A safra da tainha começou há pouco mais de um mês, mas uma característica dos cardumes capturados nas primeiras semanas já chamou a atenção de pescadores e apreciadores. Alguns peixes estão maiores, chegando a até cinco quilos, mais do que o dobro dos pescados habitualmente encontrados no Estado, que ficam entre 1,5 quilo e 2 quilos na região de Florianópolis, por exemplo.
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Uma foto compartilhada nesta semana mostra uma tainha de quase 7 quilos, pescada na Praia do Camacho, em Jaguaruna, no Sul do Estado. A descoberta faz alguns pescadores defenderem a tese de que esses peixes maiores seriam tainhas do Uruguai ou da Argentina, que por virem de mais longe seriam mais velhas e teriam tido mais tempo para se desenvolver.
O doutor em Aquicultura Caio Magnotti, supervisor do laboratório de Piscicultura Marinha da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), confirma que algumas tainhas capturadas na temporada deste ano, de fato, estão maiores. Na avaliação dele, há duas possíveis explicações para o caso.
A primeira delas seria o impacto das fortes chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul, e que também foram registradas na Argentina e no Uruguai. A costa gaúcha e os países vizinhos são os locais de onde costumam vir as tainhas que entre maio e julho vêm até as águas mais quentes do litoral catarinense para se reproduzir.
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Segundo o especialista, as fortes chuvas e alagamentos que fizeram transbordar rios no RS e nos países vizinhos provocaram uma mudança grande e abrupta no ambiente em que os peixes viviam. Isso pode ter “empurrado” um volume maior de peixes para o mar aberto e poderia explicar tanto a existência de peixes maiores quanto as grandes quantidades de tainha, registradas nos lanços das últimas semanas em praias de SC. Essa hipótese lança a possibilidade, inclusive, de reflexos nas safras dos próximos anos, caso tenha ocorrido uma possível redução nos estoques das tainhas nesses locais de origem.
— Do dia para a noite, a água ficou totalmente doce. Era transparente, límpida, inverteu completamente porque veio muito sedimento, terra, barro, areia, esgoto doméstico, fora o volume de água. A saída de maré era extremamente forte, tudo que estava na região era levado à força para o mar — explica o doutor em Aquicultura.
A outra possível explicação para o fenômeno das tainhas maiores capturadas em SC é um impacto das cotas de pesca, instituídas em 2018.
A limitação de quantidades de captura de tainha para a pesca industrial e artesanal com embarcações que usam rede de emalhe anilhado poderia ter preservado uma quantidade maior de tainhas, que puderam voltar a seus locais de origem e retornar ao Estado mais desenvolvidas — e maiores. Os cardumes nascidos nos anos da pandemia, em 2020 e 2021 (período em que houve menos pesca) e que agora com três a quatro anos de vida estariam na fase ideal de reprodução, também poderiam ter reflexo nesta hipótese.
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— A cota é feita para isso, para que ela possa desovar várias vezes, e teoricamente você possa ter um número maior e também peixes maiores — explica.
Fotos mostram captura de tainhas em Bombinhas
De onde vêm as tainhas
O professor explica que a espécie de tainha que é encontrada no Sul vem da Argentina, do Uruguai, da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, e de vários rios e riachos que existem na região costeira, inclusive no litoral de SC.
— Eles passam a vida nesses estuários, rios e baías. Quando está chegando a época de desova ele passa um período de alguns meses no mar e, de acordo com os ventos e a maré, que no inverno é predominante Sul, vai do Sul para o Norte, vêm seguindo a maré fugindo do frio — pontua.
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Magnotti confirma que em outras temporadas o habitual é ver as tainhas maiores serem capturadas na costa de SC mais no final da safra.
— Normalmente os peixes maiores passam [pelo Estado] no meio de junho, final de junho, começo de julho, porque são peixes que teoricamente vêm de mais longe, da Argentina… Então, a gente tem essa diferença dos “lotes” de peixe. E agora não, agora parece que veio tudo junto, peixe muito grande, muito peixe junto. Temos que observar se isso vai acontecer nos próximos meses, e depois nos próximos anos — aponta.
Fluxo de tainhas no Sul
O subsecretário de Pesca, Maricultura e Agricultura de Florianópolis, Laurentino Benedito Neves, defende que as tainhas maiores são, de fato, originárias de Uruguai e Argentina. Segundo ele, por não serem tão visadas pela pesca nessas regiões quanto na costa do Rio Grande do Sul, as espécies desses locais alcançariam tamanhos maiores por conseguir viver mais de três ou quatro ciclos.
— Esse peixe do Uruguai e da Argentina sempre veio para desova no Norte. O que aconteceu esse ano? Normalmente, eles entram na Lagoa dos Patos (maior laguna da América do Sul, no Rio Grande do Sul) e se misturam com os peixes menores locais. Então, chegavam aqui cardumes com peixes menores e maiores. Esse ano, como tinha muita vazão de água, eles não conseguiram entrar na lagoa e passaram direto para a nossa região, então tivemos cardumes inteiros só com peixes maiores, o que chamou a atenção — argumenta.
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No preço do pescado, no entanto, o tamanho das tainhas não tem provocado reflexo na atual safra.
Laurentino afirma que os peixes de maior pesagem continuam a ser capturados nos lanços mais recentes, e que isso deve continuar acontecendo pelo menos durante o mês de junho. A dúvida, no entanto, é se as mudanças desse ano podem causar reflexos nas safras de tainha dos próximos anos.
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