Se a cantora Ivete Sangalo fosse norte-americana, seria descrita como belter (cantora que tem um vozeirão). No palco ela é ousada, informal e barulhenta, o que a inclui na mesma linhagem de Tina Turner, Janis Joplin e Bette Midler, e seus discos geralmente incluem músicas que a permitem extravasar a emoção dramaticamente, em alto e bom som.
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O estilo não poderia ter dado mais certo: ela já vendeu mais de 15 milhões de discos como artista solo – e segundo a imprensa nacional é a cantora em atividade que mais fatura no Brasil, chegando a US$ 500 mil por show; tem 8,5 milhões de seguidores no Twitter e sua própria produtora.
– Poder entreter as pessoas é um triunfo, mas o engraçado é que, quando criança, nunca sonhei em ser cantora, nunca me olhei no espelho fingindo ser estrela pop. Pensava em ser atriz e só quando comecei a brincar o Carnaval na adolescência e ouvir a música dos trios elétricos é que percebi que era a única coisa que queria fazer na vida – disse ela em uma entrevista.
Sangalo é a expoente máxima de um estilo agitado e barulhento conhecido como axé que combina uma série de influências brasileiras e estrangeiras em uma fusão animada, lembrando muito o que se ouve durante o Carnaval. Samba e reggae são as fontes óbvias, mas rock, soul e os gêneros caribenhos como salsa e merengue entram na mistura, assim como os ritmos regionais. Sua enorme popularidade ilustra bem o abismo que há entre a percepção estrangeira do que é a música brasileira e a realidade. Enquanto cantores e compositores como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Marisa Monte conquistam elogios no exterior com seus vocais sutis e melodias/harmonias sofisticadas, a parada brasileira é dominada pelo axé, pelas baladas românticas e pela versão comercial da música conhecida como sertanejo.
– Para o bem e para o mal, Ivete reflete o estado da música popular brasileira em um momento em que o público aposta em ritmos animados, com letras bem simples. Ela é uma profissional exemplar com um vozeirão que se destaca sobre a percussão e os demais instrumentos. Por outro lado, não há nada sutil nem muito artístico nela; é puro show business – explica Chris McGowan, um dos autores do livro O Som Brasileiro, em entrevista por telefone.
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Cada vez mais a popularidade de Ivete, uma ex-modelo com olhos escuros e expressivos, voz rouca e personalidade extrovertida, extrapola o palco e os discos. Ela não sai da TV e das capas das revistas de fofocas, resolveu se arriscar como atriz e já fez editoriais de moda para a Vogue brasileira e outras revistas.
– Ela não é só cantora ou artista, mas uma personalidade que o povo toma como exemplo. As mulheres a admiram e a veem como uma pessoa forte e realizada, com um filho e dinheiro – diz Ricardo Pessanha, o outro autor de O Som Brasileiro.
O eterno dilema da aposta internacional
Ivete nasceu no interior do Estado da Bahia, em Juazeiro, cidade natal de João Gilberto, um dos pais da bossa nova. Quando criança, a caçula de seis irmãos ouvia todos os gêneros de música popular, mas depois que a família se mudou para Salvador, capital do Estado mais rico musicalmente de um país obcecado por sua música, seus horizontes se abriram para incluir reggae, pop norte-americano e soul.
– Adoro George Clinton, Prince, Kool & The Gang e principalmente Stevie Wonder. Geralmente não faço cover, mas tento colocá-los na minha música, principalmente na percussão – ela conta.
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O pai de Ivete, que era joalheiro, morreu quando ela era ainda adolescente; foi quando começou a se apresentar nos bares de Salvador acompanhada apenas de um violão, aprendendo a se destacar e desarmar as plateias mais hostis com bom humor e bate-papo entre as músicas. Em 1993 entrou para a Banda Eva, gravou vários discos de sucesso com o grupo e partiu para carreira solo em 1999.
Marco Mazzola é um produtor que, antes de trabalhar com ela, fez discos com praticamente todas as melhores cantoras do país das últimas décadas, incluindo Elis Regina, Gal Costa, Elba Ramalho e Fafá de Belém. Entre as características mais marcantes da baiana, ele destaca o poder de sua voz, seu carisma no palco, seu tino para negócios e a certeza de saber quem é.
Sem ter mais nada a provar no Brasil, Ivete esticou o olho para o mercado internacional. Sua primeira turnê nos EUA foi em 2010, incluindo apresentação no Madison Square Garden lotado – que se transformou em um DVD de sucesso – e agora vem testando outros mercados do país com shows em Nova Jersey, Boston, Miami e na Costa Oeste.
Porém, não está claro – nem para ela – se vai seguir os passos de alguém como Shakira, por exemplo, a colombiana que alterna projetos em inglês e espanhol. Para isso, teria que se comprometer a ficar longos períodos fora do país – que ainda passa por um momento econômico favorável e incluiu mais de 50 milhões de brasileiros na classe média, gente, em parte, responsável por seu sucesso.
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– É uma carta na manga esse lance de sair do meu país e vir para cá por um ano para tirar vantagem de todas essas coisas maravilhosas; acontece que o que eu tenho lá no Brasil é ótimo, mas é diferente. Só não posso parar de cantar – diz ela.