Com a chegada de Rua Cloverfield, 10nos cinemas, suscitou-se novamente um debate a respeito de gêneros. Afinal, suspense e terror são a mesma coisa? Como determinado filme pode ser encaixado no gênero ou não? A razão tem a ver com o discurso ou com uma série de fórmulas?
Continua depois da publicidade
Leia as colunas anteriores de Andrey Lehnemann
Veja lista com os 30 melhores filmes de terror dos últimos 15 anos
James Naremore dizia que gênero é o processo, não o processo que o faz. A longo prazo, o fundamento do professor estabeleceu que um filme com sustos não necessariamente seria um terror. Da mesma forma, um drama poderia se encaixar no gênero, por criar uma filiação homogênea clara com o discurso.
O terror, claro, atualizou-se com o passar do tempo. Os primeiros filmes causavam o choque pela novidade, a estranheza dos planos e a curiosidade do mórbido. A unanimidade dos teóricos está nos contextos. E na psicanálise. Durante o passeio por listas que fazemos nos finais de ano, é comum o espectador comentar que aquele filme não é de terror. É suspense. Mas qual seria a diferença, afinal?
Continua depois da publicidade
Na verdade, a palavra suspense provém de suspensão da descrença. Você passa a ficar tenso e incerto sobre o que acontecerá a ponto de esquecer que está assistindo a um filme. Hitchcock tinha um pensamento interessantíssimo sobre uma bomba debaixo da mesa, para designar o suspense. Ele dizia: “Suponhamos que há uma bomba debaixo dessa mesa. Nada acontece, e, então, de repente, ‘Boom!’, há uma explosão. O público fica surpreso, mas antes dessa surpresa, foi uma cena absolutamente comum, sem nenhuma consequência especial. Agora, uma situação de suspense. Há uma bomba debaixo da mesa e o público sabe disso, provavelmente por que viram o anarquista que a colocou. O público está consciente de que a bomba vai explodir à uma hora e há um relógio na sala. Ele está participando da cena. A audiência quer avisar os personagens: ‘Vocês não deviam estar falando sobre esses assuntos triviais. Há uma bomba embaixo da mesa e está prestes a explodir'”. Isso é suspense.
Se pegarmos a comparação de Hitchcock, que foi tido como o mestre do suspense, pois sempre estava inclinado a mostrar o máximo ao espectador, sem que deixasse de o surpreender no caminho, temos a maior comparação de gênero entre horror e suspense: ambos não se anulam. Na mesma linha, Umberto Eco raciocinava que toda obra de ficção é preenchida com sinais de suspense, independente do gênero que reside.
Mas por que falamos sobre filmes de suspense? No Brasil, uma separação de subgêneros ajudou a popularizar essa diferenciação que, por princípio, estaria errada. Não há filmes de suspense, mas com. A tentativa de difundir o suspense como um gênero teve início em distribuidoras que, preocupadas em não conseguir arrecadar o suficiente com filmes que seriam taxados como terror, preferiram dar um novo nome para os thrillers, que passaram a ser um subgênero de sucesso nos EUA. Com a proposta, Silêncio dos Inocentes, Quarto do Pânico e outros filmes puderam ter números expressivos sem se preocupar com uma propaganda negativa sobre gênero.
No Netflix
Continuando nesse paralelo entre suspense/terror, a dica da semana no Netflix é Triângulo do Medo. Um filme do excelente Christopher Smith (de Morte Negra, também disponível) que reproduz na narrativa uma simbiose entre terror e ficção. A princípio, a história parece ser uma simples “personagem fugindo de um assassino encapuzado, dentro de um navio”; a longo prazo, a percepção é muito mais simbólica e fascinante, quando divagamos sobre ruptura do ser, existencialismo, renegação ao divino e à morte. Obra-prima.
Continua depois da publicidade