Susan Sarandon ficou um pouco decepcionada por não poder comparecer ao Burning Man. Ela participou do festival da contracultura realizado no deserto de Nevada pela primeira vez em 2013, e se sentiu segura e invisível. – Há sempre várias garotas de corpos esculturais andando para lá e para cá, sem roupa, quem ia me notar?- E pensou até em levar parte das cinzas de Timothy Leary na visita deste ano.

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Em vez disso, depois de julho – mês de estreia da comédia no qual interpreta o (improvável) papel de avó de Melissa McCarthy, “Tammy” – vai tirar umas semanas de férias para se preparar para o nascimento do neto de verdade, já que sua filha, Eva Amurri Martino, está grávida.

A chegada de uma nova vida é um – evento tipo ficção científica -, disse ela recentemente – e essa, especificamente, tem um impacto fundamental na visão que a atriz de 67 anos tem de si mesma, coincidindo com uma época em que vem interpretando várias personagens desleixadas, meio malucas e principalmente mais velhas.

Entretanto, com uma carreira que inclui personagens como uma prostituta, uma freira e uma fora-da-lei feminista, além de anos de ativismo polêmico e a – defesa do tênis de mesa – atrás dos bastidores, Susan já tem uma perspectiva suficientemente radical de si mesma – e radicalmente diferente daquela como o mundo a vê.

– Nunca fui magra nem carismática o suficiente para ser uma atriz tipo Julia Roberts, que consegue vender um filme pela personalidade; a minha base é mais ampla em termos de personagens mesmo, então não é difícil para o público me enxergar envelhecida e mudada -.

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– Mas, sim, talvez ‘Tammy’ force um pouco a barra -, admite.

Na comédia, Susan é Pearl, uma matriarca beberrona e louca por homens muito pior que a personagem-título de Melissa McCarthy.

– A gente queria alguém que estivesse naquela faixa de idade certa, mas que ainda tivesse um grande apelo sexual-, explica a atriz, que escreveu o roteiro ao lado do marido, Ben Falcone, que também dirigiu o filme. – Ficava repetindo: ‘Alguém como a Susan Sarandon, mas mais velha’-.

No fim, foi a própria que encarnou a personagem, graças a uma peruca grisalha e outros truques para envelhecer (como as próteses para simular tornozelos inchados).

– Basicamente dissemos o seguinte: ‘Olha, você é muito gostosona, cheia de vida e com jeito de jovem; temos que envelhecê-la’. Não deixa de ser um elogio, por mais bizarro que pareça -, explicou Falcone.

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– Foi meio que, tivemos que pegar tudo aquilo, todas as partes do corpo dela, e destruir -, completou Melissa.

Susan, que chegou ao ponto de pôr grãos de pimenta no sapato para reproduzir o andar desconfortável de uma senhora de idade, achou “muito libertador” interpretar alguém – tendo que destacar cada defeito e contar com iluminação ruim sempre que possível-.

– Durante um tempão estive num ritmo mórbido; todas as personagens que eu interpretava ajudavam alguém a morrer ou morriam -.

– Sem dúvida, é mais divertido essa fase de mulheres esquisitas, alcoólatras e drogadas -.

Nessa categoria estão incluídas a cinebiografia de Errol Flynn, “The Last of Robin Hood”, que estreia nos EUA em 29 de agosto, na qual interpreta uma mãe malvada com prótese em uma das pernas, e a comédia “Ping Pong Summer”, na qual encarna a mentora excêntrica de um adolescente.

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Essa série de personagens tão desapegadas da aparência pode até fazer o público questionar se é só esse tipo de papel que lhe restou ou se faz parte do esforço de se reinventar após a separação de Tim Robbins, ocorrida há cinco anos -, mas a atriz garante que não foi nada proposital (nem deprimente).

