

Segundo este estudo, apesar de grande parte da população ter aderido ao Tarifa Zero, na prática poucas pessoas fazem a coleta seletiva. Mesmo assim a prefeitura continua arcando com a isenção do serviço, o que conforme o Ministério Público pode implicar na responsabilização do prefeito por improbidade administrativa. Com a pequena quantidade de materiais reciclados, a isenção de cobrança não se justifica no município.

Continua depois da publicidade

– Esse processo tramitava no TCE desde 2006, apurando a legalidade do projeto. Tanto o Tribunal quanto o Ministério Público nos recomendaram que revogássemos a isenção, porque ela caracteriza, de certa forma, renúncia de receita. Não era a vontade do governo acabar com o benefício, mas estamos cumprindo a determinação da Justiça. E não há recurso, essa é uma decisão final – explica o procurador-chefe de Itajaí, Ricardo Inácio Bittencourt.

Embora pega de surpresa com a novidade, dona Sônia garante que a tarifa não será empecilho para que ela continue se preocupando com o meio ambiente. Ela começou a separar os materiais antes do programa da prefeitura ser implantado e pretende continuar o trabalho, com ou sem incentivo financeiro do poder público.

– Se precisar pagar de novo, vamos pagar. Tanta coisa já é cobrada, vai ser mais um serviço – declara.

Apesar da extinção do programa Tarifa Zero, a prefeitura de Itajaí vai manter o serviço de coleta seletiva, transporte e destinação para reciclagem de materiais domésticos sólidos.

Continua depois da publicidade

Continuidade

Após aprovação na Câmara de Vereadores, o próximo passo para que a cobrança da taxa volte a ser feita são as conversas entre prefeitura e a empresa responsável pela coleta, a Ambiental. Depois destes encontros o prefeito Jandir Bellini vai baixar um decreto estabelecendo regras, condições e valores das cobranças. Segundo Bittencourt, o valor ainda não foi definido.

– A cobrança começa a valer em 2013 e, se possível e com base em estudos, vamos inclusive reduzir o valor antigo – adianta.

Ainda falta conscientização

Marinalva Dutra da Silva, 35 anos, é proprietária de um comércio de utensílios plásticos – entre eles as já tradicionais lixeiras coloridas que identificam as diferentes destinações do lixo. A comerciante, que faz reciclagem por conta própria de materiais que são reutilizados na loja, comenta que a procura pelos cestos tem aumentado nos últimos anos. Fabricando e vendendo produtos reciclados, ela lamenta que, no panorama geral, a situação seja diferente no município.

– Se realmente vão voltar a cobrar a taxa do lixo, os bons cidadãos vão pagar pelos maus – lamenta.

Continua depois da publicidade

Segundo o secretário de Obras de Itajaí, Tarcizio Zanelatto, quase 100% da população adere ao projeto de reciclagem – que é oferecido anualmente no momento em que o contribuinte busca o carnê do IPTU. O balanço final, porém, aponta que somente 5% do lixo da cidade seja reaproveitado.

Para Zanelatto o problema é a dificuldade em controlar quem realmente recicla e quem assume o compromisso apenas para garantir a isenção da taxa.

– Não tem como fiscalizar, não existe como comprovar se cada pessoa recicla ou não, em cada residência de Itajaí – afirma.

É preciso foco na educação ambiental

Diante da pouca participação popular no projeto de reciclagem, o especialista em Análise e Educação Ambiental José Matarezi destaca dois fatores determinantes para esta situação: a falta de consciência das pessoas e também de iniciativas educacionais da prefeitura – este segundo ainda mais decisivo.

Continua depois da publicidade

Ele considera que é preciso oferecer, além de incentivos econômicos, outros tipos de motivações que envolvam a comunidade.

– A população, sozinha, não vai fazer nada. Ela precisa ser educada para isso. Há grande responsabilidade do poder público porque ele que deve pensar o todo da cidade, o desenvolvimento sustentável do município – avalia.

Matarezi aponta que existem falhas no projeto da coleta seletiva, no sentido de educação ambiental e mobilização comunitária. O resultado disso é lixo mal separado e contaminado com matéria orgânica, dificultando também o trabalho da Cooperativa de Coletores de Materiais Recicláveis da Foz do Rio Itajaí (Cooperfoz), que recebe os materiais para reciclagem.

– Até hoje não vi uma campanha mais agressiva, uma iniciativa que envolva mídia de massa por exemplo. Existem técnicas para melhorar os índices de reciclagem, mas é preciso investir em programas de educação ambiental – ressalta.

Continua depois da publicidade

A prefeitura de Itajaí afirma que é feito um trabalho de conscientização na cidade, principalmente nas escolas, e que há incentivo às cooperativas de materiais recicláveis. Em 2013 os programas atuais serão aprimorados e novas atividades serão propostas. Entre elas a possibilidade de um novo benefício relativo às tarifas, que ainda será estudado.

– Este ano foi atípico por questões da lei eleitoral, responsabilidade fiscal, mas já existem diversas diretrizes com a finalidade da conscientização ambiental. Para o ano que vem com certeza essas propostas serão colocadas em prática – diz o procurador-chefe Ricardo Inácio Bittencourt.