Primeiro foi o susto, depois o alívio e, então, a vontade de ajudar outras pessoas. Foi assim que o tatuador Ivo Miguel Buss, 29 anos, de Brusque, começou uma rede de solidariedade para proporcionar mais qualidade de vida para mulheres vítimas do câncer de mama. Desde novembro, quando fez o primeiro desenho, ele já cobriu cicatrizes e reconstituiu mamilos de pelo menos 30 mulheres, sempre de graça.

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O susto aconteceu quando a esposa de Ivo, Ana Claudia de Souza Buss, 25 anos, foi diagnosticada com um tumor no útero em 2016. O casal – que tem dois filhos pequenos, de um ano e meio e três anos de idade – investiu todas as forças, e dinheiro, para os exames e o tratamento.

– O baque foi muito grande, mas como estava bem no início e não era maligno, não precisou de cirurgia, consegui fazer o tratamento só com os remédios, mas na verdade eu só pensava no que podia acontecer, como que iam ficar os nossos filhos _ conta Ana.

Passada tensão e aliviados com a possibilidade de tratamento pouco invasivo e de cura, o casal começou a pensar no que poderia fazer por outras mulheres que passaram pelo mesmo diagnóstico mas não tiveram a mesma sorte de Ana, e foi aí que veio a ideia de oferecer as tatuagens.

Encaixes na agenda e orientação médica

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Como o trabalho é voluntário, Ivo tenta agendar as sessões durante os horários livres do trabalho. A maioria é feita no domingo de manhã, mas quando tem um “buraco” na agenda o tatuador procura encaixar os atendimentos. Os desenhos são todos personalizados, já que a tatuagem depende do desejo de cada mulher e também de outros fatores, como o tamanho da cicatriz ou o tempo que já se passou desde a cirurgia:

– Cada caso é diferente. Quando a mulher é mais jovem, geralmente ela já reconstituiu a mama e quer redesenhar o mamilo, já as mais velhas preferem os desenhos, então a gente faz de acordo com o que elas querem e o que é possível fazer. Tem casos em que a mulher já passou por várias cirurgias, porque curou um tumor e depois a doença voltou, então varia bastante entre cada uma.

Foi o caso da funcionária pública Patrícia de Freitas, 46 anos, tatuada por Ivo há cerca de uma semana. Ela mora em São José e foi até Brusque exclusivamente para cobrir a cicatriz que restou do tratamento para curar um câncer de mama descoberto em 2011. Na primeira cirurgia o seio esquerdo foi totalmente retirado. Após todas as sessões de quimio e radioterapia e a a liberação médica – cerca de um ano e meio -, ela fez reconstrução da mama, mas a prótese foi rejeitada pelo organismo. Mais um ano e meio depois, ela pôde fazer outra cirurgia, que deu certo, mas a deixou com uma cicatriz que começa nas costas e vai até o seio reconstruído:

– Eu me curei, mas sempre achava que não tinha ficado legal, a minha autoestima ficou muito afetada, a gente fica baqueada mesmo, e como eu sempre tive esse pensamento de tatuar acabou dando tudo certo.

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A tatuagem deu um novo significado para a marca no copo, conta Patrícia, ressaltando que foi como um ponto final no tratamento. Além de se sentir feliz com o desenho, ela se emociona ao falar da atenção dedicada pelo tatuador às mulheres que o procuram.

– Ele ficou seis horas comigo, quase morremos, eu e ele! É uma dor intensa, mas eu adorei e ele é muito tranquilo, um menino bom que está ajudando muita gente. O mais bonito foi que ele abraçou a causa da mulher e se dedica tanto que é uma coisa gratificante fazer parte disso – diz, sem conter a emoção.

Antes de se dedicar às mulheres vítimas de câncer, Ivo buscou orientações com médicos e outros profissionais da área para entender as possíveis reações da tatuagem no organismo das clientes e, também, poder orientá-las sobre a melhor maneira de fazer o desenho. Além disso, se aprimorou na técnica para redesenhar o mamilo e proporcionar um resultado próximo da realidade.

A funcionária pública Patrícia de Freitas mostra o resultado da tatuagem que corbiu a cicatriz das cirurgias (Foto: Patrick Rodrigues).

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Parcerias e muitas avós

O trabalho já rendeu algumas parcerias. Um dos fornecedores de Ivo doou parte dos equipamentos que são descartáveis para que ele pudesse usar nas tatuagens e diminuísse o custo. Só de material, o tatuador diz que gasta cerca de R$ 280 em cada sessão e que, se fosse cobrar, os valores para alguns trabalhos seriam a partir de R$ 900.

Assim como a faixa etária das mulheres atingidas pela doença, as clientes de Ivo não têm uma média de idade específica e variam de 30 a 75 anos, sendo que 80% têm mais de 50 anos. E, para muitas delas, a cobertura da cicatriz é a porta de entrada para o mundo das tatuagens. Além disso, cada uma se torna uma nova amiga ou, como diz o tatuador, uma avó:

– Agora eu tenho um monte de avós novas. Elas acabam ficando muito próximas, então ligam, vêm aqui para conversar, querem atenção… E, na verdade, a gente se sente muito feliz sempre que termina uma tatuagem dessa. É muito legal saber que você está fazendo a diferença na vida de alguém que nem conhecia, que está mudando para melhor essa vida. A gente é muito feliz com isso!

Repercussão nacional

O trabalho de Ivo Buss já foi notícia em alguns veículos de comunicação, o que fez o tatuador conhecido em muitos lugares do país. As clientes, portanto, vêm dos mais diferentes estados. Mesmo a maioria sendo catarinense, ele conta que já tatuou até mineiras e cariocas.

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– É muito legal, mas também é complicado, porque às vezes são pessoas que não têm tantas condições e, apesar de eu dar a tatuagem de graça, se ela vem de muito longe acaba gastando com viagem, hospedagem, não tem como não ter esse gasto _ reflete.

O ideal seria, na visão do tatuador, que houvesse ao menos um profissional em cada estado disposto a doar um pouco do seu trabalho, facilitando o acesso para as vítimas do câncer que querem mudar a aparência da cicatriz deixada pela doença, mas que não têm condições de arcar com os custos.

É contando com a notoriedade do trabalho que Ivo e a esposa Ana Claudia Buss aceitaram participar do programa Amor & Sexo, apresentado por Fernanda Lima, que vai ao ar hoje à noite na RBS TV. O casal vai apresentar o trabalho acompanhado de uma das clientes mais fieis, Maria Gevaerd, de 61 anos, que após ganhar a tatuagem para cobrir a cicatriz se tornou amiga e divulgadora do trabalho.