– Estou sempre procurando coisas que me assustem, me metam medo; não as recomendo necessariamente na vida particular, mas na profissional fazem muito bem –

E garante que sua visão de mundo é o oposto de paranoica, a que ela brinca chamando de “pronoica”.

– Acho que o universo está sempre conspirando a meu favor, de maneira que tudo o que poderia ser considerado ruim acaba se tornando algo positivo e útil-.

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– Um dos meus maiores talentos é ser capaz de mudar meu caminho quando alguma coisa que não planejei aparece na minha frente -.

Se Susan não tem dificuldade de pôr sua reputação à prova interpretando a torcedora de um time de beisebol de segunda categoria como em “Sorte no Amor” ou uma virgem seminua em “The Rocky Horror Picture Show”, a facilidade dos diretores que a procuram com papéis tão peculiares não é a mesma.

Michael Tully, roteirista e diretor de “Ping Pong Summer”, por exemplo, esperava que Susan, sua sócia na franquia SpiN – casa noturna que oferece tênis de mesa – mostrasse um mínimo interesse em seu independente de baixo orçamento, mas quase caiu de costas quando ela aceitou participar do projeto.

– Susan Sarandon não tem mais nada a provar para o mundo; já fez tudo o que poderia para confirmar uma carreira de sucesso em Hollywood, mas continua batalhando. Não sei por quê. Talvez ela possa explicar. Ou um terapeuta. Eu só acho sensacional que ela continue tão motivada e tão entusiasmada em termos profissionais-.

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Sua presença sempre assume um clima tranquilo e discreto: – Sem dúvida, se vou a uma festa, sou a que fica horas conversando com uma, no máximo duas pessoas. Não bebo muito, prefiro mais um cigarrinho suspeito-.

Ao mesmo tempo é visceral quando se trata de defender suas visões políticas – e protetora em relação a aliados como Somaly Mam, uma cambojana que luta contra o tráfico sexual acusada de fabricar a própria história.

– Ninguém a acusa de roubar dinheiro, molestar crianças ou matar os filhos de fome-, retruca ela.

O não-conformismo se faz presente em sua vida nas mais variadas formas: durante muitos anos foi grande amiga de Leary, o espiritualista psicodélico que lhe deixou parte de suas cinzas; e usa um colar com a palavra “honey” (“querida(o)”), apelido que escolheu para si mesma para ser usado pela futura neta e substituir o tradicional “vovó”.

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– Minha cabeleireira me contou que é tradição no sul e eu achei fabuloso. Adorei. ‘Querida, vem cá’. ‘Cadê a querida?’. É o que eu quero para mim-.

Eva Amurri Martino, de 29 anos, filha da atriz com o diretor Franco Amurri e que já participou de comédias de TV como “The Mindy Project” e “Undateable”, diz que a mãe não tem as qualidades típicas de toda avó – a não ser a falta de familiaridade com a tecnologia.

– Ela aprendeu a fazer uma coisa no telefone, que é tuitar como Penny -. (Penny Lane é a cachorrinha de Susan, que conta sua vida através do Twitter em @MsPennyPuppy.)

Susan, que também é mãe de Jack Henry Robbins, de 25 anos, e Miles Robbins, de 22, frutos de seu relacionamento com Robbins, disse que queria que eles a vissem em “Tammy”, embora o papel não seja nem de longe tão chocante como outros que já fez.

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– Eles acham que tudo é cena de sexo; pode ser até um beijo e você nem precisa estar sem roupa; no entanto, também aprontam bastante e têm um senso de humor ótimo-.

Só não ficaram muito à vontade quando foram expostos a certos trabalhos seus exibidos pela Sociedade do Cinema do Lincoln Center, em 2003, em uma festa em sua homenagem.

Susan relembra a ocasião: – Meu filho mais velho me perguntou: ‘Nunca passou pela sua cabeça que um dia teria filhos?’. Minha filha nem ligou, mas o mais novo disse: ‘Olha, mãe, até gostei, mas me deu meio medo’-.