A combinação entre superlotação e falhas na infraestrutura tornou o sistema de tratamento de esgoto do Complexo Prisional da Canhanduba, em Itajaí, um problema de saúde pública. Projetada para 1,8 mil pessoas, a estação atende hoje cerca de 3 mil devido ao excesso de presos. Com um sistema subdimensionado e precário, parte dos dejetos tem sido lançada nos rios sem tratamento. A Justiça determinou que o Estado recolha os efluentes que não são tratados com caminhões limpa-fossa, até que regularize o licenciamento ambiental e amplie o sistema.
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A decisão, em caráter liminar, é da juíza Sônia Moroso Terres, responsável pela Vara da Fazenda Pública de Itajaí, em resposta a uma ação proposta pela 10ª Promotoria de Justiça. O Ministério Público instaurou procedimento após receber relatório da Fundação do Meio Ambiente de Itajaí (Famai), no início do ano passado, informando que falhas no tratamento de esgoto do Complexo Prisional vêm causando danos ao meio ambiente.
A Famai encaminhou o caso à promotoria após três vistorias, quando enfim autuou o Estado, em fevereiro de 2016. Questionada pelo Ministério Público, a Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (SJC) informou que abriria uma licitação para ampliar o sistema e atender até 3,7 mil pessoas – o que inclui a nova ala de regime semiaberto e o novo presídio feminino, ainda em obras. A licitação deveria ter sido concluída no ano passado, o que ainda não ocorreu.
O Estado informou ao MPSC que fez melhorias na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) após a autuação, mas uma vistoria, feita este ano pelo Centro de Apoio Operacional Técnico do Ministério Público, comprovou que as irregularidades permanecem e são graves: ¿Revelou-se com o parecer técnico alarmantes irregularidades estruturais, de manutenção e, sobretudo, de eficiência do tratamento a ponto de ser verificada a presença de fezes humanas (…) com direcionamento a cursos d`água¿, afirma o MPSC na ação.
Os dejetos são despejados no Ribeirão Canhanduba, que passa por arrozais e pequenas comunidades ribeirinhas até desaguar no Rio Itajaí Mirim, que abastece as cidades de Itajaí e Navegantes. Os técnicos verificaram, ainda, que o excesso de dejetos provocou rachaduras em um dos tanques, e há contaminação no solo na região do complexo.
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A vistoria revelou que os funcionários da empresa terceirizada Montesinos, que opera o Complexo Prisional, não têm nenhum tipo de treinamento para operar o sistema de tratamento de esgoto, e que o trabalho é feito através da ¿leitura de manuais¿. Não há sequer equipamentos reservas para que, em caso de falha, o sistema não pare _ em uma das visitas dos técnicos, os funcionários do complexo estavam fazendo manualmente o tratamento porque uma das máquinas havia estragado.
Na decisão, a juíza Sônia Moroso Terres afirma que “não é difícil dimensionar os impactos decorrentes de um ineficiente tratamento de esgoto, de um dos maiores complexos penitenciários do Estado, à margem de diversos leitos d’água¿. E completa: ¿Por ser uma obra do próprio poder público, a lógica é que servisse de exemplo de sustentabilidade, e não o contrário”.
Embora concedida a liminar, o caso ainda terá que passar por julgamento definitivo. O Ministério Público pede que o Estado seja condenado a apresentar medidas de compensação por degradar o meio ambiente.
OAB acompanha medidas para reduzir a superlotação
O esgoto não é o primeiro problema de infraestrutura agravado pela superlotação na Canhanduba. Até o fim do ano passado, quando foi inaugurada a rede de abastecimento de água em todo o bairro, o complexo era abastecido por água de poços artesianos. Por excesso de uso, os seis poços abertos já não davam conta da demanda e a água chegava aos presos escura e barrenta.
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O caso da água, assim como o do esgoto, foi acompanhado de perto pela Comissão de Assuntos Prisionais da OAB em Itajaí. O grupo tem atuado para tentar reverter o excesso de presos num complexo que foi criado para ser modelo para o Estado – mas acabou absorvendo detentos de toda Santa Catarina com o fechamento e a interdição de outras unidades pela Justiça. Especialmente Blumenau e a Grande Florianópolis.
Recentemente a Vara de Execuções Penais determinou que só entrem no complexo presos da região de Itajaí. No entanto, segundo o advogado Leonardo Costella, que preside a comissão da OAB, ainda há dois pontos a serem resolvidos. O primeiro deles é a conclusão da nova estrutura de semiaberto, que absorverá detentos já condenados que, por falta de espaço na penitenciária, cumprem pena no presídio – o que é ilegal.
A obra está passando por reparos, e ainda não há previsão de entrega anunciada. A segunda questão diz respeito ao envio de presos de outros estados, que estavam com mandados de prisão em aberto, para os locais onde cometeram crimes. Somente do Paraná são quase 100 presos na Canhanduba.
— A superlotação acaba afetando toda a infraestrutura planejada — reconhece Costella.
Contraponto: O que diz a Secretaria de Justiça e Cidadania
A Consultoria Jurídica da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (SJC) informou, no fim da tarde de terça-feira, que ainda não foi intimada oficialmente _ mas a decisão judicial será cumprida. A empresa responsável pela gestão da unidade já foi notificada para a contratação de caminhões limpa-fossa e a SJC irá lançar nos próximos 30 dias o edital de licitação para ampliação da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do Complexo.
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Explicou, ainda, que o processo de licitação foi suspenso temporariamente por uma impugnação, e o edital será retificado.
Hoje o Complexo está com 2.287 detentos no total – 1.186 na penitenciária e 1.101 no presídio. A SJC afirma que “está sempre trabalhando para reduzir o número de apenados em todas as unidades prisionais de Santa Catarina”, o que é feito através de transferências e remanejamentos, de acordo com as condições gerais das unidades em todo o Estado.