Em mais um dia de constrangimento para o governo, as suspeitas de irregularidades na compra de uma refinaria nos Estados Unidos pela Petrobras reforçaram a estratégia da oposição para criar uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) sobre a maior estatal brasileira. Depois de uma reunião do conselho de administração realizada nesta sexta-feira, Nestor Cerveró, o diretor mais ligado ao contrato de aquisição, foi demitido da BR Distribuidora, braço da companhia que opera no mercado de combustíveis. Outro ex-diretor da Petrobras diretamente vinculado ao negócio Paulo Roberto Costa, preso na quinta-feira, teve pedido de habeas corpus negado pelo Tribunal Regional Federal da 4ªRegião, no Rio Grande do Sul.
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Liderados pelo provável candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB), partidos de oposição pretendem definir na próxima terça-feira o caminho para o pedido de uma CPI da Petrobras para aprofundar as investigações sobre a aquisição de uma refinaria em Pasadena, no Texas (EUA), pela estatal, que desembolsou US$ 1,18 bilhão na operação. A belga Astra Oil, que vendeu a unidade para a companhia brasileira, havia pago US$ 42,5 milhões. A comissão também deve investigar denúncia de pagamento de propina por parte da empresa holandesa SBM Offshore para acelerar contratos. Provável candidata a vice na chapa presidencial de Eduardo Campos, Marina Silva (PSB) mostrou-se favorável à instalação de uma CPI.
Para criar uma CPI mista no Congresso, são necessárias assinaturas de 27 senadores e de 171 deputados. Para isso, será preciso o apoio de parlamentares aliados do governo insatisfeitos com o tratamento dispensado pela presidente Dilma Rousseff. Contudo, a criação da CPI ainda não é unanimidade na oposição. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador José Serra se manifestaram contra a iniciativa e lembraram que Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União e Polícia Federal já estão envolvidos na apuração de irregularidades.
“Minha única alternativa é o silêncio”, diz ex-diretor
A prisão de Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobras, deixou o governo ainda mais exposto. O executivo foi um dos responsáveis pelas negociações da aquisição da refinaria americana. A detenção, porém, está relacionada a um esquema de lavagem de dinheiro, segundo a Polícia Federal. Em sua casa foi feita a apreensão do equivalente a cerca de R$ 1,2 milhão em notas de dólares, euros e reais. A PF acusa Costa de tentar destruir evidências.
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Em um desabafo, o ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, apontado por Dilma como responsável pelo relatório que subsidiou a compra da refinaria de Pasadena, disse que “do jeito que as coisas foram postas, minha única alternativa é o silêncio”. A presidente justificou que a decisão foi feita a partir de relatório falho. Com base na Lei de Acesso à Informação, o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), pediu nesta sexta à Petrobras e ao Ministério de Minas e Energia cópia do processo administrativo da estatal que autorizou a compra da refinaria em 2006. Nunes disse que, com os documentos, poderá analisar a justificativa dada por Dilma.
Negócio sob investigação
A refinaria de Pasadena
É uma unidade que transforma cerca de 120 mil barris de petróleo ao dia em combustíveis no Texas (Estados Unidos). Em 2006, teve 50% das ações compradas pela Petrobras, sob a justificativa de atender ao mercado externo.
A origem da polêmica
A Petrobras teria pago um valor muito alto, o que originou investigações de evasão de divisas e superfaturamento. A empresa belga Astra Oil havia pago US$ 42,5 milhões por toda a refinaria em 2005. Um ano depois, a estatal brasileira gastou US$ 360 milhões por 50% das ações. O total chegou a US$ 1,2 bilhão porque o contrato tinha cláusulas que condicionavam compra total.
Cláusulas “omitidas”
Duas cláusulas que não teriam sido informadas aos conselheiros prejudicariam ainda mais a Petrobras. Uma, chamada put option, determinava que, em caso de desentendimento entre os sócios, a outra parte seria obrigada a adquirir o total das ações. A outra, Marlim, garantia à sócia da Petrobras, Astra Oil, um lucro de 6,9% ao ano.
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Conselho de administração
A Petrobras tem 10 conselheiros, escolhidos para um mandato de um ano pelos acionistas. O governo federal, como controlador, indica a maioria. Apenas um conselheiro é eleito por empregados. O conselho tem reuniões uma vez por mês, e pode ser convocado de forma extraordinária.
Briga de acionistas
Sócia da Petrobras em Pasadena, a Astra Oil entrou na Justiça em 2008, por divergências sobre investimentos. Em 2010, um juiz federal do Texas ordenou que a Petrobras comprasse a parte da Astra Oil. A estatal recorreu, mas perdeu.
Demora na investigação
A primeira suspeita surgiu em 2012, ano em que a Petrobras pagou US$ 820 milhões, por decisão judicial, à Astra Oil. A investigação foi iniciada em 2013 pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O processo tramita na área técnica do TCU no Rio. O ministro relator, José Jorge, prevê que até abril o relatório esteja em seu gabinete, para que possa redigir seu voto.
O jogo de xadrez dos personagens do negócio
Dilma Rousseff
Em 2006, quando foi acertada a compra da refinaria de Pasadena, Dilma era ministra-chefe da Casa Civil e presidia o conselho de administração da Petrobras, cargo máximo na estatal.
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Desdobramento
No início da semana, em reação a uma reportagem do jornal O Estado de S.Paulo que revelou seu voto favorável à compra da refinaria, a assessoria de Dilma divulgou uma nota afirmando que a recomendação havia sido baseada em um resumo “técnica e judicialmente falho”. Se soubesse das falhas, acrescentava o comunicado, Dilma não teria aprovado o negócio. Ex-dirigentes da estatal reagiram afirmando que havia um amplo conjunto de informações disponível para embasar a decisão.
