Está na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira, 14, o julgamento definitivo da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5.529, pedindo a revogação de um artigo da lei das patentes que favorece a lentidão da análise dos pedidos de exclusividade sobre inovações e produtos. A ação, que tramita desde 2016, teve avanços na última semana que tendem a beneficiar a produção de medicamentos mais baratos no país. 

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O ministro Dias Toffoli expediu liminar no último dia 7, suspendendo temporariamente os efeitos do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial, que permitia ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) estender o prazo de análise de patentes por até mais 10 anos, caso não conseguisse avaliar e aprovar de forma definitiva os pedidos dentro do prazo legal. 

Com o artigo da lei, o período de proteção podia ultrapassar o prazo de 20 anos estabelecido na própria norma, chegando, em alguns casos, a somar 30 anos de exclusividade do criador da invenção. A liminar atende a um pedido da Procuradoria-Geral da República feito no início de março, que defende que o artigo da lei de patentes é inconsitucional e prejudicaria, inclusive, o combate à pandemia do coronavírus, porque impacta diretamente na indústria farmacêutica e de produtos hospitalares.

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A decisão de Toffoli abrange somente o setor de produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos ou materiais de uso em saúde, e não tem caráter retroativo, ou seja, restringe apenas a validade do artigo 40 em processos de patentes que teriam a possibilidade de estender o prazo a partir de 7 abril deste ano. Os processos que sofreram prorrogação antes disso, mesmo que recentemente, seguem em andamento. Mas, no julgamento de quarta-feira, os demais ministros podem decidir que os efeitos sejam retroativos. 

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Com a liminar, a tendência é de que fórmulas cujos registros de patentes estão prestes a expirar possam ser produzidas também por indústrias nacionais, na forma de genéricos e similares. Há uma lista de mais de 70 remédios (veja detalhes mais adiante), entre eles contra câncer (que custa mais de R$ 100 mil), HIV, diabetes e até uma fórmula japonesa estudada como potencialmente eficaz no tratamento da covid-19, que já tiveram o prazo máximo das patentes expirado, mas que ganharam prorrogação do período de exclusividade porque os processos administrativos do INPI ainda não foram concluídos. 

Com isso, a indústria nacional fica impossibilitada de produzir as fórmulas a preços mais baixos ao consumidor, e o poder público tem gastos elevados, porque é obrigado a comprar remédios apenas de um único fabricante, sem abrir possibilidade de disputas de preço.

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Julgamento de quarta-feira pode ampliar efeitos para casos passados

Apesar da liminar já ter sido expedida, o assunto está previsto para ser julgado em plenário por todos os ministros do STF nesta quarta-feira, 14. Para Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil, a liminar de Dias Toffoli sinaliza a urgência do tema e tende a antecipar o voto do ministro como relator da ADI 5.529 no julgamento em plenário.

No texto da decisão em liminar, Dias Toffoli argumenta que a extensão da vigência de patentes, para além dos prazos previstos na Lei de Propriedade Industrial, tende a elevar excessivamente os períodos de exploração exclusiva dos inventos, acarretando custos elevados para o poder público. O ministro ainda ressalta que as extensões de prazo excedem o que é garantido pela Constituição e pelo Acordo TRIPS, tratado internacional do qual o Brasil é signatário que rege a proteção da propriedade intelectual de invenções.

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– O voto do ministro Dias Toffoli é sólido e bem fundamentado, não deixa de abordar nenhuma das questões essenciais do tema. Leva em consideração o conjunto de argumentos das duas posições ouvidas na ação, e fundamenta claramente o que a Procuradoria-Geral da República e os amicus curiae (entidades ouvidas pelo Judiciário que são autoridade no tema) argumentam a favor da inconsititucionalidade, dizendo que realmente o parágrafo único da lei das patentes estabelece um prazo variável. E isso é inconstitucional em relação à nossa norma maior e em relação ao acordo internacional que o Brasil tem sobre isso – considera Arcuri.

Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil
Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil (Foto: Reinaldo Canato/Folhapress)

A expectativa, segundo o representante do grupo FarmaBrasil, é que a maioria do plenário do STF declare a inconstitucionalidade do artigo 40 e encerre os efeitos das prorrogações de prazo de exclusividade, inclusive sobre processos passados que já teriam as patentes expiradas.

