A tese de que a falta de vagas nas prisões e a desorganização do Estado não podem ser argumentos usados para impedir a progressão de regime dos presos foi transformada em súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim de julho, mas ainda rende polêmicas e interpretações divergentes.

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O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) emitiu uma nota técnica em que faz uma série de sugestões aos promotores de justiça do Estado em relação à aplicação da súmula vinculante. De acordo com o texto, há situações que devem ser ponderadas antes da autorização pelo Judiciário da progressão de uma pena em regime fechado para o aberto ou prisão domiciliar.

Para entender a aplicação da súmula, é preciso entender uma série de pressupostos. O Brasil adota um sistema progressivo. Ou seja, o preso começa a cumprir a pena num sistema mais severo e vai amenizando, progredindo, para penas mais leves. Um preso que começou a cumprir sua pena em regime fechado, no caso de crimes comuns (não hediondos), por exemplo, e já cumpriu mais de um sexto da pena, na teoria apresenta mérito, merecimento e direito à progressão para o semiaberto. No nosso sistema não há previsão de saltos, ou seja, de fechado para aberto direto. Mas, na prática, isso tem sido bastante comum.

Como não há vagas no sistema prisional para o regime semiaberto e muito menos para o regime aberto, antes da súmula vinculante o preso aguardava a abertura de uma vaga no regime fechado mesmo. E, na vida real, acabava ficando indefinidamente no regime fechado esperando por uma vaga que, na realidade de crise financeira e estrutural vivida pelo sistema, dificilmente aparecerá.

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Com a súmula, e numa prática que já estava sendo consolidada em tribunais de todo o País, o preso passa para o regime aberto ou até domiciliar, esperando por aquela vaga no semiaberto que praticamente todos os envolvidos (juízes, promotores, advogados, presos e agentes) sabem que não se tornará real tão cedo. Na prática, então, o preso vai aguardar o surgimento de uma vaga em regime domiciliar, livre, solto, com pouca ou nenhuma fiscalização.

Mas essa progressão tem uma série de critérios que têm sido levados em conta pelos juízes. Os casos recentes de Joinville e São Francisco do Sul, em que juízes usaram a súmula tão logo ela foi publicada, chamaram a atenção do Estado e do País como primeiros modelos de aplicação da regra.

A decisão tomada em São Francisco do Sul, no começo do mês passado, de progredir o regime de 14 presos levou o MP a refletir sobre a aplicação da súmula e, a partir disso, criar uma nota técnica sugerindo que os promotores deem atenção aos mesmos pontos. Apesar de não obrigar os promotores a segui-la, o texto apresenta uma série de estratégias para garantir o cumprimento da súmula e, especialmente, do recurso especial 641.320, que estabelece uma série de parâmetros para que haja a progressão.

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Nos casos de presos que cumprem pena em regime fechado e que causem real perigo à sociedade, o MP quer que haja uma análise precisa de requisitos subjetivos, como bom comportamento, merecimento e aptidão para o benefício. Também lembra que o recurso especial prevê a liberdade eletronicamente monitorada dos que saírem antecipadamente (as tornozeleiras eletrônicas) e o estudo de caso a caso com a avaliação do MP.

O texto da súmula vinculante diz:

“A falta de vagas em estabelecimento prisional não autoriza a manutenção do preso em regime mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros do Recurso Extraordinário 641.320“.

Em outras palavras, o condenado deve cumprir a pena no regime prisional correspondente, nem mais brando, nem mais gravoso, mais pesado do que aquele de direito, segundo a legislação.

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Na prática, porém, sem estrutura nem vagas para prisões em regime semiaberto ou aberto (albergues e colônias penais especiais, raríssimas no País), o Estado acaba se obrigando a “libertar” os presos para o regime domiciliar, que também deve ser fiscalizado. Para isso, há uma série de critérios que o MP quer que sejam observados de maneira mais criteriosa.