José Sergio Gabrielli
Um dos fundadores do PT na Bahia, era presidente da Petrobras na época do contrato polêmico. O economista baiano não tinha boas relações com a então ministra Dilma. Os embates entre os dois eram frequentes e houve relatos de que uma conversa mais dura entre os dois teria feito Gabrielli chorar, o que ele negava.
Desdobramento
A estratégia política incluía isentar Gabrielli das investigações sobre a compra da refinaria de Pasadena, mas uma entrevista do baiano contradizendo a versão da presidente Dilma irritou o governo. Corre o risco de ser demitido do governo da Bahia, onde ocupa o cargo de secretário de planejamento no governo Jaques Wagner (PT), seu padrinho político.
Graça Foster
A atual presidente da Petrobras, Graça Foster, não tinha uma cadeira no conselho de administração em 2006, mas participava eventualmente de algumas reuniões do colegiado como assistente. Em maio do ano passado, em audiência à Comissão de Minas e Energia na Câmara dos Deputados, Graça defendeu o ex-diretor da área internacional da estatal Nestor Cerveró apontado agora de ter elaborado o resumo técnico “falho” sobre Pasadena.
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Desdobramento
Graça Foster foi intimada pelo Ministério Público Federal (MPF) no Estado do Rio de Janeiro a depor sobre o caso. Até o momento a executiva, que tem uma relação bastante próximo com Dilma, manteve um surpreendente silêncio em relação as justificativas da presidente para apoiar a compra da refinaria, já que as duas são apontadas como muito próximas.
Paulo Roberto Costa
Preso na quinta-feira com uma quantia equivalente a R$ 1,1 milhão, por conta das investigações de outra operação, a Lava Jato da Polícia Federal, foi um dos executivos mais influentes da Petrobras na época da compra da refinaria de Pasadena. Sua escolha para o cargo é atribuída a indicações do PP e do PMDB, da ala do partido ligada ao senador José Sarney (AP). Foi um dos responsáveis por elaborar o contrato da compra da refinaria e ajudou a fazer o “resumo técnico” de 2006 criticado pela presidente Dilma por não informar sobre cláusulas que iriam transformar o negócio num problema para a Petrobras. Diretor de refino e abastecimento da estatal, era funcionário de carreira e foi sob sua gestão que outros projetos polêmicos – como a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco- foram definidas. Desligou-se da Petrobras em março de 2012, e está sob investigação do Ministério Público Federal no Rio por irregularidades na compra da refinaria no Texas. Na iniciativa privada, atuava na área de afretamento de navios.
Desdobramento
Preso em uma operação da Polícia Federal (PF) na quinta-feira por envolvimento com uma quadrilha de lavagem de dinheiro. A detenção ocorreu após denúncia que o empresário estaria destruindo provas da suposta ligação com o esquema. Os documentos seriam da consultoria aberta por ele cinco meses depois de deixar a Petrobras, em 2012. Junto com outros dirigentes da Petrobras, Costa é investigado também por suposto crime de evasão de divisas, além de outros como corrupção passiva, no caso da compra da refinaria de Pasadena.
Nestor Cerveró
Responsável por recomendar a comprar da refinaria aos conselheiros da Petrobras, era diretor da área internacional da Petrobras na época em que o contrato foi fechado. Com a imagem desgastada por suspeitas de corrupção, está isolado politicamente. Ninguém assume o apadrinhamento político de Cerveró. Os senadores Delcídio Amaral (PT) e Renan Calheiros (PMDB) chegaram a trocar farpas acusações sobre a indicação do ex-diretor à estatal. O petista diz que ele era um homem do PMDB na Petrobras. O presidente do Senado respondeu que foi o petista quem colocou Cerveró no cargo.
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Desdobramento
Cerveró corre o risco de se transformar no bode expiatório da operação. O Planalto tenta jogar nas costas do ex-diretor da área internacional da Petrobras a responsabilidade pelo mau negócio. A demissão dele da diretoria da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras,foi anunciada no começo da noite desta sexta-feira. Em meio às investigações, viajou para Europa, e disse nesta sexta que só se manifestará na volta, em duas semanas.
Jorge Gerdau
Junto com Guido Mantega, Jorge Gerdau Johannpeter é o único que ainda mantém cadeira no conselho de administração da Petrobras. Empresário respeitado pela base aliada e pela oposição, é considerado um nome técnico dentro do colegiado.
Desdobramento
Por meio de nota, o empresário gaúcho endossou o discurso de Dilma e afirmou que não tinha conhecimento de detalhes do contrato, como as cláusulas Put Option e Marlim. A primeira obrigou a estatal, posteriormente, a comprar 100% a refinaria a um preço excessivamente alto. A segunda garantia à sócia da Petrobras, a belga Astra Oil, um lucro de 6,9% ao ano – mesmo em cenário de prejuízo.
Claudio Luiz Haddad
A aprovação da compra de Pasadena foi a última participação do economista Claudio Haddad no conselho de administração da Petrobras, que no mês seguinte, abril de 2006, ganhou nova formatação.
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Desdobramento
Hoje presidente do Insper, Haddad adotou um discurso diferente da presidente Dilma e afirmou que a estatal dispunha de informações “fundamentadas” para a aprovação da aquisição da refinaria de Pasadena, em 2006. Segundo o economista, uma apresentação consistente feita pelo ex-diretor da área internacional, Nestor Cerveró, e pelo então diretor de Refino e Abastecimento, Paulo Roberto Costa, não deixou dúvidas de que o preço pago pela refinaria condizia com os valores de mercado e que o aval para fechar negócio foi consenso entre os conselheiros.