Se decisão do STF suspender prazos já estendidos, novos remédios poderão ter preços até 35% mais baixos

Se a maioria dos ministros do STF decidir por derrubar os efeitos do artigo 40 inclusive para casos passados, a indústria nacional poderá produzir imediatamente as fórmulas, inclusive remédios que têm sido utilizados para o combate aos efeitos da covid-19.

Um dos casos é a Rivaroxabana, anticoagulante empregado no tratamento de recuperados da covid-19, que tem se sido eficaz para evitar que pacientes desenvolvam trombose. A patente do remédio venceu em 2020, mas no Brasil ela foi prorrogada até 2022. Se for derrubada a extensão, poderão ser fabricados genéricos desse remédio, que devem ser 35% mais baratos. A Rivaroxabana custa atualmente R$ 289 a caixa, e o genérico deverá ser vendido a no máximo R$ 187.

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Medicamentos indicados para outras doenças também estão na mira. O Apidra, insulina usada no tratamento de diabetes, custa R$ 116,29 e passaria a ser vendido por R$ 75,58 em sua fórmula genérica. E outras fórmulas caras, muitas das quais custeadas pelo SUS para tratamento de câncer, também sofreriam redução. É o caso do Adcyla, que custa R$ 10.674 a caixa e passaria para R$ 6.938 na versão genérica, e O Xalkori, vendido por R$ 39.596 e que poderia ser adquirido por R$ 25.773.

Consequências para produção de remédios mais baratos

Na avaliação de Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, o parágrafo 40 da lei das patentes permite que, na prática, diante da impossibilidade de julgar os processos no prazo, o INPI prolongasse a vigência das patentes para além do esperado e do praticado em outros países.

Segundo ele, o impacto no setor farmacêutico é grande, por exemplo, porque impossibilita que uma fórmula de remédio de marca possa ser produzida na versão genérica por outros laboratórios.

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– Enquanto se tem esses medicamentos protegidos por patentes, é o detentor da patente que estabelece o preço. Então o governo tem que comprar de acordo com o preço que ele negocia com o detentor da patente. Mas não tem concorrentes. Quando a patente cai, começa a ter concorrência – defende Arcuri.

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Além disso, a insegurança jurídica atrapalha o planejamento do setor e gera prejuízos. As indústrias se programam pelo calendário da vigência das patentes a fim de se preparar para a produção de novas fórmulas tão logo a exclusividade deixe de vigorar. Mas corriqueiramente são surpreendidas pela extensão da proteção por mais alguns anos.

Veja abaixo a lista de medicamentos cujas patentes expiraram ou estavam prestes a expirar, mas que tiveram prazos prorrogados pelo Inpi

Remédios contra câncer, HIV, diabetes e até fórmula estudada para tratar a covid-19 são impactados

Levantamento da Câmara dos Deputados apontou que o medicamento contra o câncer Avastin, por exemplo, que teria a patente extinta em 2018, teve prorrogação da proteção até 2023, devido aos atrasos na conclusão do processo administrativo do Inpi.

A fórmula está longe de ser a única. Na lista de medicamentos que tiveram prorrogação de prazo beneficiados pelo artigo 40 estão pelo menos 74 remédios. Dentre eles há fórmulas para tratamento contra HIV, artrite reumatóide, diabetes, hepatites e linfomas. Pelo menos 20 deles são remédios contra câncer.

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São medicamentos que custam de R$ 39 a R$ 113 mil, adquiridos na maior parte pela rede pública de saúde. Há também uma fórmula que cientistas estudam para avaliar o potencial contra a covid-19, o favipiravir, fabricado exclusivamente por um laboratório japonês, cuja patente também já deveria ter expirado no Brasil, mas foi estendida até 2023.

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Um estudo elaborado pela professora Julia Paranhos, do Grupo de Economia da Inovação, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, identificou que entre 2014 e 2018 o governo federal gastou R$ 10,6 bilhões, ou cerca de R$ 1,9 bilhão por ano, com apenas nove medicamentos que teriam a patente expirada entre 2010 e 2019, mas que tiveram prorrogações de até 8 anos por parte do Inpi.

Pelos cálculos dos pesquisadores, se fossem substituídos por genéricos ou biossimilares, poderia gerar economia aos cofres públicos de até 55% no cenário mais drástico.

