Desde que Gabriel Medina se sagrou campeão do Mundial de surfe pela primeira vez, em 2014, e o mundo conheceu a ‘Tempestade Brasileira’ (como é chamada a atual geração de atletas nacionais), o futuro da modalidade nunca esteve tão nebuloso.
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Enquanto o país domina o esporte com 13 surfistas (homens e mulheres) na elite do circuito mundial, as estruturas locais sofrem para formar novos atletas.
Somente no fim de fevereiro foi divulgado o calendário de competições da atual temporada nacional, mas sem garantias de que a confederação terá recursos para bancá-las.
Mesmo a preparação da seleção para o Pan-Americano de Lima não está definida, embora a entidade afirme ser o foco em 2019. No ano passado, a última etapa do Circuito Brasileiro Profissional não foi realizada.
Esse cenário é reflexo de uma crise enfrentada pela Confederação Brasileira de Surfe (CBSurf), que se agravou em setembro do ano passado e culminou no afastamento do presidente Adalvo Argolo pela Justiça por dois meses.
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– O surfe corre o risco de não ter uma geração igual a essa que está aí. É preciso que as pessoas tenham mais humildade, lembrar que não há dono, cada um tem a sua importância, e pensar a médio e longo prazo – diz Luiz Campos "Pinga", que foi diretor de uma marca esportiva por 15 anos e responsável por descobrir talentos da geração atual.
Na época em que os campeões mundiais Gabriel Medina, 25 anos, e Adriano de Souza, 32 anos, começaram no esporte, existia um circuito nacional consolidado, em diversos Estados.
Ao fim, a competição formava uma seleção dos melhores colocados, que disputavam o ISA Games, torneio internacional da modalidade inferior à Liga Mundial em relevância.
– Tínhamos um bom relacionamento com o governo federal, e as contas desses projetos eram sempre aprovadas, nunca tivemos problema – afirma Juca de Barros, ex-presidente da CBSurf.
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Fatores externos também ajudaram essa geração. Com o dólar mais baixo em relação ao real, as marcas que investem no esporte tinham mais capital para realizar projetos.
– A gente dava assistência médica, curso de inglês e os mandava para o exterior, onde surfavam ondas de nível mundial – conta diz Pinga, hoje agente de Ítalo Ferreira, quarto colocado na Liga Mundial em 2018.
Em 2010, o atual presidente da confederação, Adalvo Argolo, assumiu o cargo pela primeira vez. Ele afirma que, nos últimos anos, a entidade teve dificuldade para vender projetos de eventos nacionais.
– A partir do momento em que não conseguimos mais vender os projetos, as federações estaduais que têm condições passaram a organizar o campeonato nacional em seus Estados – esclarece Argolo.
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Por isso, nos últimos anos, etapas do circuito ocorreram somente no Nordeste, o que deixou o torneio inacessível para alguns surfistas. Jovens do Sul e do Sudeste sem patrocinadores tinham dificuldade para bancar as viagens.
Em setembro do ano passado, a crise no surfe do país foi escancarada. Os atletas que representariam o Brasil no ISA Games, no Japão, que classificava para os Jogos Pan-Americanos, em julho deste ano, foram avisados que a viagem estava cancelada poucos dias antes do embarque.
Segundo o Comitê Olímpico do Brasil (COB) a verba para a viagem foi aprovada em 17 de julho, com o repasse previsto para 1º de agosto. Nessa data, porém, a CBSurf estava impossibilitada de receber recursos por atraso na prestação de contas de outros projetos.
O COB ofereceu ajuda para custear a viagem, mas a confederação preferiu esperar. Assim que regularizou as pendências, em 3 de setembro, iniciou o planejamento.
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Como a competição começaria em 12 dias, os dirigentes encontraram dificuldades na contratação de hospedagem, alimentação, aluguel de veículos e passagens aéreas. Àquela altura só estavam disponíveis voos com conexão nos EUA, mas não havia mais tempo para solicitar os vistos para os atletas inscritos.
O caso fez com que o vice-presidente da confederação, Guilherme Pollastri, solicitasse o afastamento de Argolo, alegando falta de prestação de contas e divergência de endereços fornecidos para o edifício-sede da confederação. O pedido foi acatado pela Justiça Federal em Brasília.
– O trabalho da confederação é buscar todas as verbas disponíveis para serem investidas através de projetos bem elaborados. Outras instituições não confiavam mais em parcerias pela falta de organização – diz Pollastri. Após vencer as disputas judiciais, Argolo voltou ao cargo em janeiro.
Nesse período, todas as verbas repassadas pelo COB à entidade ficaram congeladas. Assim, não foi possível realizar a última etapa do circuito brasileiro profissional de 2018.
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No fim de fevereiro foi divulgado o calendário com as competições de 2019, incluindo quatro etapas do circuito amador: duas no Nordeste, uma no Sul e outra no Sudeste.
Segundo a entidade, o objetivo agora é levar a seleção para o Pan de Lima, acompanhar a performance dos atletas no Mundial e organizar a viagem para o ISA Games, realizado novamente no Japão.
Os três campeonatos distribuem vagas para Tóquio 2020. Na Olimpíada serão 20 homens e 20 mulheres, sendo permitida a inscrição de dois surfistas por gênero para cada país.
Os representantes brasileiros devem ser definidos na Liga Mundial deste ano, que classifica os 10 melhores homens e as oito primeiras mulheres para o campeonato olímpico.
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