Um ano após a tragédia que terminou com a morte de três bebês e duas professoras em Saudades, no Oeste de Santa Catarina, o processo que apura a conduta do autor segue suspenso. O motivo é o julgamento de um recurso, apresentado pela defesa do réu, a respeito da sanidade mental dele na época dos fatos. 

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Ao fim das investigações, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) denunciou o autor, que tinha 18 anos na época, por cinco homicídios e 14 tentativas de homicídios, todos triplicamente qualificados, em maio de 2021. Desde então, o processo tramita na Vara Única de Pinhalzinho, cidade vizinha a Saudades. 

Porém, em março deste ano, a ação foi suspensa até que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) julgue um recurso apresentado pela defesa do acusado. O documento contesta o laudo pericial sobre a sanidade mental do réu e pede que a situação não seja levada para apreciação dos jurados. 

Ao todo, três laudos a respeito da sanidade mental já foram realizados. O primeiro, apresentado pela defesa e realizado por psiquiatra de São Paulo, chegou a conclusão que o jovem sofre de “esquizofrenia paranóide em comorbidade com dependência de jogo pela internet”. Isso faria com que o jovem se tornasse inimputável, ou seja, não poderia ser julgado pela conduta. 

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Entretanto o MPSC apresentou outro laudo que diz que o homem tem “síndrome deficitária (possível retardo mental leve) atrelada a um transtorno de personalidade”, o que garantiria que ele fosse levado a julgamento. 

Por fim, o laudo pericial oficial, feito pela Polícia Científica, concluiu que o acusado tem transtorno psicótico denominado “esquizofrenia do tipo indiferenciada”, mas que ele não possuía os sintomas na época do crime. Por conta disso, teria capacidade de entendimento dos crimes quando os cometeu e, por isso, deveria cumprir pena comum. 

De acordo com o TJSC, ainda não há prazo de quando o novo recurso será julgado. 

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Pena pode ser convertida em medida de segurança 

Segundo o doutor em Ciência Jurídica e professor no curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) Alceu de Oliveira Pinto Junior, a insanidade mental é um dos motivos que faz com que a pessoa seja apontada como inimputável, ou seja, não pode receber pena pelo crime que cometeu. 

A medida está prevista, inclusive, no artigo 26 do Código Penal: 

“É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”

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A comprovação da insanidade mental se faz através de perícia. Caso comprovada, o processo continua e pode resultar em medida de segurança, mas não em pena de prisão. Essa medida pode ser uma internação ou tratamento ambulatorial. Também existe um meio termo, que é quando a pessoa não entendia completamente o caráter ilícito. Neste caso, pode ter uma redução de pena — explica. 

Pinto Junior diz, ainda, que, se no caso de Saudades ficar comprovada que a insanidade veio após os fatos, a pena que ele tiver também poderá ser substituída por uma medida de segurança. 

Ainda de acordo com o professor Fabiano Oldoni, também da Univali, nesses casos, não há nem a condenação ou absolvição do acusado. 

— Dependendo do grau de insanidade e do crime praticado, ele será “tratado” ou em tratamento ambulatorial, em casos menos graves, ou internado em um hospital psiquiátrico — complementa. 

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O prazo mínimo para a aplicação da medida é de um a três anos, conforme estabelecido pelo juiz. Após esse período, o acusado passa por nova avalição. Caso ele continuar com o quadro de insanidade, o tratamento é renovado por mais um ano e, assim, sucessivamente. 

Não há prazo máximo de duração. Mas, como a Constituição Federal determina que no Brasil não há pena perpétua e que a prisão não pode passar de 30 anos, a mesma regra vale para a medida de segurança. 

— Se ficar constatada através de perícia médica que ocorreu a cessação da periculosidade, o juiz deverá determinar a desinternação condicional do interno. A desinternação será condicional pelo prazo de um ano e se nesse período ele não praticar fato que indique ainda existir a periculosidade, a medida de segurança se encerra e ele volta a ser um cidadão comum e livre — finaliza Oldoni. 

O Diário Catarinense tentou contato com o advogado de defesa do acusado, Demetryus Eugenio Grapiglia, que disse que não daria entrevistas por telefone. No vídeo mais recente dele, publicado nas redes sociais, afirmou que o júri não tem condições de discorrer sobre questões técnicas e que a insanidade do réu deve ser “esclarecida em uma nova perícia”.

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Relembre o caso 

O crime ocorreu em 4 de maio de 2021. Um jovem de 18 anos entrou na creche Pró-Infância Aquarela, em Saudades, armado com uma adaga. Ele invadiu uma sala onde as crianças dormiam e desferiu golpes contra uma professora, uma agente educacional e quatro crianças. Apenas um bebê de um ano e oito meses sobreviveu.

Já Sarah Luiza Mahle Sehn, de um ano e sete meses, Murilo Massing, de um ano e nove meses, Anna Bela Fernandes de Barros, de um ano e oito meses, Mirla Amanda Renner Costa, de 20 anos, e Keli Adriane Aniecevski, de 30 anos, não resistiram aos ferimentos. 

O homem foi preso em flagrante no dia do crime. Durante as investigações, policiais encontraram indícios de inspiração em outros ataques a escolas, como os massacres de Suzano, em São Paulo, e o de Columbine, nos Estados Unidos. Ele segue detido em um hospital psiquiátrico, enquanto o processo está suspenso.

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