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INPI argumenta que desde 2019 tem reduzido demanda

Conforme Toffoli descreve no texto da liminar, o INPI informou ao STF que os efeitos do artigo 40, de prorrogação dos prazos, seriam aplicados a praticamente todos os pedidos de patentes da indústria farmacêutica que seriam decididos pelo órgão neste ano. 

O INPI é uma autarquia ligada à Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia. Procurado pela reportagem, o INPI afirma, por meio de nota, que “como órgão do Executivo, apenas aplica o determinado em lei”. A autarquia argumenta que já tem feito esforços para diminuir os atrasos e a fila de pedidos em espera por análise, chamada no jargão de “backlog”.

Desde 2019, foi implantando o Plano de Combate ao Backlog de Patentes, com objetivo de diminuir em dois anos a fila de espera por análises. Conforme a atualização mais recente das estatísticas do plano, há pouco mais de 66 mil pedidos de análise pendentes no INPI, dos quais 25,6 mil são da área química, 15 mil de engenharia mecânica, 12,3 mil de engenharia elétrica e 13 mil de instrumentos diversos e outros setores.

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Veja o que dizem André Tavares, presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, e Newton Silveira, diretor geral do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual:

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Como funciona a lei brasileira de patentes

No Brasil, o criador de uma invenção ou inovação tem direito exclusivo de explorar os lucros com o produto por até 20 anos, conforme a lei 9.279, de 1996, a Lei de Propriedade Industrial. Esse prazo começa a contar a partir da data de depósito no INPI, ou seja, do pedido oficial ao órgão para que examine a criação e o direito de propriedade temporária. A partir do pedido, o criador já conta com proteção legal da exclusividade, podendo processar um concorrente copie o produto sem consentimento, por exemplo.

O dispositivo que está sendo questionado pelo Ministério Público Federal, autor da ADI 5.529, é o artigo 40 da lei. Caso a conclusão do processo administrativo do INPI demore mais de 10 anos, o prazo de vigência da patente será contado a partir da concessão do direito ao criador. Assim, o período de proteção pode ultrapassar o prazo de 20 anos estabelecido em lei, chegando, em alguns casos, a somar 30 anos de exploração desse direito.

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Conforme o MPF, na prática, com esse dispositivo legal, muitas patentes são prorrogadas em função da demora do Inpi em examinar os pedidos. A Procuradoria-Geral da República requer na ADI 5.529 que esse trecho da lei seja declarado inconstitucional. Mesmo assim, o inventor continuará tendo os direitos de exclusividade sobre a invenção preservados, mas o objetivo é que não haja mais o uso do prazo estendido apenas porque o processo administrativo não ocorreu no tempo devido.

É também o que defendem especialistas como André Ramos Tavares, professor de Direito da USP e Presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, e Newton Silveira, diretor geral do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (veja a entrevista completa com eles no vídeo acima).

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Suspensão de artigo que prorroga exclusividade sobre fórmulas de remédios tende a agilizar produção nacional
Suspensão de artigo que prorroga exclusividade sobre fórmulas de remédios tende a agilizar produção nacional (Foto: Kevin David/A7 Press/Folhapress)

Segundo Newton Silveira, a conclusão da análise dos pedidos de patentes de medicamentos tem levado em torno de 13 anos no Brasil. E uma das razões alegadas pelo INPI para a extensão dos prazos é porque muitos fármacos dependem também do aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

André Tavares complementa que os prazos são muito demorados em relação aos praticados em outros países, como Estados Unidos, Alemanha e Japão, que podem conceder o registro definitivo entre um e três anos em muitos casos, ainda que nesses países haja muito mais pedidos de patente do que no Brasil, por conta da avançada industrialização.

O especialista considera que o artigo 40 da lei das patentes é inconstitucional porque fere diversos direitos garantidos pela Constituição, como o de livre concorrência, por impedir, enquanto existe o direito à patente, que qualquer outro concorra com o inventor; a proteção ao consumidor, porque estender o prazo de exclusividade afeta a disputa de preços e não possibilita escolha ao comprador; e também afeta, segundo ele, o desenvolvimento do país, porque a Constituição afirma que é dever do Estado estimular a ciência e a tecnologia.