Os movimentos são um meio para se garantir o acesso aos serviços de qualidade na saúde, educação, transporte. É o que defende o ex-líder do Movimento Passe Livre de Florianópolis, Marcelo Pomar. Em entrevista ao Diário Catarinense, o historiador – que participou das ações na Capital quando houve o aumento da tarifa em 2004 – faz uma avaliação das manifestações no país e um balanço das mudanças trazidas pelos movimentos em Santa Catarina.
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Diário Catarinense – Qual é a sua avaliação das manifestações nos últimos dias pelo país?
Marcelo Pomar – Não é possível saber o saldo político das manifestações. Ainda estamos vivendo a quarta principal onda de manifestações de massa dos últimos 30 anos. A primeira foi no final dos anos de 1970 e 1980, com o sindicalismo no ABC paulista e a construção do Partido dos Trabalhadores e da Central Única de Trabalhadores; a segunda foi em 1984, com o fim do regime militar e as “Diretas Já”; e em 1992, com o impeachment do Collor. Essa onda de manifestações de agora têm saldos importantes.
Mas talvez a principal dificuldade seja a dimensão exata do ponto de vista histórico do que isso vai representar. Há um processo aberto de disputa política dos rumos do movimento, de incluir pautas. Na semana passada, houve a repressão da polícia, a comoção nacional e o movimento cresceu. Há uma disputa do que se pretende construir de bandeiras por essa dimensão.
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Não é um movimento anti-Dilma e nem contra a corrupção. É pelas melhores condições de vida nas cidades, onde vivem 85% das pessoas, pela redução de tarifas. Vemos setores da mídia em que há dias éramos marginais e agora passamos a ser jovens que vamos redimir o Brasil. Há uma disputa pelo movimento.
DC – Qual é o centro das manifestações?
Pomar – É a luta por melhorias das condições de vida e do transporte coletivo nas cidades. Se fala em democratizar as conquistas das cidades – educação, acesso aos hospitais, a emprego formal – e isso foi deixado de lado por muito tempo. O principal saldo das manifestações é esse outro olhar sobre as políticas públicas.
DC – O que você considera que tenha sido o estopim das manifestações
Pomar – O aumento seguido da tarifa de ônibus, acima do índice inflacionário do país, e a repressão brutal da Polícia Militar em São Paulo que comoveu o país fizeram com que as manifestações tomassem maior proporção.
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DC – Você participou do movimento Passe Livre em Florianópolis, em 2004. Qual é a principal diferença do movimento daquela época e o de agora?
Pomar – É a dimensão. Esse de agora chegou aos grandes centros do país. O Passe Livre em Florianópolis também teve repercussão internacional, mas não nessa dimensão. Por conta dessa dimensão, há a entrada de setores que não tinham a ver com o Passe Livre na época, como a mídia e grupos de direita. É uma tentativa de absorver a política das manifestações. Se não se pode barrar, que se tente manobrar o leito do rio, a essência das manifestações.
DC – Com o Passe Livre, Florianópolis incentivou outras manifestações pelo país na época. Mas o que houve de mudança após o movimento?
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Pomar – Ajudamos a pautar discussões, trouxemos o personagem do usuário de transportes. Nunca mais se aumentaram as tarifas de ônibus na cidade sem preocupação. Houve ações pontuais, em 2004 e 2005, quando se barrou o aumento das tarifas; tínhamos o transporte coletivo mais caro do país e conseguimos reduzir um pouco isso. Mas continua a concessão no transporte, os usuários pagam por um transporte ruim, caro, mesmo sendo os que mais contribuem com o trânsito na cidade.
É necessário e fundamental que a prefeitura não reproduza a lógica de concessão e isso tem que ser organizado pelo poder público. Senão, estamos fadados a ter greve, quebra-quebra. A contribuição do Passe Livre foi pautar o tema, expor a fratura. É necessário vontade política e gestores com compromisso público.
DC – Você acha, então, que os movimento sociais são um caminho para a mudança no país?
Pomar – Sim e talvez até seja a única ou uma das únicas formas de mudança. Não fossem eles, talvez ainda estivéssemos na ditadura. Não tenho dúvidas de que o processo político anda com os movimentos sociais.
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